São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 1995

O ROTEIRO DA POBREZA

Florestan Fernandes escreveu 319 artigos publicados à página 1-2 da Folha (pág. 1-2) de 26 de junho de 1989 a 7 de agosto de 1995. A coluna a seguir foi produzida pelo sociólogo à véspera de sua cirurgia e seria publicada no próximo dia 14:

Florestan Fernandes

Relatório recente do Banco Mundial, colocando o Brasil em último lugar - o pior quanto à distribuição de renda - projetou o país nos noticiários e provocou reações dolorosas entre as elites. Isso surpreende, pois o fato já é mais que sabido. Desde a década de 1940, o IBGE publica análises cuidadosas sobre o assunto e especialistas vêm dedicando-se ao estudo sistemático de nossa concentração de renda.

A repercussão dessas questões no exterior costuma ser recebida pelas classes dominantes nativas como um golpe. Elas ressentem-se da brecha em sua credibilidade e eficiência perante os países "civilizados''. Sua sensibilidade, porém, passa longe do equacionamento e correção do drama social.

O relatório repete velhas e conhecidas conclusões. Apregoou-se que o desenvolvimento econômico atenuaria o descalabro. Entretanto, seus três ciclos - urbano, urbano-industrial e macroindustrial - produziram resultados perversos. Sem se conjugar à democratização da sociedade, cada um deles promoveu maior enriquecimento dos ricos e remediados, que, para o povo, também são ricos...

Em 1962, durante congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, salientei esse fato: a riqueza pública era reiteradamente deslocada para setores que não se comprometiam com nenhum dever social. Contudo, dado o apego hipócrita ao "desenvolvimentismo'' desenfreado vigente à época, a denúncia caiu no vazio.

Hoje, aponta o Banco Mundial, os 10% mais ricos abocanham parcelas crescentes da riqueza do país (51,3%), enquanto os 20% mais pobres vêem decrescer sua participação na renda nacional (2,1%). Velhos problemas que não desaparecem por meios espontâneos!

Preocupados com a desigualdade interna, países capitalistas centrais montam programas como o Tennessee Valley Authority, nos EUA, buscando modificar esse panorama. Sabem que a unidade nacional e o próprio desenvolvimento econômico, cultural e político são afetados pelas diferenças regionais de participação na riqueza.

No Brasil, sempre se seguiu a rotina de privilegiar os privilegiados, sem tentativas frutíferas de intervenção programada na distribuição da renda. Mantêm-se níveis salariais os mais baixos possíveis, como desvalorização brutal do trabalho e intensa exclusão social. Com isso, atribui-se aos pobres os custos de sua reprodução. O trabalhador superexplorado gera outros trabalhadores na mesma condição e o miserável multiplica o número de miseráveis.

Essa situação atenuou-se com a industrialização, porém apenas em algumas áreas. Nas demais, o subdesenvolvimento regional alimentaria o agravamento constante dos desequilíbrios. E, mesmo aquelas regiões ditas desenvolvidas, acabaram vitimadas pelas migrações intensivas e contínuas.

O subdesenvolvimento, em suma, tem alimentado o desenvolvimento. Esse paradoxo só desaparecerá quando os de baixo lutarem organizadamente contra a espoliação, exigindo transformações profundas na política econômica, nas funções do Estado e na estrutura da sociedade de classes.
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