|
No
dia 29 de abril último, verificaram-se três episódios
que, ligados entre si, pelo destino, e a despeito da sua crudelíssima
realidade, se guindaram, à categoria de um símbolo
só: - o símbolo do fim da tirania nazifascista. Com
efeito, nesse dia, ocorreram estas coisas extraordinárias:
- os rebeldes italianos arrancaram a cidade de Milão das
mãos dos alemães e dos italianos fascistas - os mesmos
rebeldes processaram, julgaram e fuzilaram Benito Mussolini, expondo
o seu corpo em praça pública, à guisa de proclamação
de infâmia - e os exércitos das Nações
Unidas entraram em Munich, capital da Baviera, na Alemanha.
Agora, considerem-se êstes pontos:
Milão foi o berço do fascismo, em data que hoje parece
remota. Na verdade, o fascismo, como idéia-fôrça,
de caráter político, nasceu, sem que o próprio
Mussolini tivesse a menor noção disso, num comício
noturno, realizado em Milão, no curso do ano de 1921. Era
um comício de socialistas, ao qual Mussolini, depois de se
dizer republicano, monarquista, anarquista, e outras coisas mais,
também compareceu. Seus antigos companheiros de socialismo
o vaiariam tumultuosamente, considerando-o perjuro. Mas Mussolini,
que, como autêntico filho da época italiana de D' Annunzio,
gostava das belas frases, teve a felicidade de, em pleno tumulto
da vaia, proferir esta frase: "Voi oggi mi odiate perché
mi amate ancora!" ("Vocês hoje me odeiam porque
me amam ainda!"). Está claro que não há
italiano - gente artista por definição - que resista
ao efeito de frase semelhante. Ninguém naquele comício,
resistiu. E Mussolini que entrara no comício sob vaia estrepitosa,
saiu dali carregado em triunfo.
Foi depois disso, e em consequência disso, que se formaram
os "fasci di combattimento", denominação
dada por D'Annunzio, e foi daí que derivou a palavra fascismo,
criada pelo dramaturgo Sem Benelli e difundida pelo romancista Giuseppe
Brunati.
O fascismo nasceu em Milão. Em Milão se formaram os
primeiros "fasci di combattimento" destinados a pôr
ordem, pela violência, na indústria italiana então
completamente anarquizada. De Milão deveria partir aquela
que, se se houvesse realizado, teria sido a "marcha sôbre
Roma". Na verdade a "marcha sôbre Roma", de
Mussolini, nunca se verificou. Mussolini estava em Milão,
onde havia um acampamento de fascistas. Ao redor de Roma, havia
outro acampamento de fascistas. Os componentes do acampamento de
Milão deveriam viajar, para se unir aos componentes do acampamento
de Roma. Entretanto, o rei Victor Emmanuel III deu, ao marechal
Badoglio, ordem para não dispersar o acampamento de camisas-negras
de Roma, remetendo ao mesmo tempo, um telegrama, a Mussolini para
que êste comparecesse a palácio, a fim de receber a
incumbência de organizar o novo ministério italiano.
Mussolini partiu de Milão para Roma, em trem especial, envergando
a camisa negra. Deixou sua gente no acampamento de Milão,
e não ligou importância à sua gente de Roma.
Foi ao palácio real com De Bono, que o fascismo promoveu
a marechal e depois fuzilou, e com Balbo, então capitão
de um regimento alpino, que o fascismo promoveu a marechal do ar
e depois matou num "desastre" de aviação.
Milão sempre foi reduto importantíssimo do fascismo.
E foi Milão que prendeu Mussolini, depois de o glorificar
- e que fuzilou Mussolini, depois de o elevar à categoria
de ídolo. Assim, encerrou-se o ciclo. A cidade que produziu
o monstrengo, devorou-o. E nisto há um desígnio altíssimo
da História. Se Mussolini fôsse prêso e fuzilado
pelas Nações Unidas, sempre seria possível,
no futuro, considerá-lo mártir - e, ao redor da idéia
dêsse mártir, sempre seria admissível que alguns
italianos se reunissem. Mas Mussolini, criação puramente
italiana, e, mais ainda puramente milanesa, foi destruído
pelos seus criadores. Assim, elimina-se a probabilidade de o seu
nome vir a servir de bandeira a quem quer que seja, porque chamar-se
ou haver-se chamado Mussolini hoje, na Itália liberta, é
sinônimo de infâmia.
Exatamente no dia em que Milão se rebelou e em que Mussolini
foi fuzilado, Munich caiu em poder dos exércitos norte-americanos.
Munich, na Alemanha, foi o mesmo que Milão, na Itália.
Também Munich foi berço de algo parecido com o fascismo
- que é o nazismo alemão. Num só dia, o destino
fêz com que fôssem derrotados, pelas armas, os dois
focos fundamentais da tirania nazifascista - eliminando, ao mesmo
tempo, Mussolini que fôra o criador original da idéia-fôrça,
a princípio vitoriosa, mas agora considerada maldição
pelas próprias multidões que a aceitaram e a quiseram
impor ao resto do mundo. Poucos dias mais tarde, correu a notícia
da morte de Hitler.
Não vamos discutir, nesta nota, a justiça ou a injustiça
dos fatos ocorridos e inevitáveis. Assinalemos apenas o símbolo
nesses fatos compreendido. São as próprias fôrças
cósmicas que convergem para a finalidade que consiste em
eliminar, da face da terra, a sinistra ambição de
mando milano-muniquense. Diante de tal símbolo, não
se deve mais dizer apenas que são democracias que vencem.
Deve-se dizer, com mais acêrto, que é o próprio
impulso cosmogônico, primigênio, da ordem universal,
que adquire implacabilidades definitivas, para se opor ao prosseguimento
da perversão do sentido natural da vida, com que Mussolini
e Hitler, perdendo a noção do absurdo, pretenderam
dominar o mundo. Êste comportamento das fôrças
fundamentais e regulares da Natureza da História sanciona
a obra das democracias. E é isto o que nimba de justiça
divina a obra das democracias. |
|