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Claude Levi-Strauss (1908), antropólogo nascido na Bélgica,
vive na França. Formalizou e engrandeceu ao conceito de "estrutura"
iniciado por Ferdinand Saussure (1916). Em 1934 Levi-Strauss veio
ao Brasil para lecionar na Universidade de São Paulo. Da
sua estada e das viagens que empreendeu pelo interior, saiu "Tristes
Trópicos", publicado em francês em 1955, que descreve,
em linguagem acessivel e pitoresca, à maneira dos antigos
viajantes e estudiosos, os costumes da sociedade urbana e a vida
dos índios brasileiros. Levi-Strauss dedicou-se especialmente
a estudar mitos, totens e as relações de parentesco,
enquadrando estas como uma das três formas de comunicação
social (as demais: os meios de comunicação e o processo
econômico). O tratamento aos mitos dado por Levi-Strauss não
os retira do contexto social e econômico onde são desenvolvidos.
Para ele, os mitos incorporam oposições binárias
sempre presentes nas sociedades que os geraram. Nos mitos os conflitos
sociais são reconciliados. Levi-Strauss encontra sempre um
sistema de leis "estruturais" invariáveis que o
levam a montar uma identidade para as leis do mundo. O texto abaixo
foi extraido de diversos capitulos de "Tristes Trópicos"
(Ed. Martins Fontes, Lisboa) com tradução de Jorge
C. Pereira.
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O conjunto dos costumes de um povo é sempre marcado por
um estilo; formam sistemas. Estou persuadido que estes sistemas
não existem em número ilimitado e que as sociedades
humanas, tal como os individuos - nos seus jogos, nos seus sonhos
ou nos seus delirios - limitam-se a escolher certas combinações,
num repertório ideal que seria possível reconstituir.
Um espírito malicioso já definiu a América
como sendo uma terra que passou da barbárie à decadência
sem conhecer a civilização. Poderíamos com
mais razão aplicar a fórmula às cidades do
Novo Mundo: vão da frescura à decrepitude sem se
deterem na antiguidade.
Nas cidades do Novo Mundo não é propriamente a falta
de reminiscências que me choca. Essa ausência é
um elemento da sua significação. Estas cidades são
jovens e extraem dessa juventude sua essência e justificação.
A passagem dos séculos representa uma promoção
para as cidades européias; para as americanas, a simples
passagem dos anos é uma degradação. Não
foram apenas construídas recentemente, mas de forma tal
que podem renovar-se com a mesma velocidade com que foram erguidas,
isto é, mal. No instante em que se erguem novos bairros,
quase não chegam a ser elementos urbanos: são demasiadamente
novos para o serem. O estilo passa de moda, a ordenação
arquitetônica primitiva desaparece com as demolições
que são exigidas por uma nova impaciência.
Não são cidades novas contrastando com cidades antigas,
mas são cidades com um ciclo evolutivo demasiadamente rápido.
Certas cidades da Europa adormecem suavemente na morte; as do
Novo Mundo vivem febrilmente numa doença crônica:
eternamente jovens, nunca são todavia saudáveis.
Botânicos nos ensinam que as espécies tropicais compreendem
variedades mais numerosas do que as das zonas temperadas, mesmo
que cada uma delas seja constituída por um número
muito restrito de indivíduos. Esta especialização,
no Brasil, foi levada até os limites máximos.
Assim é que uma sociedade limitada distribuiu os papéis
entre os seus membros. Nela podiam encontrar-se todas as ocupações,
todos os gostos, todas as curiosidades justificáveis da
civilização contemporânea, embora cada setor
fosse encarnado por representante único. Nossos amigos
não eram exatamente pessoas, mas sim funções
cuja lista havia sido estabelecida mais em virtude da sua importância
intrínseca do que das suas disponibilidades. Havia assim
o católico, o liberal, o legitimista, o comunista ou, noutro
plano, o gastrônomo, o bibliófilo, o apreciador de
cães ou cavalos de raça, da pintura antiga, moderna.
Havia o erudito local, o poeta surrealista local, o musicólogo
local, o pintor local.
Nenhuma preocupação real em aprofundar os conhecimentos
encontrava-se na base destas vocações. Se por acaso
dois indivíduos, em resultado de erro de manobra ou por
pura inveja, ocupavam o mesmo domínio ou domínios
próximos, passavam a ter a preocupação exclusiva
de se destruírem mutuamente, o que faziam com persistência
e ferocidade notáveis. Havia troca de visitas entre feudos
vizinhos, com muitas mesuras uma vez que todos estavam interessados
em se manter nas posições. Somos forçados
a reconhecer que alguns dos papéis eram desempenhados com
brilho extraordinário devido à conjugação
de fortunas herdadas, encanto nato e muita manha adquirida.
Os estudantes queriam saber muito, porém apenas das teorias
mais recentes. Nunca liam as obras originais, preferiam as publicações
abreviadas e mostravam enorme entusiasmo pelos novos pratos. É
uma questão de moda e não de cultura. Idéias
e doutrinas não apresentavam aos seus olhos um valor intrínseco,
eram apenas instrumentos de prestígio, cuja primazia deveriam
obter. Partilhar uma teoria conhecida por outros era o mesmo do
que usar roupa pela segunda vez. Uma concorrência encarniçada
estabelecia-se com o fito da obtenção do modelo
mais recente e mais exclusivo no campo das idéias.
Na América tropical o homem encontra-se dissimulado. Em
primeiro lugar pela sua própria escassez. Mas mesmo nos
locais em que se agrupou em formações mais densas,
os indivíduos permanecem enleados pela agregação
muito recente. Ainda não aprenderam a conviver. Qualquer
que seja o grau de pobreza, no interior ou mesmo nas grandes cidades,
só excepcionalmente chegamos ao ponto de ouvir os seres
gritarem - sempre é possível subsistir com pouca
coisa num solo que começou a ser saqueado pelo homem -
e só em alguns pontos - há apenas 450 anos.
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