São Paulo, sabado, 5 de junho de 1926
Neste texto foi mantida a grafia original

A ARTE E O CRIME

Marinetti e Meneghetti

Ambos nascidos no paiz da arte, onde as linhas architectonicas, as plasticas marmoreas, os paineis prodigiosos, deram-lhe tal denominação.

Ambos tendo por longo espaço de tempo vivido nos humbraes esquecidos das velhas e poeirentas cidades da antiga Roma. Ambos sequiosos de mostrar ao Novo Mundo as habilidades que dos reconcavos da antiguidade brotam fecundas e abundantes, rumaram á America.

Marinetti, o representante mascarado de uma facção politica, vem á scena empunhando o facho de luz da arte moderna, surgida por entre as arcadas ancestraes do velho Colyseu, pregando a transformação do sentimento politico, transcripto em longos e encantadores versos, pelo estourar das bombas, repicar de sinos, silvar de locomotivas.

Na representação da velocidade assustadora de vida, na locomoção rapidissima, tenta impedir, pela deslocação brusca, que respire o oxygenio sustentador a arte perfeita e pura, isto é, aquella que todos apreciam, todos sentem, e a todos agrada.

Quando um quadro attráe uma multidão, pela singeleza de suas linhas, pela verdadeira expressão do bello, podemos dizer, que de facto, é artístico, porém, os quadros dessa nova escola revolucionaria do espirito intelectual do mundo são comparaveis áquelle pintado por um demente, em que se via uma téla em branco, com a seguinte inscripção: "A passagem dos Israelitas pelo Mar Vermelho". Alguem se approximando delle, e desejando comprehender a sua significação, interroga o louco:

- Onde estão os Israelitas?
- Já passaram.
- Os hebreus?
- Ainda não chegaram.
- E (já assustado com as respostas) o Mar Vermelho?
- A voz de Moysés recuou.

Assim são de facto as producções futuristas dos discipulos de Marinetti.

Só a imaginação delles existe, e talvez nem mesmo aos futuristas agrade.

Os que sinceramente dizem não comprehender, são os "passadistas; os que não comprehendem e se fazem de bons entendedores são os futuristas".

Conclue-se disso que a escola futurista não é nem mais nem menos que o fructo da hypocrisia do seculo corrente.

Mas, falavamos de Marinetti e Meneghetti, este, ladrão astucioso, audaz, perigoso, assassino frio, calmo, sereno, vem da Italia, para revolucionar o meio policial e atemorizar o meio social da nossa paulicéa.

O tiroteio da manhã de hontem nada mais é que a prova patente do atrevimento de um criminoso nato, no dizer de Lombroso; criminoso, na época actual, futurista, pois, nos crimes que praticou nesta capital, demonstrou que estava decidido a revolucionar a arte profissional que exercia.

Marinetti, tambem tentou revolucionar a arte, e foi applaudido pela mesma fórma futurista com que as balas da policia paulista felicitavam o autor de aventuras romantescas, pelos innumeros projecteis que ao alto das galerias, a mocidade academica em manifestação de franca hostilidade lhe dirigia, mostrando o brio do povo passadista.

Ambos, Marinetti e Meneghetti são usurpadores extranhos ao nosso meio, que nos vêm inflingir os males perniciosos de sua arte.

Marinetti quer tirar-nos pelo assassinio da arte passadista as mais palpitantes provas do coração do povo brasileiro, a poesia, que é o romantismo, a pintura, que é a reproducção perfeita dos encantos nas expressões vivas da téla, para implantar as grotescas e desinteressantes producções dos modernos futuristas.

Meneghetti, esse quer roubar pelo assassinio, a propriedade do povo, a paz dos lares e os fieis cumpridores dos seus deveres, substituindo a segurança e a ordem, pelo terror de suas anarchicas e audaciosas façanhas.

A Marinetti e a Meneghetti, futuristas na arte e no crime, façamos a maxima campanha, para que no nosso territorio não mais appareçam outros transformadores do quilate desses dois.

S. Paulo, 4 de Junho de 1926.
WALFRIDO PRADO GUIMARÃES
Rua do Carmo, 12.


Leia reportagem publicada em 1926 sobre Meneghetti em Manchetes
Leia biografia de Meneghetti em Miscelânea
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