São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1929
Neste texto foi mantida a grafia original

AS CONCEPÇÕES SCIENTIFICAS DO UNIVERSO
UMA NOVA THEORIA DE ALBERTO EINSTEIN
TERRA, SOL, UNIVERSO, TUDO UMA ILUSÃO?


Ainda mais uma vez o mundo, com renovado interesse, fixa a sua attenção sobre a personalidade do sabio allemão, prof. Alberto Einstein, inventor da theoria da relatividade que revolucionou totalmente a antiga mechanica celeste de Kepler e de Newton, suscitando nos circulos competentes e leigos um verdadeiro movimento de estupefacção. Seguiram-se, como se sabe, vivas discussões entre os scientistas que foram suficientemente divulgadas atravez da imprensa de todos os paizes.

Ruiam os fundamentos de uma concepção que predominára durante seculos e seculos. A grande innovação scientifica, como todas as outras que a precederam na historia da civilisação, encontrou elementos promptos para exaltal-a ou cobril-a de uma onda de sarcasmos.

Grande rumor provocaram as primeiras declarações de Einstein. Ainda maior confusão se originou com a nova theoria do illustre sabio recentemente revelada ao mundo. Trata-se de um corollario aos estudos sobre o electron feitos pelo seu não menos ilustre collega Eddington, da Universidade de Cambridge.

O novo trabalho de Einstein

A nova theoria póde ser condensada em tres paginas cheias de formulas mathematicas comprehensiveis somente para um limitado numero de interessados.

O resto da humanidade restringir-se-á aos contornos das dissertações, podendo discutir a seu bel prazer a generalisação theorica das novas leis.

Não será facil, porém, persuadir a gente de que nem o mundo, nem o sol, nem as estrellas existem realmente, como entidades individuaes. Esta é, porém, a conclusão a que, atravez das equações mathematicas, chegam Einstein e Eddington que se baseiam no dogma de que o electron não existe, ou pelo menos não tem uma existencia, verdadeira, se se considerar esta palavra, segundo o conceito de existencia commum e individual de um corpo.

Por inducção, sempre acceitando as conclusões dos dois scientistas ultra-visionarios, nós poderemos chegar ao ponto de concluir que toda a coisa que nós percebemos por meio dos nossos sentidos (vista, ouvido, olfato, tacto e gosto) realmente não existe, sendo apenas producto das impressões subjectivas. Isso constitue um acontecimento, uma circumstancia, mas não uma coisa positiva.

O novo conceito em si

Na realidade, este conceito nada tem de novo, Heraclyto e seus discipulos do idealismo sustentavam-n'o desde a época mais remota, mas não dispunham de meios para demonstral-a por meio dos calculos mathematicos e ainda menos chegar aos extremos do scientista allemão e o seu discipulo inglez.

As tres paginas de Einstein provam que as leis que controlaram a electricidade, o magnetismo, a gravitação, etc. não se distinguem umas das outras, mas fazem parte de uma unica lei universal.

O sabio allemão diz ter obtido por intermedio das mesmas equações mathematicas, as normas que governam o campo electro-magnetico e o da gravitação.

"Agora e somente agora sabemos (declarou Einstein a um jornal de Berlim) que a força que move o electron na sua ellipse em redor do nucleo do atomo é a mesma que provoca o movimento da Terra no seu trajecto annual em torno do Sol; a mesma que nos traz os raios solares e da luz em geral, tornando possivel a nossa existencia nesse planeta."

Situação nos meios scientificios

O campo scientifico está convulsionado.
Parece aos scientistas que será difficil aceitar as theorias tão phantasticas. Propõem-se interrogações e racciocinios phantasticos, as theorias einsteinianas suggerem novamente conclusões logicas e consequencias desconcertantes.

Se uma mesma lei regula o movimento do electron, o que se executa em torno do sol e de todas as estrelas em torno do centro do Universo, e se o electron não existe como uma entidade individual, mas somente como um producto subjectivo da mente humana, que acontecerá então com as estrellas, com o mundo, com todas as cousas que vemos e tocamos?

Existe tudo ou não existe? Raciocine que, popularizado, poderia fazer endoidecer qualquer bom diabo graças á continua duvida, se elle esteja realmente fazendo uma determinada cousa, servindo-se de materia real ou imaginaria.

A theoria electronica de Eddington

Enfurecendo as criticas mais ferozes, Eddington sustenta decididamente a sua theoria electronica.

Escreve elle:

"Falando á Sociedade Ingleza, declarei que o electron é apenas um fantoche que serve á nossa insufficiente intelligencia para resolver os problemas da sciencia e da natureza. Isso não é uma novidade, mas um facto hoje admitido. Muitas vezes se apresentam condições em que o electro não nos é mais necessario. Affastamol-o então recorrendo a outras entidades mysteriosas que chamamos "psi", suppondo-as mais visinhas da realidade.

Supponhamos agora o electron numa bola de golf e um raio de luz num feixe luminoso. Se acceitarmos a theoria atomica de Schrodinger, devemos admittir que, se continuarmos a usar a bola chega o momento em que esta não está mais exactamente em posição alguma.

Não é, pois, de admirar que a nossa intelligencia comece por não se capacitar mais.

Tomemos agora dois electrons e concebamol-os como duas bolas de golf. Não podemos continuar a seguir-lhes o vôo, porque ha um momento em que elles não estão exactamente em posição alguma.

Poderemos reconhecel-os por meio da sua substancia, mas se elles são somente fantoches, producto da nossa phantasia para avisinhar-nos da verdade do "psi", de nada valerá tambem esta reserva.

Para continuar o jogo, concordemos em definir duas bolas, minha e tua, ficando essa identificação puramente convencional.

Na base das theorias até agora acceitas encontramo-nos ás voltas com esta obiquidade, complicação que é eliminada quando se trata de um unico electron.

Procuro demonstrar-vos portanto que esses dois electrons são uma mesma cousa. O jogo na nossa parabola de golf representa para nós a dynamica do movimento dos electrons. Para o desenvolvimento do jogo servimo-nos de identificações convencionaes. Estas não são absolutas como, por exemplo, os limites convencionaes do tempo e do espaço, ainda que estes não existam.

O desenvolvimento mathematico da minha theoria conduz á assimilação do systema das identificações convencionaes dos dois electrons pelo systema dos limites do espaço e do tempo, de modo a sujeitar todo o assumpto á theoria relativista."

A opposição scientifica

O raciocinio de Eddington e a generalisação de Einstein encontram opposicionistas decididos. Entre elles se destaca o prof. Charles Lane Poor, docente de mechanica celeste na Universidade Columbia de Nova York.

"Durante dez annos andei pelos Estados Unidos combatendo a theoria de Einstein e não encontrei um que se desse ao trabalho de ler as formulas einsteinianas.

Devo concluir que elle hypnotisou o mundo."

O dr. Poor continua atacando o electron-fantoche de Eddington e defendendo a theoria da gravitação de Newton destruida pelas novas descobertas.

"Dizem-nos em tres paginas de formulas mathematicas que todas as nossas concepções do espaço e do tempo devem ser abandonadas. O Sol, as estrellas e o mundo são negados como entidades individuaes.

Eu respondo que as leis, até agora reconhecidas e rejeitadas por Einstein não foram inventadas por Newton e por Euclydes ou por algum outro sabio da antiguidade. Ellas são carne da nossa carne, sangue do nosso sangue, representando o ajustamento da mente humana depois de decisivas experiencias atravez de innumeros annos. As novas theorias são o producto da mente de um mathematico, de um sonhador que não leva em consideração a realidade theorica dos factos".

O fim da nova doutrina

Os acontecimentos que originaram todo esse movimento de prós e contras são:

1) A imminente publicação de uma memoria de Einstein em tres ou cinco paginas apenas (producto de dez annos de estudo e pesquizas,) servindo para a integração da theoria de relatividade;

2) A construção em Potsdam (Allemanha) de um observatorio especial que se ergue em forma de uma torre, com o escopo de conseguir novas provas a favor da mesma theoria.

"O fim do meu novo trabalho - assim declarou Einstein - é coordenar as leis que regem o campo da gravitação do electromagnetismo, sob um unico e uniforme ponto de vista. Em substancia este meu opusculo trata de um novo desenvolvimento da theoria de relatividade."

Não obstante parecer extraordinario que um opusculo de tão poucas paginas tenha custado ao seu autor dez annos de trabalho, todavia a surpreza deante do facto deve cessar, quando se souber que a apresentação original da famosa theoria de relatividade em 1919 foi tambem feita por Einstein num opusculo de tres paginas apenas.

Não é, pois de se admirar.
Se a nova publicação fôr anciosamente esperada por todo o mundo scientifico.

O trabalho se intitula: "O novo campo da theoria". Einstein considera-o como a mais importante contribuição sua em benefício da humanidade.

Sob o ponto de vista scientifico, é ainda mais importante que a sua theoria original, por que aquellas poucas paginas encerram a quinta essencia de uma theoria nova, na qual o grande physico tenta construir uma ponte entre a mecanica celeste classica de Kepler e de Newton e a modernissima electrodynamica.

Alguns dados interessantes

Um membro da Academia Prusiana de Sciencias, a quem Einstein apresentou o seu opusculo, explica que a nova theoria representa uma tentativa de transformar a concepção humana de energia, que se tornou "anemica", em uma fórma mathematicamente comprehensivel e tangivel.

A theoria original de Einstein foi revelada ao publico depois de 15 annos de experiencias e estudos, em 6 de novembro de 1919, quando a Sociedade Real de Londres lhe concedeu a sua approvação official.

Paginas inteiras de jornaes e um numero consideravel de paginas de revistas foram dedicadas á descoberta, em esforços multiformes de explicar aquillo que apenas uma duzia de homens em todo o mundo estava em condições de comprehender completamente.

Einstein não era dessa opinião. Estava tão convencido da evidencia da sua descoberta, que tinha por certa a sua accessibilidade a uma grande quantidade de pessoas intelligentes e estudiosas. A enorme massa do publico, acreditou e acredita na theoria de relatividade, baseando-se sómente no endosso que lhe emprestaram numerosos scientistas de renome universal.

Para uma grande maioria a doutrina continua sendo um mysterio apesar das tentativas no sentido de divulgal-a e explical-a.

Em que consiste, pois, essa extraordinaria descoberta?

Tentaremos expôl-a em resumo:

A essencia da nova concepção

Antes que Einstein revelasse a sua theoria, ninguem punha em duvida a existencia absoluta e indiscutivel do tempo e do espaço - ainda que no Universo nada mais existisse, nem Sol, nem Lua, nem Terra, nem estrellas.

O tempo absoluto (affirma-o e demonstra-o Einstein), não existe, nem póde existir. Constatámos as variações de tempo, não o tempo absoluto.

O que parece simultaneo para um observador, parecerá sucessivo para um outro que se encontre em movimento com relação ao primeiro. Ambos terão razão, por que nenhum delles poderá lançar mão de um systema de referencia superior, de um relogio absoluto.

Cada um delles terá um tempo differente, um tempo local.

A differença entre os dois tempos locaes será tanto maior, quanto maior fôr a velocidade relativa.

Isso é para o tempo.

Para o espaço.

Como a duração do tempo, tambem a medida do comprimento depende do estado de movimento de quem mede. Expliquemos com um exemplo: - encontro-me sobre a terra, no centro de uma distancia de dez metros, enquanto vós vos achaes no alto, a bordo de um dirigivel com dez metros de comprimento. Quando a prôa do dirigivel estiver sobre a extremidade dos meus dez metros e a sua pôpa sobre a outra extremidade, fareis signaes annunciando o facto. Direis então que, emquanto a parte anterior da vossa nave tiver alcançado o fim da distancia á minha disposição, a pôpa da nave não terá ainda chegado sobre o ponto inicial da mesma distancia. Direis então que a minha recta é mais curta que a vossa nave. E uma vez que o comprimento da nave será aos vossos olhos sempre o mesmo, affirmareis que a minha recta encurtou. E eu attribuirei o encurtamento á vossa nave.

Quanto mais rapido fôr o vosso movimento, tanto maior será o encurtamento. Se o movimento alcançasse a velocidade da luz (c igual 300.000 kilometros por segundo) o comprimento appareceria ao observador do outro systema reduzido a zero; o corpo seria chato.

Perguntar-se-á nesse ponto: - essas variações de grandeza são reaes ou são apenas uma illusão dos nossos sentidos?

Não se trata de uma illusão.

Trata-se da relatividade das medidas de grandezas e do espaço em geral.

Essas medidas não são absolutas e variam segundo o movimento do observador ou, melhor, do systema de pontos de referencia da medida. Dois observadores em estados de movimentos differentes com relação a um objecto obterão medidas diversas desse mesmo objecto. Quem poderia dizer qual das duas é verdadeira ou justa? Alem disso, os volumes não sómente se reduziriam, como tambem appareceriam deformados.

A forma dos objectos é, pois, tambem relativa.

A palavra "relatividade", como é usada por Einstein, significa por isso a impossibilidade de medir de um modo absoluto o tempo, a distancia ou o volume.

Einstein tem uma nova visão do Universo. Todas as idéas antigas sobre o nosso mundo cahiram por terra. Fóra do campo de gravitação não ha espaço.

Esse systema que inutiliza a uma secular concepção do mundo tem tido provas innegaveis que já tivemos a opportunidade de relatar.
Anteriores
 
  Ariano Suassuna  
 
A chegada do inimigo do café
 
 
Vinte anos após a morte do "Che" suas previsões soam como ironia
 
 
Fernando Pessoa e a disciplina
 
 
A casa onde Anne Frank escreveu seu diario agora é centro mundial de jovens
 
 
O manifesto do general Luiz Carlos Prestes
 
 
"Nós somos mais magicos que logicos"
 
 
Hoje se comemora o "Dia de Anchieta", o jesuíta que teve uma atuação marcante na vida brasileira
 
 
Herodes, o Grande e Herodes Antipas
 
 
Noel Rosa
 
 
A missão da música no mundo moderno
 
 
A arte e o crime
 
 
Celso Furtado comenta a industrialização brasileira
 
 
José Lins do Rego
 
 
É possível uma nova guerra europea?
 
 
"Antimemorias" de André Malraux: uma reportagem de nosso tempo
 
 
Um marinheiro chamado Pancetti
 
 
Flavio de Carvalho, o ultimo dos iconoclastas
 
 
Stanley Kubrick: A arte da violência
 
 
O que é o theatro da experiencia
 
 
Reforma agrária: pronunciamento de Goulart
 
 
"Qual o filme que você gostaria de ter dirigido?"
 
 
"Terra em Transe" em debates no Rio
 
 
Estou me sentindo uma miss universo
 
 
A ciência e a imprensa
 
 
Oshima, cineasta que não gosta de falar
 
 
Foucault
 
 
Um combate desigual
 
 
Marquerite Duras analisa o crime
 
 
Canções de protesto de Bob Dylan ensinam os jovens a ter alma
 
 
A poesia de Cartier Bresson
 
 
Menor paulistano: lazer útil é solução
 
 
A linguagem das atas
 
 
"Folha da Noite" conversa com o escriptor Origenes Lessa
 
 
No 44o. anniversario da abolição da escravatura no Brasil
 
 
Ultimas palavras de reis no seu leito de morte
 
 
O tipo ideal do companheiro para a mulher de hoje
 
 
Os descendentes dos incas
 
 
Precisamos conquistar a paz e não esperar que encontremos entre os presentes de ano novo
 
 
Um ano de Hitlerismo
 
 
As grandes viagens aereas
 
 
Einstein
 
 
Dos infusórios
 
 
A lembrança de Marcel Duchamp
 
 
Como os hollandezes estão arrancando uma provincia ao mar
 
 
As possibilidades da gravura não foram suficientemente exploradas
 
 
Casamentos de principes e reis
 
 
A história do futebol
 
 
Como Buster Keaton entende que hão de ser as comédias falantes
 
 
Menotti Del Picchia e a tournée da instrucção artistica do Brasil
 
 
História econômica do Brasil
 
 
Uma importante entrevista com Trotsky
 
 
O que a vida me ensinou
 
 
A primeira entrevista de Hitler
 
 
Ouvindo os "Novíssimos"
 
 
Idéas e Factos
 
 
Preconceito de Classes
 
 
Uma entrevista de Chaplin
 
 
Novos rumos para o Brasil
 
 
A morte é vírgula
 
 
Casa Grande & Senzala