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"Estou
meio decepcionado com as coisas do futuro". A frase traduz
a amargura do cientista brasileiro Augusto Ruschi (pronuncia-se
Rúsqui), 70, "desanimado" com as perspectivas da
preservação do meio ambiente no Brasil e sofrendo
as consequências de um acúmulo de doenças, entre
elas a possibilidade de um envenenamento por sapo. Ruschi recebeu
a Folha na quinta-feira, às 10h, para entrevista exclusiva
na varanda de sua casa, em Santa Teresa, município situado
a 86 km ao norte de Vitória (ES), cercado pelas duas "grandes
paixões" de sua vida: a mata e os beija-flores. "É
difícil ficar otimista, ter esperança. Temos esta
natureza para oferecer ao mundo e destruímos para plantar
porcaria".
A casa de Ruschi é o coração do Museu Mello
Leitão, oito hectares de matas, viveiros de pássaros,
um pavilhão de estudos de pássaros e uma biblioteca
especializada em Biologia. É a casa onde viveram os pais
de Ruschi, onde ele nasceu. "Estas plantas valem mais do que
minha própria vida". Enfraquecido pelas doenças,
o cientista repete hoje a frase que mandou colocar numa placa na
entrada do Museu, há quarenta anos. A voz arrastada e rouca
se reanima ao falar dos trabalhos que estão sendo realizados
("continuo lutando") e pede "mais um tempo de vida"
para concluí-los.
Com a autoridade de quem é responsável por 80% do
que se sabe sobre o beija-flor no mundo, pela descoberta e descrição
de 45 espécies de orquídeas, por um prestígio
no meio científico nacional e internacional muito grande,
Ruschi prevê a "tragédia" da desertificação
da Amazônia. E o lutador ecológico, que já ameaçou
matar um governador que queria derrubar uma mata e já enfrentou
grandes empresas nacionais e multinacionais, acha "muito cedo"
para a criação do Partido Verde e não tem esperanças
na Constituinte.
Folha - O senhor tem uma vida inteira de lutas pela preservação
ecológica no Brasil. Como avalia os resultados deste trabalho?
Ruschi - Olha, estou muito decepcionado com as coisas do futuro.
Num país em que até os letrados ignoram a importância
do meio ambiente é difícil ficar otimista, ter esperança.
Mas, continuo brigando. Quando sei de qualquer tentativa de agressão
ecológica vou ao governador, ao IBDF, mas é difícil.
No Brasil não há planejamento ecológico, não
há verbas. Abrem concurso para fiscal do IBDF, aparecem cinco
mil candidatos, mas, só contratam cinco. E as matas continuam
sendo derrubadas. Estive na Inglaterra e vi o trabalho de recuperação
do rio Tâmisa, que era uma coisa imunda, cheia de detritos,
e hoje está belo, limpo. Fiquei pensando: o que foi feito
ali equivale a muitos e muitos orçamentos de todas as atividades
de preservação realizadas no Brasil. Infelizmente,
não temos esta consciência.
Folha - Mas, o senhor obteve vitórias significativas
no Estado do Espírito Santo.
Ruschi - De fato, o Estado tem reservas biológicas fundamentais,
como a de Santa Lúcia (em Santa Teresa), único trecho
de mata atlântica preservado no país que tem de três
a quatro quilômetros de florestas, dos dois lados do rio que
a corta, intactos. Ultimamente, conseguimos impedir desmatamentos
como o da Fábrica Klabin de Papel e Celulose, em Pedro Canário,
e em parte de uma floresta da Acesita. Mas, ao mesmo tempo, o crescimento
das plantações de café em Santa Teresa, por
exemplo, provoca a morte de cerca de trezentos pássaros a
cada vez que os cafezais são pulverizados com fertilizantes
químicos os pássaros vêm todos morrer aqui no
Museu. (os oitos hectares de mata do Museu Mello Leitão,
no centro de Santa Teresa, são cercados de plantações
de café por todos os lados).
Folha - E a briga com o ex-governador do Espírito
Santo, Élcio Álvares, como foi?
Ruschi - Aquele safado quis destruir a estação biológica
de Santa Lúcia para favorecer amigos seus, industriais. Queriam
plantar palmito lá. Chegou a tentar me tirar da direção
da reserva para facilitar sua intenção. Falei que
mataria este homem se fizesse este crime e acho que mataria mesmo.
Lembro que, na época, o jornal "Movimento" foi
o primeiro a ficar do meu lado. Os jornais do Espírito Santo,
comprometidos com o bandido, se omitiram. Felizmente, o barulho
que fizemos impediu a destruição. Agora, estou sabendo
que ele quer ser governador de novo. Pode ter certeza de que já
tem um adversário disposto: eu.
Folha - O senhor está trabalhando?
Ruschi - Estamos reformando o Museu e pretendo abrir para o público
em abril deste ano. Teremos uma biblioteca de Biologia muito boa,
com exemplares, raros, como um sobre beija-flores editado na Inglaterra,
em 1861. É o único exemplar da obra na América
do Sul, um dos cinco existentes no mundo, com belíssimos
desenhos de John Gulg, o maior pintor de aves que já existiu.
Estamos organizando, no Museu, um pavilhão de Ornitologia
(estudo dos pássaros), reformulando os viveiros. Na oportunidade
da inauguração, vão sair o quarto e quinto
volumes da coleção "Aves do Brasil". Estou
trabalhando em três outros livros: um sobre macacos do Espírito
Santo, um sobre as orquídeas do Estado e outro sobre beija-flores.
Folha - Esta atividade intensa não está sendo
prejudicada por seus problemas de saúde? Como o senhor está
se sentindo?
Ruschi - Os problemas apareceram em agosto. Tive impaludismo oito
vezes, duas esquistossomoses e apareceu uma cirrose hepática
virótica. Além disso, sofri um envenenamento grave
com sapos.
Folha - Como foi esta história?
Ruschi - Foi há dez anos, na serra do Navio, no Amapá.
Estava procurando beija-flores quando vi um grupo grande de sapos
(cerca de trinta) no meio da mata. Fui até eles e apanhei
alguns para estudo. Depois, fui descobrir que eram da espécie
dendobrata, que liberam um veneno muito forte ao serem tocados.
Os índios nem chegam perto deles. Fui contaminado e hoje
também estou sofrendo a ação do veneno. Tenho
febres constantemente, dores em todo o corpo, mas continuo trabalhando.
Quero apenas mais um tempo de vida para acabar as reformas no Museu
e os livros.
Folha - Como o senhor avalia as perspectivas de continuidade
do seu trabalho e do movimento de preservação ecológica
no país?
Ruschi - Meio desanimado. Não sei o que vai ser do Museu
e da reserva quando eu faltar. Meu filho André, que estudou
Biologia, não se interessa, quer ficar em Campinas (SP) e
trabalha com plantas medicinais. A nível nacional, vejo que
a preservação florestal depende do presidente do IBDF:
se ele gosta da natureza, dá força a este aspecto;
se é mais ligado às questões comerciais, é
uma tragédia. Há 35 anos, escrevi que estavamos caminhando
para construir na Amazônia o segundo maior deserto do mundo.
Hoje, a previsão vai se confirmando. Estão destruindo
a floresta. No primeiro ano, depois que desmatam, é uma beleza:
o solo continua fértil, produz-se muito. Mas, depois, a matéria
orgânica é lixiviada para as profundezas do solo e
planta nenhuma vai lá embaixo buscá-la. Forma-se o
cerrado, depois a caatinga e, finalmente, o deserto.
Rodrigo Barbosa |
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