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Os acontecimentos do ABC deixam definitivamente claros dois limites
que, antes, eram apenas intuídos ou denunciados principalmente
pelas lideranças sindicais mais combativas: de um lado, o
limite da ação efetiva que a chamada sociedade civil
pode desenvolver para frear o autoritarismo e, de outro, o limite
da abertura política patrocinada pela autoridades federais.
E, infelizmente, um e outro são bastante estreitos.
Do lado da sociedade civil, percebe-se que ela está fazendo
o máximo, mas o máximo, no caso, é pouco. As
centenas de manisfestos e moções de apoio aos metalúrgicos
não mudam rigorosamente um milímetro a situação
no ABC. E a generosa contribuição ao Fundo de Greve,
se dá um oxigênio a mais aos grevistas, não
muda o isolamento da categoria na arena de luta. O único
apoio efetivo à greve, que quebraria o isolamento, seria
responder com greves de solidariedade à força empregada
pelo governo para pôr fim à greve. E não se
diga que pregar essa medida é subversão: em todas
as democracias avançadas do Ocidente, greves de solidariedade
são rotina - e não abalam o quadro institucional.
Acontece que todas as lideranças sindicais responsáveis
reconhecem, francamente, que suas categorias não estão
preparadas para uma ação eminentemente política
como o é a greve de solidariedade.
De parte da classe política, é tão patética
a impotência que os parlamentares simplesmente abandonam o
Parlamento, conscientes de que a tribuna se esvazia nos momentos
realmente graves, e se transformam em guardas de segurança
dos grevistas. Uma função certamente útil,
mas tão inócua quanto os discursos no Senado ou na
Câmara, como o demonstra o fato de que o deputado Gilberto
Siqueira Filho sequer conseguiu acompanhar Lula ao Deops no momento
em que o líder sindical era preso na presença do parlamentar.
Quanto à abertura política, os fatos do ABC mostram,
na prática, que tinham razão os líderes sindicais
quando denunciavam que ela não chegava à classe trabalhadora,
atada, juridicamente, a uma legislação de inspiração
facista e, economicamente, a uma política que privilegia
nitidamente o capital em detrimento do trabalho.
É verdade que o governo se escuda na lei para justificar
toda a sua atuação no episódio, mas fica evidente
que falece de autoridade moral para pedir cumprimento da lei a quem
a violou em pelo menos três momentos: primeiro, ao sequestrar
um cidadão inteiramente alheio aos acontecimentos (o motorista
do deputado Geraldo Siqueira Filho), no instante em que ele deixava
a casa de Lula, mantendo-o preso durante cinco horas em uma viatura
policial, até que se consumasse a prisão do próprio
Lula; segundo, ao prender Dalmo Dallari e José Carlos Dias,
"por equívoco". Pedir desculpas, depois, pela violentação
da lei, de nada adianta, até porque equívocos semelhantes
podem gerar vítimas às quais já não
é possível pedir desculpas, como o jornalista Vladimir
Herzog. E, finalmente, o governo viola a própria Constituição,
que permite a utilização das praças públicas
para reuniões, desde que os manifestantes não portem
armas (e, sabidamente, os metalúrgicos não têm
usado armas).
O governo usa, no caso, o espírito famoso de Benedito Valadares,
incorporado ao folclore político; aos amigos, tudo; aos inimigos,
apenas o rigor da lei, quando possível. E, com a lei, acima
da lei e à margem da lei, afasta a horda de metalúrgicos
do bem protegido jardim da abertura. Quebrar a greve, exemplar os
metalúrgicos - que ousam invadir esse jardim pela força
de sua mobilização e não por concessão
do bom Príncipe - é esse o claro objetivo do governo.
E, raciocinando friamente, é muito provável que ele
seja alcançado hoje, amanhã ou depois, pouco importa:
afinal, desprovidos de apoio efetivo, de suas lideranças,
de seus locais de reunião, armados apenas de algumas pedras
contra um aparatoso esquema de policiamento, parece impossível
que esses modernos davis de sotaque carregado repitam a façanha
bíblica. A volta ao trabalho parece inexorável. Mas
- e esse é um dado fundamental a levar em conta para o futuro
- é também inexorável que, algum dia, os metalúrgicos
voltem à cena, como voltaram o ano passado, cantando, uma
vez devolvido o seu sindicato: "Oceis pensaru que nóis
tinha ido embora; ói nóis aqui 'tra vêiz." |
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