São Paulo, sexta-feira, 14 de abril de 1978
Neste texto foi mantida a grafia original

HOBBES E AS INSTITUIÇÕES

Hobbes - Thomas Hobbes - (1558-1679), até por sua longa vida, percorreu vários itinerários da filosofia. Sobreviveu a Descartes e a Spinoza, embora a data de seu nascimento o inclua na geração pré-cartesiana. Era filho de um clérigo, estudou em Oxford, foi preceptor de principes e secretário de Bacon. Morou em Paris, onde manteve estreita amizade com Descartes. Conheceu Galileu e ocupou-se intensamente com as matemáticas e as linguas clássicas. Mas sua maior preocupação se desenvolveu no campo dos problemas da sociedade e do Estado. Seus livros mais importantes: "De Corpore", "De Homine", "De Cive". Mas sua obra capital é o "Leviatã", de onde tiramos o texto que hoje aqui se publica sobre as instituições do Estado.

Só se pode dizer que um Estado está institucionalizado quando a maioria das pessoas se junta e se põe de acordo para entregar a um homem ou a uma assembléia de homens o direito de representar a todos. Isto é, de governar como seus representantes. Todos, então, tanto os que votaram a favor como os que votaram contra, estão no dever de submeter-se aos atos e aos julgamentos do eleito ou da assembléia de eleitos, como se pessoalmente os estivessem praticando. Pois só assim é possível viver pacificamente e na segurança de estar defendido contra abusos de outros homens.

É da instituição do Estado que derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem se conferiu o poder soberano por consentimento do povo reunido.

E isto, em primeiro lugar, porque se deve entender que os que fazem um pacto neste sentido não estavam obrigados por algum pacto anterior, incompativel com o que no momento celebram. Desse modo, os que já haviam constituído uma comunidade e haviam se comprometido com um tipo de instituição, não podem legitimamente fazer nenhum novo tipo de pacto sem a audiência e sem a permissão da maioria do povo.

Os que estão submetidos a um monarca, não podem, sem sua permissão, abandonar a monarquia e voltar a um regime de desunião e desordem, nem trocar o monarca por um outro ou substituí-lo por uma assembléia de homens, pois estão obrigados a respeitar os pactos sociais que fizeram anteriormente, em plena liberdade, e pelos quais entregaram ao monarca uma representação legítima de suas vontades. Dessa forma, o que é eliminado ou punido por um soberano legítimo deve ser considerado como autor de seu próprio castigo.

Alguns homens têm pretendido mudar as instituições em nome de razões invocadas até em nome de Deus. Mas é óbvio que ninguém tem procuração de Deus para mudar governos e instituições. Também grupos isolados da sociedade não podem falar em nome da sociedade, de um modo geral, para justificar a mudança das instituições.

Não é possível fazer um pacto ouvindo apenas uma parte do povo, pois assim seria legítimo fazer tantos pactos quantas fossem as pessoas existentes no país. Além disso, se uma ou mais pessoas consideram que um governo cometeu uma infração aos limites de seu mandato, pode-se chegar a um ponto em que já ninguém pode saber quem é o juiz legítimo desse dissídio. O resultado é que se apela então para o recurso das armas, impondo-se, afinal, não o que tem maior força de razão, mas o que tem maior força de espada.

Dessa forma, todo governo institucionalizado por força das armas pode ser sempre julgado por suspeita de ilegitimidade... Só a maioria tem poderes indiscutiveis para consagrar a legitimidade de um governo. Os que votaram contra a maioria têm o dever de conformar-se com os resultados, dos quais só devem discordar quando conseguirem, por sua vez, tornar-se maioria. O simples fato de haver admitido uma disputa implica num reconhecimento prévio de aceitação dos resultados dessa disputa.

Cada cidadão é responsável pelos atos do poder instituído, é parte das instituições de seu país, como agente ou como fiscal desses atos. A legitimidade do poder não pode ser questionada, enquanto seus agentes se contêm nos limites do pacto aprovado pela maioria. Num Estado institucional, cada cidadão é autor das coisas feitas pelo governante.

Como consequência desse entendimento, parece claro que nenhum homem pode matar ou destituir o chefe de um governo legítimo, sem cometer um crime contra si próprio. E como o fim das instituições que governam é a paz e a defesa de todos, o soberano ou a assembléia investida de poderes para governar tem o direito de eleger os meios que lhe parecem mais apropriados para assegurar a paz e a defesa comum.

Não pode, porém, o governante valer-se de pretextos alheios ao pacto consagrado pela maioria, para invocar medidas que alega necessárias à paz e à segurança, interna ou externamente. Pois a maioria é quem sabe o que interessa à sua paz e à sua segurança. O bom governo não deve ter outras opiniões senão a daqueles que o elegeram para cumprir determinados compromissos.

Quando a negligência ou a inépcia dos governantes os leva à adoção de falsas doutrinas, uma nova verdade deve sacudir as instituições, para evitar a desordem e a guerra civil. Passa a ser, então, não apenas lícito, mas também necessário, inaugurar novas instituições. Mas o poder que disso se incumbe, não pode retardar essa tarefa, sob pena de incorrer em erro pior do que aquele que se pretendeu corrigir.

Não é difícil encontrar o caminho das novas instituições, até porque não há mais de um caminho: - o da lei civil, restaurada em sua plenitude. Pois o poder da lei, como nos ensina a experiência da História - e Roma foi disso um exemplo - é sempre mais sólido, mais duradouro e mais eficaz que o poder da "militia". Sem a lei, a "militia" é inútil e perniciosa.

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