São Paulo, sábado, 1.o de abril de 1978


ROBESPIERRE E O DIREITO REVOLUCIONÁRIO

Robespierre - Maximilien Marius Isidore Robespierre - (1758-1794) foi uma das figuras mais expressivas da Revolução Francesa. Deputado pelo Tiers Ètat em 89, segundo Mirabeau, era um homem "que acreditava no que dizia", uma espécie de fanático de si mesmo. Ganhou a alcunha de "Incorruptível" por sua intransigência com todas as coisas em que punha pontos de honra. Em certo momento dominou a Convenção revolucionária e se opôs a uma Constituição fundada sobre normas jurídicas normais, defendendo a prorrogação de "um Direito Revolucionário". Em nome desse Direito, enviou muita gente à guilhotina. Em nome dele, perdeu também a cabeça nos dias do Terror. O texto que hoje publicamos, e que é um exemplo de fanatismo pelo chamado "direito revolucionário", é de um de seus Discursos à Convenção.

A função do governo é dirigir as forças morais e físicas da nação no sentido de sua institucionalização. A meta do governo constitucional é conservar a República. A do governo revolucionário é fundá-la. A revolução é a guerra da liberdade contra seus inimigos. A Constituição é o regime da liberdade vitoriosa e tranquila.

O governo revolucionário precisa de uma atividade extraordinária, mas isto no momento exato em que está em guerra. Fica submetido a regras menos uniformes e menos rigorosas, porque as circunstâncias em que se encontra são tempestuosas e movediças e, sobretudo, porque é forçado a desenvolver incessantemente recursos novos e rápidos para responder a perigos novos e urgentes.

O governo constitucional ocupa-se principalmente da liberdade civil, e o governo revolucionário da liberdade pública. Sob o regime constitucional é quase que apenas necessário proteger os indivíduos contra o abuso do poder público. Sob o regime revolucionário, o próprio poder público é obrigado a defender-se contra todas as facções que o atacam.

O governo revolucionário deve aos bons cidadãos toda a proteção nacional; aos inimigos do povo ele deve apenas a morte. Essas noções são suficientes para explicar a origem e a natureza das leis que chamamos de revolucionárias. Os que as chamam de arbitrárias ou tirânicas são sofistas estúpidos e perversos que procuram confundir os contrários. Querem submeter ao mesmo regime a paz e a guerra, a saúde e a doença, ou, antes, não querem senão a ressurreição da tirania e a morte da pátria. Se invocam a execução literal dos princípios constitucionais, não é senão para transgredi-los impunemente. São covardes assassinos que, para estrangular tranquilamente a República em seu próprio berço, empenham-se em garroteá-la com máximas ambíguas, das quais se livram quando bem entendem.

A nau constitucional não foi construída para ficar longo tempo nos estaleiros. Isto, porém, não quer dizer que ela deva ser lançada ao mar no furor da tempestade e à mercê de ventos tormentosos. Os tiranos e os escravos que se opuseram à sua construção não desejariam, na verdade, outra coisa. Mas o povo francês decidiu esperar a hora de bonança. Seus votos unânimes, abafando os clamores da aristocracia e do federalismo, determinaram esperar só embarcar o país na Constituição depois de se livrar de todos os seus inimigos.

Os templos dos deuses não são feitos para servir de asilo aos sacrílegos que os vêm profanando, nem a Constituição para proteger os complôs dos tiranos que procuram destruí-la.

Se o governo revolucionário deve ser mais dinâmico em sua marcha, e mais livre em seus ordenamentos que um governo ordinário, nem por isso ele será menos justo e menos legítimo. Pois ele está apoiado sobre a mais santa das leis, que é a salvação do povo. Sobre o mais irrefragável de todos os títulos que é a necessidade.

Ele tem também suas regras, fundadas na justiça e na ordem pública. Não tem nada em comum com a anarquia e a desordem. Sua meta, ao contrário, é reprimi-las, para consolidar o império das leis. Não tem nada de comum com o arbitrário. Não deve ser dirigido pelas paixões particulares, mas pelo interesse público.

Deve aproximar-se de princípios comuns e gerais, em todos os casos em que eles possam ser aplicados sem comprometer a liberdade pública. A medida de suas forças deve ser a audácia ou a perfídia dos conspiradores. Quanto mais terrível for com os maus, tanto melhor há de ser para os bons. Quanto mais as circunstâncias lhe impuserem rigores necessários, mais deve ele abster-se de medidas que constrangem inutilmente a liberdade e que ferem os interesses privados, sem qualquer vantagem de ordem pública.

Deve navegar entre dois recifes, a fraqueza e a temeridade, a imobilidade e o excesso. A imobilidade está para a moderação assim como a impotência está para a castidade, e o excesso, sob a aparência de energia, é como a hidropisia para a saúde.

Os tiranos têm procurado constantemente fazer-nos recuar para a servidão pelos rumos do imobilismo. Às vezes também escolhem o caminho oposto. Os dois extremos se tocam. Ficar aquém da meta ou além dela, é a mesma coisa: deixa-se de ficar no fim desejado...

Torna-se, então, necessária uma extrema circunspeção. Pois, todos os inimigos da liberdade estão alertas para destruí-la, não apenas por suas falhas, mas até por suas medidas mais sábias... Por um desses abusos, a República correria o risco de perecer num movimento de desordem. Por outro, ela pereceria infalivelmente de inanição... É preciso, pois, educar, esclarecer os patriotas e educar o povo incessantemente à altura de seus direitos e de seus destinos.
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