São Paulo, domingo, 17 de maio de 1970
Neste texto foi mantida a grafia original


A POESIA DE CARTIER BRESSON

O Museu de Arte Contemporanea da Universidade de São Paulo está promovendo no Ibirapuera a exposição "Cartier-Bresson: fotografias recentes", organizada pelo Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. A exposição termina dia 4 de junho e inclui 151 peças escolhidas por criticos norte-americanos entre a produção do internacional fotografo francês. Horario: 14 às 19 horas, de terça-feira a domingo.

Walter Zanini, diretor do MAC, informa que a exposição das fotos de Bresson será a primeira de uma serie de mostras fotograficas que o museu pretende organizar. Zanini diz que no Brasil não se tem dado a importancia que a fotografia - hoje um arte tão complexa como outra qualquer - merece.

O MAC entrou em entendimento, em dezembro passado, com o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, e obteve uma autorização para trazer a exposição para o Brasil. Depois de São Paulo, a mostra será levada para a Fundação Cultural de Brasilia, para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e provavelmente para a Universidade Federal de Minas Gerais.

Uma eterna interrogação na objetiva do artista

"No meu modo de ver, a fotografia nada mudou desde a sua origem, exceto nos seus aspectos tecnicos, os quais não são minha preocupação principal. A fotografia é uma operação instantanea que exprime o mundo em têrmos visuais, tanto sensoriais como intelectuais, sendo também uma procura e uma interrogação constantes. E' ao mesmo tempo o reconhecimento de um fato numa fração de segundo, e o arranjo rigoroso de formas percebidas visualmente, que conferem a êsse fato expressão e significado".

Esta é uma das frases que Henry Cartier-Bresson, nascido em Chanteloup em 1908, escreveu a respeito do seu trabalho. Desde criança, Bresson - hoje um dos fotografos mais famosos do mundo - interessou-se pela pintura e fotografia. Estudou pintura com André Lhote, e literatura na Universidade de Cambridge. Em 1931, quando tinha vinte e dois anos, viajou para a Costa do Marfim, na Africa, e desde então nunca mais deixou de fazê-lo (suas fotografias mostram todos os tipos, raças, costumes, cores e topografias do mundo).

"Na Costa do Marfim, comprei uma camara-miniatura de um tipo que que nunca tinha visto antes e nunca veria depois" - diz Bresson. "Empregava filme parecido ao de 35 mm, sem os dentes laterias. Durante um ano tirei fotos com ela. Ao voltar para a França, revelei os filmes - não tinha sido possivel antes, pois vivi isolado na mata a maior parte daquele ano - e verifiquei que a umidade tinha penetrado no aparelho: Todas as minhas fotos haviam sido embelezadas com os padrões superimpostos de samambaias-gigantes."

"Viajei muito - continua Cartier-Bresson - embora não saiba realmente como viajar. Gosto de viajar descansadamente, deixando entre um país e o seguinte um intervalo que me permita digerir o que vi. Chegando ao novo país, sinto quase o desejo de me instalar, para viver, e "sentí-lo" da melhor maneira possivel. Eu nunca poderia ser um globetrotter".

Bresson deixou um pouco as viagens durante os anos da Segunda Guerra Mundial, da qual é hoje um dos mais expressivos historiadores. Suas fotos - como a das crianças alemãs brincando entre as ruinas de sua cidade, ou os trabalhadores russos de construção civil e, principalmente as referentes à Resistencia Francesa, da qual foi o principal documentarista - são um pouco da Historia contemporanea.

Em 1947, com outros cinco fotografos franco-atiradores como ele fundou uma empresa jornalistica hoje conhecida mundialmente a "Magnum Photos", que distribui reportagens fotograficas para jornais e revistas de varios paises. Bresson tornou-se também famoso por nunca utilizar filmes a cores, e ele explica por que:

- Não utilizo a côr porque, no seu estado atual de desenvolvimento, não a posso controlar completamente. Parece-me impossivel, sem subjugar uma realidade instavel, resolver a contradição entre o valor e a côr. Prefiro continuar com o preto-e-branco (Bresson sempre usa uma "Leica" de 35 milimetros), que é uma transposição. Há fotografos que inventam e outros que descobrem. Pessoalmente, interesso-me pelas descobertas, não para fazer provas ou experiencias, mas para pegar a vida em si. Fujo aos perigos do anedótico e do pitoresco, que são mais faceis e mais respeitaveis do que o sensacional, embora igualmente maus. No meu entender, a fotografia tem o poder de evocar e não simplesmente documentar. Devemos ser abstratos de acordo com a natureza. Qualquer pessoa pode fazer fotos. Já vi no "Herald Tribune" algumas de um macaco que lidava tão bem com uma "Polaroid" (uma maquina automatica) quanto certos proprietarios daqueles aparelhos. E é justamente por estar o nosso "metier" aberto a todo mundo que ele continua extremamente dificil, a despeito de sua fascinante facilidade".
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