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Continu'a muito discutido o Theatro da Experiencia fundado por iniciativa
do engenheiro Flavio de Carvalho, director do Clube dos Artistas
Modernos. Falou hoje à "Folha da Noite" sobre o
assumpto o nosso collega de imprensa sr. Alfredo Thomé:
- "Antes de mais nada, devo frizar que a época que atravessamos
se caracteriza pelo decadentismo irrestricto. A decadencia estendeu
os seus tentaculos sobre todo e qualquer ramo da actividade humana.
Assim, a fallencia do principio economico individualista com as
suas resultantes directas: a imoralidade em todos os campos de acção;
a incompreenção que domina o mundo artistico, e a
crise de caracter com o seu revestimento hypocrita, não admira
a quem esteja integrado com a realidade politica do momento. A inquietude
social aterroriza o capitalismo. Os continuos fracassos dos planos
economicos burguezes se entrechocam violentamente na impotencia
de uma solução. A este, que até hoje tem sido
mercenaria, ou, melhor, nada mais tem feito que servir a uma classe,
que é a burgueza, revolta-se. O artista já adquiriu
consciencia propria e se rebella contra o formalismo da concepção
de arte "standar" e sob-medida. E a única maneira
de repudiar-se a arte burgueza é ridicularizal-a. A arte
tem que ser pura, ou, seja, real expressão dos sentimentos
humanos, desembaraçada de peias dogmaticas ou de interesses
de classe.
Dahi a razão da existencia do Theatro da Experiencia. Este
theatro, si não fosse inventado pelo cerebro prodigioso de
Flavio de Carvalho, por si só surgiria. Accidentalmente ou
de qualquer outra maneira. Nelle, dá-se vasão á
insatisfação artistica que vive represada em nós.
E' differente do theatro burguez, falso e mentiroso, artificial
e rotineiro. E' um verdadeiro laboratorio de experiencias. Pois,
no seu palco, são e serão representadas peças
inspiradas nos mais variados themas sociaes e propriamente artisticos.
Os autores têm toda liberdade de commentario. Não existe,
ahi, o filtro da bilheteria, que refreia as possibilidades creadoras
do theatrologo. Este, expressa-se de accôrdo com o seu ponto
de vista. O que quer dizer que se trata de um theatro hygienizado.
Sem a preoccupação de agradar ao grande publico, que
é ludibriado pelo theatro burguez, convencional, retardatario,
estatico.
- Mas, neste caso, como explicaria a immoralidade de que é
accusado, esse theatro novo?
- A moral é um ponto de vista. Para os conservadores reaccionarios,
ella está na apparencia apenas. Isto é, admittem que
o individuo pratique toda ordem de immoralidade, contanto que apparente
muita seriedade, e muito respeito ao codigo moral burguez... Para
os utilitaristas, todo homem rico é moral. Um usurario explora
a propria mulher. Um opportunista vende a filha. Para o conquistador,
a mulher do proximo é a melhor presa. Os que exploram mulheres,
acham que o seu ramo de trabalho é honestissimo. Honrado
e moralissimo é explorar o semelhante, diz o industrial.
E, no entanto, essa gente córa quando ouve um palavrão,
que não lhe é em absoluto estranho. Esta categoria
de moralistas é a mais intencional de todas.
Acham que a liberdade com que algumas peças do Theatro da
Experiencia encara certas expressões "fortes",
coisa que se repete na boca desses moralistas, deve ser reprimida.
Mesmo que essas expressões não se revistam de intencionalidade
obscena, sem fito de provocar idéas escabrosas nos espectadores,
mas, unicamente, como um reflexo realista da vida. Apesar dessa
repulsa, não se cansam de sahir dos cinemas e theatros burguezes
enthusiasmados com as scenas de alcova a que assistiram. Pois, se
o cinema ou o theatro burguezes, não proferem termos "feios",
o fazem por conveniencia. Porém, não dispensam circumstancias
contundentemente maliciosas, em que o senvergonhismo, a intenção
carnal, o elemento excitação tem lugar proeminente.
O theatro burguez não diz coisas feias, é verdade,
mas sugere situações que deixam, não só
muitas donzellas atrapalhadas, como recalcam idéas sexuaes
mesmo em velhos conquistadores.
Termino dizendo que o Theatro da Experiencia é improprio
para os moralistas, isto é, falando claramente, para os que
vão ali, não para ouvir termos que têm vergonha
de dizer, mas para assistirem a scenas escabrosas, excitantes. Não
é um theatro para recalcados sexuaes. O Theatro da Experiencia
é um theatro hygienizado moralmente. Ellevado. Superior.
É um theatro para intellectuaes conscientes e para os bem
intencionados, por enquanto". |
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