São Paulo, sábado, 2 de dezembro de 1933
Neste texto foi mantida a grafia original

O QUE É O THEATRO DA EXPERIENCIA

O jornalista Alfredo Thomé fala-nos sobre esse novo genero de theatro - Curiosa apreciação sobre os fundamentos moraes do Theatro da Experiencia e do theatro burguez.

Continu'a muito discutido o Theatro da Experiencia fundado por iniciativa do engenheiro Flavio de Carvalho, director do Clube dos Artistas Modernos. Falou hoje à "Folha da Noite" sobre o assumpto o nosso collega de imprensa sr. Alfredo Thomé:

- "Antes de mais nada, devo frizar que a época que atravessamos se caracteriza pelo decadentismo irrestricto. A decadencia estendeu os seus tentaculos sobre todo e qualquer ramo da actividade humana. Assim, a fallencia do principio economico individualista com as suas resultantes directas: a imoralidade em todos os campos de acção; a incompreenção que domina o mundo artistico, e a crise de caracter com o seu revestimento hypocrita, não admira a quem esteja integrado com a realidade politica do momento. A inquietude social aterroriza o capitalismo. Os continuos fracassos dos planos economicos burguezes se entrechocam violentamente na impotencia de uma solução. A este, que até hoje tem sido mercenaria, ou, melhor, nada mais tem feito que servir a uma classe, que é a burgueza, revolta-se. O artista já adquiriu consciencia propria e se rebella contra o formalismo da concepção de arte "standar" e sob-medida. E a única maneira de repudiar-se a arte burgueza é ridicularizal-a. A arte tem que ser pura, ou, seja, real expressão dos sentimentos humanos, desembaraçada de peias dogmaticas ou de interesses de classe.

Dahi a razão da existencia do Theatro da Experiencia. Este theatro, si não fosse inventado pelo cerebro prodigioso de Flavio de Carvalho, por si só surgiria. Accidentalmente ou de qualquer outra maneira. Nelle, dá-se vasão á insatisfação artistica que vive represada em nós. E' differente do theatro burguez, falso e mentiroso, artificial e rotineiro. E' um verdadeiro laboratorio de experiencias. Pois, no seu palco, são e serão representadas peças inspiradas nos mais variados themas sociaes e propriamente artisticos. Os autores têm toda liberdade de commentario. Não existe, ahi, o filtro da bilheteria, que refreia as possibilidades creadoras do theatrologo. Este, expressa-se de accôrdo com o seu ponto de vista. O que quer dizer que se trata de um theatro hygienizado. Sem a preoccupação de agradar ao grande publico, que é ludibriado pelo theatro burguez, convencional, retardatario, estatico.

- Mas, neste caso, como explicaria a immoralidade de que é accusado, esse theatro novo?

- A moral é um ponto de vista. Para os conservadores reaccionarios, ella está na apparencia apenas. Isto é, admittem que o individuo pratique toda ordem de immoralidade, contanto que apparente muita seriedade, e muito respeito ao codigo moral burguez... Para os utilitaristas, todo homem rico é moral. Um usurario explora a propria mulher. Um opportunista vende a filha. Para o conquistador, a mulher do proximo é a melhor presa. Os que exploram mulheres, acham que o seu ramo de trabalho é honestissimo. Honrado e moralissimo é explorar o semelhante, diz o industrial. E, no entanto, essa gente córa quando ouve um palavrão, que não lhe é em absoluto estranho. Esta categoria de moralistas é a mais intencional de todas.

Acham que a liberdade com que algumas peças do Theatro da Experiencia encara certas expressões "fortes", coisa que se repete na boca desses moralistas, deve ser reprimida. Mesmo que essas expressões não se revistam de intencionalidade obscena, sem fito de provocar idéas escabrosas nos espectadores, mas, unicamente, como um reflexo realista da vida. Apesar dessa repulsa, não se cansam de sahir dos cinemas e theatros burguezes enthusiasmados com as scenas de alcova a que assistiram. Pois, se o cinema ou o theatro burguezes, não proferem termos "feios", o fazem por conveniencia. Porém, não dispensam circumstancias contundentemente maliciosas, em que o senvergonhismo, a intenção carnal, o elemento excitação tem lugar proeminente.

O theatro burguez não diz coisas feias, é verdade, mas sugere situações que deixam, não só muitas donzellas atrapalhadas, como recalcam idéas sexuaes mesmo em velhos conquistadores.

Termino dizendo que o Theatro da Experiencia é improprio para os moralistas, isto é, falando claramente, para os que vão ali, não para ouvir termos que têm vergonha de dizer, mas para assistirem a scenas escabrosas, excitantes. Não é um theatro para recalcados sexuaes. O Theatro da Experiencia é um theatro hygienizado moralmente. Ellevado. Superior. É um theatro para intellectuaes conscientes e para os bem intencionados, por enquanto".
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