São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 1967
Neste texto foi mantida a grafia original

FLAVIO DE CARVALHO, O ULTIMO DOS ICONOCLASTAS


"Acho que esse premio demorou a chegar. Não quero, com isso, dizer que já devia ter muitas medalhas e diplomas. No entanto, considerando os muitos anos que dedico à arte, e comparando-me com tanta gente por aí, a ganhar troféus a três por dois, confesso que já andava um tanto desiludido", diz Flavio de Carvalho, o artista brasileiro que está, agora, entusiasmado com o premio Bienal de São Paulo que o juri lhe atribuiu.

Flavio ficou muito mais entusiasmado ao saber que tambem era seu o premio de Ncr$ 3.000,00 destinado ao melhor pintor brasileiro da Bienal. E diz que "agora parece que as coisas vão entrar nos eixos", recordando-se de que o único premio que conseguiu, em toda a sua vida, foi um de arquitetura.

Por não ter tido tempo para ver todas as obras expostas no Ibirapuera, o artista brasileiro preferiu não comentar os trabalhos dos demais expositores. Diz, contudo, estar certo de que todos "irão encontrar muitas surpresas, porque muitos seguem a moda e fazem coisas que podem ser tudo, menos arte. Valem como experiencia, como pesquisa. Arte mesmo - diz - não é nada daquilo".

O artista

Flavio Rezende de Carvalho é um dos maiores desenhistas que o Brasil já teve. Na vida civil, um simples engenheiro que diz, de boca cheia, ter tirado o curso de engenharia numa Universidade Inglesa "quase por acaso". Isso define a simplicidade do homem de 67 anos, que sempre se notabilizou por seu inconformismo radical e que agora acaba de ser distinguido com um dos importantes premios da IX Bienal de São Paulo.

Flavio de Carvalho fez do escandalo uma etica experimental, saindo à rua em trajes que as convenções sociais dizem ser improprios, para auscultar a reação das massas. Enfrentou uma procissão catolica de chapéu na cabeça e, uma vez mais, quase é destruido fisicamente pela ira estabelecida. Flavio nunca recua, não se amedronta.

Dessas experiencias-limites que levou para a Europa, tentando impor a sua utopica roupa de nailon com saiote, as sandalias como comodismo para o homem de corpo normal em pleno verão e, ao mesmo tempo, como meio de relaxar as tensões da guerra fria, Flavio tirou material de reflexão para varios livros que intitulou "Experiencia n.o 2 - Psicologia das Multidões", "Os Ossos do Mundo - Observações Morbidas de Viagem" e "L'Aspect Psicologique et Morbide de L'Art Moderne" - este publicado em Paris.

Ideologicamente, o artista pode ser considerado como o ultimo representante da geração da "Semana de Arte Moderna", dessa maneira existencial que unia o escandalo, a blague, o "poema-piada" e o curto-circuito da significação escrita da poesia ou da prosa como o caminho mais curto para a implantação dos novos valores artisticos.

Pintura

Flavio de Carvalho é um grande artista plastico, extremamente versatil. O desenho, seja com a caneta-tinteiro, o lapis ou a nanquim, é a espinha dorsal do seu figurativismo. Sempre se opôs à pintura abstrata que considera de retaguarda, porque ela repete tecnicas de despojamento formal do homem da pré-historia. Tem especial predileção pelo nu, tema que tem sido objeto de repetidas exposições suas. O corpo humano é uma das obsessões mais eficazmente resolvidas pela sua tecnica desenhistica. Ora incide sob os corpos através de um traço expressionista capaz de sugerir admiravelmente a miseria de desgraça fisica, ora capricha em fixar psicologicamente certos rostos através de um traço barroco sutil. Um dos seus trabalhos mais celebres é a serie de estudos que o artista realizou sobre a agonia de sua mãe, e que hoje pertence ao Museu de Arte Moderna.
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