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OUVINDO OS "NOVÍSSIMOS"
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A
LITERATURA CONTEMPORÂNEA E OS PROBLEMAS QUE AFLIGEM A HUMANIDADE
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Jamil
Almansur Haddad diz à reportagem que prefere não fazer planos -
Ao passo que Ligia Fagundes reclama patriotismo dos escritores,
Mary Ayesca entende que é preciso realismo, muito realismo - Rolmes
Barbosa afirma que a nova geração é uma geração sacrificada - Há
na literatura moderna uma nota de angústia, diz Genesio Pereira
Filho
Da geração Menotti del Picchia, Mario e Oswaldo de
Andrade e Sergio Milliet, fruto de movimento modernista, muito já
se escreveu. Surgindo com audácia, escandalizando o mundo
literário da época, naquelas noites de 22, em sessões
no Teatro Municipal aquela mocidade entusiasta deixou para atrás
os mais velhos, que foram desaparecendo ou melhor, ficando "fora
de moda".
E a historia sempre se repete... Hoje temos uma nova geração
literária, cheia de esperanças e ideais, e que, possivelmente
deixará para trás o grupo vitorioso de 22. É
dela que nos propomos cuidar nesta reportagem.
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Com
Jamil Almansur Haddad |
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Entre
jornalistas, fomos surpreender Jamil Almansur Haddad, o festejado
poeta de "Alkmar, a minha amante" e "Orações
Negras". Ao solicitarmos algumas palavras para a "Folha
da Noite", gentilmente colocou-se à nossa disposição.
Respondendo a uma pergunta sobre quais as influências que
tem recebido, disse:
- "Inúmeras. Exatamente as que os críticos não
descobriram ... Essa questão de influência é
um pouco delicada, pois, nem sempre se sabe se o que existe é
influência direta de leitura ou mera afinidade de temperamento
ou estética de um autor com outro. No meu caso ocorre-me
um exemplo: Augusto dos Anjos. Na nossa poesia, há muita
hemoptise, gangrena, febre amarela, etc. Influência do poeta
do "Eu"? Ou influência de conhecer de perto todas
aquelas solenes entidades"?
"Alkmar, a minha amante", procurou aproximar-se da estética
do parnasianismo. E há nesse livro uma ressonância
forte de Bilac e Martins Fontes. Seria muito mais lisonjeiro para
mim - continuou, irônico - se em vez desses dois, houvesse
influência de Pierre Louys, Tagore, etc., como entendeu. Mas
não. A coisa é muito menos grandiosa".
Falou-nos, em seguida, sobre "Orações Negras",
livro que obteve grande êxito, tendo sido premiado pela Academia
Brasileira de Letras:
"Como "Alkamar", foi um livro parnasiano ou quase;
tinha que sofrer o influxo inevitavel dos sistemas poéticos
correntes no momento em que ia sendo elaborado. Do ponto de vista
de sua essência poética, a maior influência foi
a própria vida, o meio, a situação e a época
em que os versos nasceram".
- A guerra, os problemas sociais, as complicações
do mundo de agora não teem exércido influência
sobre o seu espírito?
- "Eis aí uma pergunta a que posso responder melhor
do que qualquer outra. A guerra já me forneceu material poético
dois livros. Ao primeiro eu chamei "Primavera na Flandres"
e nela a guerra é encarada apenas no seu aspecto dramático
ou humano, indiferente à sua face política ou ideológica.
O segundo, ainda em preparo, tem um caráter acentuadamente
polêmico. Trata-se de uma poesia, anti-fascista, já
que o fascismo é anti-poético, o que absolutamente
não impede que também haja poetas fascistas..."
- Para que a nova geração seja realmente uma "grande
geração", que aconselha?
Após um momento de reflexão, respondeu Almansur Haddad:
- "Sendo este um inquérito entre gente nova, não
acho aconselhavel uma atitude paterna de aconselhamento para com
a minha geração".
Insistimos no assunto e o entrevistado declarou:
- "O conselho que posso dar se resume numa palavra : estudo".
Creio que ele vale por um programa".
- Quais nos nomes que destaca ?
- "Quanto a esse aspecto - respondeu-nos cauteloso - não
gosto de falar dos poetas, pois todos são meus amigos e,
em qualquer citação, há o perigo, de omitir
justa ou injustamente algum deles. Quanto aos não poetas,
gente talvez mais seria, admiro que preocupação de
estudo e pesquisa de que alguns elementos vão dando prova.
Na crítica ou no ensaio literário, é com maior
simpatia que me reporto aos "novíssimos" pois,
nesses parece fundir-se a esperança de realizações
fundamentais: Antonio Candido, Carlos Kopke e Heitor Ferreira Lima".
Indagamos sobre seus planos e aspirações. E ele disse:
- "Planos? Não gosto muito de falar deles. Porque um
destino muito lógico e natural dos planos é o de não
serem realizados. A gente, mal comparando, é uma espécie
de Hitler, cujos planos, "pre-estabelecidos" sempre encontram
uma resistência soviética, capaz de os desmantelar..."
Fizemos-lhe uma última pergunta .
- Próximos livros? Estou com um no prelo e sairá...
quando estiver pronto. Chamei-o "História poética
do Brasil". É uma antologia trabalhosíssima,
em que toda a nossa literatura aparece, contada pelos poetas".
Despedimo-nos de Jamil Almansur Haddad e nos dirigimos para a "Ilustração",
afim de entrevistar Genésio Pereira Filho, redator-chefe
daquela revista, autor de "Um tema e três obras",
em que trata da rumorosa questão Daphne du Maurier - Carolina
Nabuco, livro este consagrado pela palavra de Cecilia Meirelles
e dos nossos mais eméritos intelectuais. |
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Fala
Genesio Pereira Filho |
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Genesio,
ocupadíssimo, escrevia para o próximo número
da "Ilustração". Manifestando nosso desejo
de ouvi-lo, os artigos foram suspensos...
- Dedica-se há muito ao jornalismo?
- Publiquei meu primeiro artigo na "Gazeta de Mococa",
da cidade que lhe empresta o nome, em 1935. Desde então,
não deixei a imprensa. Intensa atividade tive em Jaboticabal,
cidade em que de fato, se formou em mim o espírito de escritor.
Lá fui ainda, presidente da "Sociedade Cultural Jaboticabense".
Vindo para esta capital, afim de estudar na Faculdade de Direito,
continuei minha atividade Jornalística em revista e jornais".
- Tem sofrido influências?
- "Talvez inconcientemente. Numa auto-crítica, porem,
não consigo notar qualquer influência deste ou daquele
autor. E, note bem, jamais forcei meu estilo ou minhas idéias.
Escrevo sempre com naturalidade. Nem mesmo procuro evitar influências.
O rebuscamento da originalidade traz ausência do espontaneo".
Indagamos-lhe das deficiências que encontrava-se em nossos
literatos.
- "O mal da maioria dos escritores é a falta de cultura.
Nuns, essa ausência de cultura é consequência
da luta pela vida, que os obriga a dedicar-se a vários misteres.
Noutros, falta de compreensão, ou melhor, de orientação.
Basta que uma determinada coisa chame a atenção, para
que todos escrevam sobre ela... Passado o clamor, sepulta-se o assunto
e novas "aventuras" virão... Resultado: não
há firmeza do escritor em nenhum campo".
Fizemos-lhe outra pergunta.
- "Carater de literatura moderna? Espelhando a inquietação
do mundo de hoje, há na literatura moderna uma nota marcante
de angústia. Os grandes problemas sociais dos nossos dias
hão de forçosamente repercutir na obra do escritor".
Da "Ilustração" subimos o viaduto do Chá
rumo á Secretaria da Agricultura, onde, previamente, tínhamos
marcado encontro com Lygia Fagundes e Mary Ayesca duas "novíssimas"
que já se firmaram com segurança no mundo das letras. |
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Com
Lygia Fagundes |
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Lygia
Fagundes que está entre os "Imortais" da Academia
de Letras da Faculdade de Direito, poetiza e escritora, autora de
"Porões e sobrados" à nossa primeira, começou
a falar eloquentemente, com aquele ardor peculiar da juventude.
- "É á nova geração de escritores
que está reservado o papel de divulgar, numa linguagem nossa,
com sentimentos e costumes nossos, a nossa terra e a nossa gente.
Basta de influências estrangeiras, basta de imitar franceses
russos e americanos. O Brasil também tem a sua literatura!
O povo - criança louca! - lê o que lhe apresenta; cabe
agora aos editores dar mais atenção aos representantes
do pensamento nacional, antigos e atuais. Continuo preferindo um
"Dom Casmurro" a todos esses verdadeiros folhetins traduzidos,
folhetins de baixa categoria com que se tem povoado cinematograficamente
as vitrines das nossas livrarias.
- Mas não acha que devemos também conhecer a literatura
estrangeira?
- Concordo. Está certo que devemos conhecer o que escrevem
lá fora. Mas conhecer bons livros, bons autores e não
calhamaços, insubstituiveis argumentos para fitinhas, mas
de nenhuma significação ou proveito para uma cultura
geral, um única qualidade encontro naqueles romances que
constituam verdadeiros ciclos de cana de cacau, de mandioca, sei
lá! - dentro da literatura do norte. Uma única qualidade
justifica muitas daquelas páginas em que vivem personagens
incolores e diálogos pornográficos: a descrição
da terra, do ambiente, dos costumes e tradições. Mais
patriotísmo, senhores literatos! Mais patriotismo!
- Seus planos?
- "Planos? Santa Maria, doi-me a cabeça só de
pensar neles! Muito literário e teatralmente, repito a mesma
frase do personagem de um dos meus contos: "Parem os relógios,
rasguem-se as folhinhas! Eu preciso descansar..."
E foi isto, tudo que a nossa reporter ouviu de Ligia Fagundes. |
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Mary
Ayesca |
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Mary
Ayesca observava, calada nossa palestra com Ligia.
- Chegou agora sua vez. Era seu modo de ver, qual a contribuição
que a nova geração trará à nossa literatura?
- Francamente ... não sei! Estamos numa época de transição
de balbúrdia completa. Mais tarde, creio que não se
poderá encaixá-la na história da literatura,
com padronização exata. Enquanto uns imitam a horrivel
literatura norte-americana, outros soluçam poesias de Musset
e Alvares de Azevedo de outros ainda se comprazem em confundir realismo
com palavrões. Nem sei mesmo!
- Que atitude deverá o escritor adotar, no campo do romance,
do conto?
- "Em primeiro lugar, ser profundamente nacional. Depois escrever
claro como uma corrente dágua, e real, muito real, aprofundando-se
na vida e retratando somente a camada social que merece esta distinção:
a classe mais baixa do povo, como toda sua angustia, seus recalques,
seus vicios... Realismo! Muito realismo!
Depois de pequena pausa, continuou:
"Acho que, se todos os da nova geração procedessem
assim, narrando em seus romances toda a tragédia de sociedade
humilde, com a preocupação de serem nacionais, libertando-se
dos preconceitos, de convenções e pieguices, ai sim,
a literatura brasileira alcançaria o seu verdadeiro escopo,
pelo qual ela luta e tem lutado tanto. E já que aqui não
há um tribunal, como aquele que processou Flaubert ou Wilde,
porque não tentar esta aventura?
Dando o desprezo, como aconselhava o velho Sócrates, olhando
para frente, nós talvez vençamos...".
E assim terminou Mary Ayesca.
Mas a reportagem queria ainda ouvir a opinião de mais um
"novo". Procuramos Almiro Rolmes Barbosa. Dirigimos para
o "O Estado de S. Paulo", de que Rolmes Barbosa é
redator. Recebidos, logo, fomos perguntando:
-"Que acha da nova geração literária?
- "Creio que é uma geração sacrificada.
Sim, sem querer ser sentimental e achando, aliás, tudo muito
engraçado, creio que é, realmente, uma geração
sacrificada. A hora que passa exige tudo do escritor nada lhe oferece.
O papel - o único papel decente, é bom frisar - do
verdadeiro escritor, nestes dias tumultuosos, é colocar sua
arte a serviço das forças que estão em luta,
contra a escravidão que ameaça a humanidade.".
- O escritor deverá, então sair para a rua e lutar
pela verdade?
- "Exatamente! Sim, o escritor deve aproveitar os recursos
de que dispõe para lutar pelo que considera justo e decente.
Vou dar-lhe um exemplo oportuno: o de Erico Verissimo. Em seu último
livro , "O resto é silêncio", o escritor
gaucho enfoca, da maneira mais elevada possivel, certos aspectos
da vida da nossa sociedade, com todos os seus erros. Sem pretender
desempenhar o papel de moralista, o autor de "Um lugar ao sol"
não teve medo enfrentar a ira das classe mais poderosas de
sua terra. Assim fazendo, ele "se sacrificou". Sacrificou-se
pelo que considera sua obrigação de escritor decente
e honesto para consigo próprio. Se quisesse, poderia ter
limitado a ação do seu romance aos ambientes pobres,
miseraveis. Teria sido tão comodo contar, apenas, a história
daquele pequeno jornaleiro e sua família! Teria saído
um romance comovedor e muito pitoresco! Teria grande venda e o autor
seria muito louvado pelos gênios da rua do Ouvidor...
Mas ele quis mostrar, tambem a "outra miséria",
a reinante em certas classes... E o que foi que aconteceu? Apenas
isto: foi impiedosamente atacado, não só na sua obra
como na sua própria pessoa! Chegaram a lembrar a necessidade
de se queimar, em praça pública, todos os seus livros
e em recolher o autor à cadeia! É fantástico
que isso suceda no Brasil, em pleno século XX! E, justamente
enojado com tudo isso, o autor de "Clarissa" está
de malas prontas para os Estados Unidos, onde fixará residência".
- Falemos de outro assunto. Está preparando algum trabalho?
- "Sim, um pequeno trabalho - "Vida, paixão e morte
de Katherine Mansfield" - com uma seleção de
suas cartas. Alem desse trabalho, a Livraria Martins lançará
ainda este mês. "As obras primas do conto brasileiro",
antologia organizada em colaboração com Edgar Cavalheiro.
Sairá tambem, dentro de poucos dias a terceira edição
de nossa outra antologia. "As obras primas do conto universal".
Com essa edição serão dez mil exemplares. E
o derrotistas ainda teimam em dizer que no Brasil não se
lê!...
E foi assim que ouvimos a palavra moça, entusiasta dos "novíssimos",
da geração vitoriosa de 43". |
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Publicado
na Folha da Noite |
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Data
de publicação |
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06.jul.1943
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