São Paulo, domingo, 30 de novembro de 1986


OSHIMA, CINEASTA QUE NÃO GOSTA DE FALAR


Da Redação da Folha

O cineasta japonês Nagisa Oshima, diretor do filme "Max, Mon Amour" - exibido no Festival de Cannes deste ano, cujo tema é o relacionamento amoroso entre um macaco e uma bela mulher (Charlotte Rampling) - participa do júri do 3º FestRio. Aqui ele fala de suas idéias, da produção do filme e de como atua durante as filmagens que realiza.

Oshima diz ser "capaz de dar, no máximo, três respostas diferentes para uma mesma pergunta; mais, é impossível". Entretanto, ele reconhece, isso normalmente ocorre depois que começa a beber, apesar da atitude contrariar os hábitos normais do Japão. Mas, como oriental, afirma que "é melhor perguntar pouco, e, melhor ainda, não perguntar nem responder nada", nessa longa entrevista concedida à jornalista Lúcia Nagib na última segunda-feira, dia 24.

Folha - Por que você não trouxe "Max, Mon Amour" com você para o Rio?

Nagisa Oshima - É um problema com o meu distribuidor, que limita a apresentação do filme a festivas e outros eventos especiais. Mas acredito que ele logo seja trazido para o Brasil, para exibição comercial.

Folha - Quando Jean-Claude Carrière lhe apresentou o roteiro de "Max, Mon Amour", você disse que queria realizá-lo de uma forma "clássica". O que você quis dizer com isso?

Oshima
- Eu queria algo extremamente sóbrio no tocante aos movimentos de câmera, à composição dos cenários, ao vestuário, à maquiagem, à atuação dos atores. Queria que o assunto - o caso de amor entre uma mulher e um macaco -, que já é de impacto, pudesse falar por si.

Folha - Toda a imprensa, tanto aqui quanto no exterior, vive comentando suas respostas monossilábicas, e quem as lê tem a sensação de que você não gosta de conversar. No entanto, pelos seus livros e textos tenho justamente a impressão contrária, a de um bom conversador, capaz de dissertar horas sobre qualquer assunto.

Oshima
- Os japoneses normalmente não gostam de falar muito. A tagarelice é mal vista no Japão, é considerada como algo próprio dos escalões mais baixos da sociedade. O homem japonês não deve falar e, sim, "fazer" alguma coisa. Este costume, porém, não se originou no Japão, mas foi importado da China de Confúcio.
Evidentemente, depois de era Meiji, com a penetração da cultura ocidental, o japonês começou a adquirir cada vez mais o hábito da conversar. E você tem razão, sob certo aspecto: eu gosto muito de conversar com os amigos. Contudo, na Europa, a língua é uma tremenda barreira que dificultou tudo. Mas se você quer me ver mesmo falar, é depois das seis horas da tarde, quando começo a beber.

Folha - E como é seu contato com os atores e a equipe? Você também usa poucas palavras com eles?

Oshima
- Não gosto de explicar o roteiro ou como devem ser as filmagens. Quero que a equipe compreenda, apenas, que ela tente adivinhar. Para mim, este é o bom ator: o que não necessita de explicações. Charlotte Rampling ou Anthony Giggins, nas filmagens de "Max, Mon Amour", nunca me perguntaram nada. Nem David Bowie ("Furyo") me perguntou. Rom Conti (idem), sim, de vez em quando, mas no geral as pessoas compreendiam.

Folha - Tento me colocar na situação desses atores. Acho que ficaria desesperada.

Oshima
- Não, não ficaria. É preciso que um ator saiba enfrentar uma situação difícil e pensar por si. Se eu indicar tudo, vou limitar a representação do ator à minha visão e ele, ao interpretar, irá tonar esses limites ainda mais estreitos. A contribuição pessoal do ator, tanto quanto a do técnico, é indispensável. É preciso haver uma margem de liberdade, tanto para eles quanto para mim. É certo que, em "Max, Mon Amour", houve no começo certa confusão porque eu chegava para as filmagens e ficava calado. Mas com o tempo, eles compreenderam meu método, e já começavam a rodar, quando chegava a hora, sem que eu precisasse mandar.

Folha - Esse seu modo de encarar a democracia no trabalho parece o oposto, por exemplo, daquele dos antigos diretores alemães, da época do expressionismo, que faziam longas reuniões com toda a equipe para decidir cada detalhe das filmagens.

Oshima
- Eu experimentei este tipo de democracia alemã quando fiz teatro na Universidade. Mas não dava nada certo, e eu nunca apliquei isto no meu trabalho.

Folha - O músico Ryuichi Sakamoto disse, no filme "Tokyo Melody", que, entre músicos japoneses, ele trabalhava em completo silêncio, que cada um tentava adivinhar o que se passava na cabeça do outro e fazer-lhe a vontade. Já quando trabalhava na Europa ou nos EUA, tudo funcionava na base da conversa.

Oshima
- É, o melhor é perguntar pouco, e melhor ainda não perguntar nem responder nada.

Folha - Então devo me calar?

Oshima
- (rindo) Oh, por favor continue!

Folha - Algo que me encanta em seus filmes é o alto grau de realidade que contém, isto é, a contribuição pessoal trazida pelos atores, e a grande quantidade de atos que realizam na prática para o filme - como é o caso, por exemplo, no "Império dos Sentidos". Isso não cria, durante a convivência entre as pessoas da equipe, um tipo de experiência real em conjunto que as torna sentimentalmente ligadas entre si? Como é quando, no fim da filmagens, todos têm que se separar?

Oshima
- Este convívio é muito bom, mas acaba trazendo problemas. No Japão, é complicado, porque as pessoas que trabalham comigo num filme, ficam querendo participar também do próximo, e torna-se uma situação difícil. Por isso tenho preferido trabalhar no estrangeiro, onde a separação é simplesmente necessária, e, assim, mais fácil.

Folha - No filme de Wim Wenders "Tokyo-Ga", o "cameraman", de Yasujiro Ozu, numa cena comovente, diz que sua vida terminou com a morte do diretor...

Oshima
- Sim, eu conheço este "cameraman", já trabalhei com ele. Hoje, é uma pessoa amável, mas cheguei a vê-lo maltratar fisicamente seu assistente, porque, assim como ele era um escravo de Ozu, queria um escravo também para si. Este tipo de sentimento que ele tem é, na verdade uma doença.

Folha - A propósito, o que você achou do filme de Wenders?

Oshima
- Gostei muito, justamente das partes referentes a Ozu. Mas no que toca à cidade de Tóquio, são imagens muito comuns, que aparecem em todo filme sobre ela.

Folha - Você tem algum diretor que lhe serviu de modelo?

Oshima
- Não, exatamente porque nunca quis ter escravos nem ser escravo de ninguém.

Folha - Qual a sua relação com as outras artes, você gosta de pintura, música?

Oshima
- Gosto muito de ir a museus. Mas não gosto de concertos, porque a música tocada exige que você entre num determinado ritmo, enquanto o meu ritmo é outro.

Folha - Você se refere à música japonesa ou ocidental?

Oshima
- A música japonesa, fundamentalmente, não existe. No Japão, ela vem da Europa ou dos EUA. Você ouve, por exemplo, Takemitsu, compositor famoso de música para filmes, que trabalhou com Kurosawa e muitos outros diretores: ele utilizou instrumentos e talvez alguns elementos japoneses, mas na essência sua música é ocidental.

Folha - Você escreve muito. Qual é para você a relação entre cinema e literatura?

Oshima
- Acho que se pode ser um bom diretor sem precisar escrever. Mas eu sempre quis escrever.

Folha - Você continua escrevendo aqueles diários que estão, em parte , publicados no livro "Ècrits" e naquele recentemente lançado no Japão, composto durante o lançamento de "Furyo"?

Oshima
- Estes textos a que você se refere foram escritos especialmente para publicação, embora em forma de diário. Mas às vezes ainda escrevo diários, em viagens, por exemplo. Aqui, estou fazendo um diário, onde anoto apenas os fatos, sem qualquer comentário ou reflexão. Mas estou escrevendo em inglês, porque assim posso abstrair meus sentimentos. Se escrevesse em japonês, eles fatalmente teriam que aparecer, seria um texto mais emocional. Para mim, esses dois tipos de vida e comportamento são necessários. São justamente as duas faces culturais que habitam cada japonês.

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