O cineasta japonês Nagisa Oshima, diretor do filme "Max,
Mon Amour" - exibido no Festival de Cannes deste ano, cujo
tema é o relacionamento amoroso entre um macaco e uma bela
mulher (Charlotte Rampling) - participa do júri do 3º
FestRio. Aqui ele fala de suas idéias, da produção
do filme e de como atua durante as filmagens que realiza.
Oshima diz ser "capaz de dar, no máximo, três
respostas diferentes para uma mesma pergunta; mais, é impossível".
Entretanto, ele reconhece, isso normalmente ocorre depois que
começa a beber, apesar da atitude contrariar os hábitos
normais do Japão. Mas, como oriental, afirma que "é
melhor perguntar pouco, e, melhor ainda, não perguntar
nem responder nada", nessa longa entrevista concedida à
jornalista Lúcia Nagib na última segunda-feira,
dia 24.
Folha - Por que você não trouxe "Max, Mon
Amour" com você para o Rio?
Nagisa Oshima - É um problema com o meu distribuidor,
que limita a apresentação do filme a festivas e
outros eventos especiais. Mas acredito que ele logo seja trazido
para o Brasil, para exibição comercial.
Folha
- Quando Jean-Claude Carrière lhe apresentou o roteiro
de "Max, Mon Amour", você disse que queria realizá-lo
de uma forma "clássica". O que você quis
dizer com isso?
Oshima
- Eu queria algo extremamente sóbrio no tocante aos movimentos
de câmera, à composição dos cenários,
ao vestuário, à maquiagem, à atuação
dos atores. Queria que o assunto - o caso de amor entre uma
mulher e um macaco -, que já é de impacto, pudesse
falar por si.
Folha
- Toda a imprensa, tanto aqui quanto no exterior, vive comentando
suas respostas monossilábicas, e quem as lê tem
a sensação de que você não gosta
de conversar. No entanto, pelos seus livros e textos tenho justamente
a impressão contrária, a de um bom conversador,
capaz de dissertar horas sobre qualquer assunto.
Oshima
- Os japoneses normalmente não gostam de falar muito.
A tagarelice é mal vista no Japão, é considerada
como algo próprio dos escalões mais baixos da
sociedade. O homem japonês não deve falar e, sim,
"fazer" alguma coisa. Este costume, porém,
não se originou no Japão, mas foi importado da
China de Confúcio.
Evidentemente,
depois de era Meiji, com a penetração da cultura
ocidental, o japonês começou a adquirir cada vez
mais o hábito da conversar. E você tem razão,
sob certo aspecto: eu gosto muito de conversar com os amigos.
Contudo, na Europa, a língua é uma tremenda barreira
que dificultou tudo. Mas se você quer me ver mesmo falar,
é depois das seis horas da tarde, quando começo
a beber.
Folha
- E como é seu contato com os atores e a equipe? Você
também usa poucas palavras com eles?
Oshima - Não gosto de explicar o roteiro ou como
devem ser as filmagens. Quero que a equipe compreenda, apenas,
que ela tente adivinhar. Para mim, este é o bom ator:
o que não necessita de explicações. Charlotte
Rampling ou Anthony Giggins, nas filmagens de "Max, Mon
Amour", nunca me perguntaram nada. Nem David Bowie ("Furyo")
me perguntou. Rom Conti (idem), sim, de vez em quando, mas no
geral as pessoas compreendiam.
Folha
- Tento me colocar na situação desses atores.
Acho que ficaria desesperada.
Oshima - Não, não ficaria. É preciso
que um ator saiba enfrentar uma situação difícil
e pensar por si. Se eu indicar tudo, vou limitar a representação
do ator à minha visão e ele, ao interpretar, irá
tonar esses limites ainda mais estreitos. A contribuição
pessoal do ator, tanto quanto a do técnico, é
indispensável. É preciso haver uma margem de liberdade,
tanto para eles quanto para mim. É certo que, em "Max,
Mon Amour", houve no começo certa confusão
porque eu chegava para as filmagens e ficava calado. Mas com
o tempo, eles compreenderam meu método, e já começavam
a rodar, quando chegava a hora, sem que eu precisasse mandar.
Folha
- Esse seu modo de encarar a democracia no trabalho parece o
oposto, por exemplo, daquele dos antigos diretores alemães,
da época do expressionismo, que faziam longas reuniões
com toda a equipe para decidir cada detalhe das filmagens.
Oshima - Eu experimentei este tipo de democracia alemã
quando fiz teatro na Universidade. Mas não dava nada
certo, e eu nunca apliquei isto no meu trabalho.
Folha
- O músico Ryuichi Sakamoto disse, no filme "Tokyo
Melody", que, entre músicos japoneses, ele trabalhava
em completo silêncio, que cada um tentava adivinhar o
que se passava na cabeça do outro e fazer-lhe a vontade.
Já quando trabalhava na Europa ou nos EUA, tudo funcionava
na base da conversa.
Oshima - É, o melhor é perguntar pouco, e
melhor ainda não perguntar nem responder nada.
Folha
- Então devo me calar?
Oshima - (rindo) Oh, por favor continue!
Folha
- Algo que me encanta em seus filmes é o alto grau de
realidade que contém, isto é, a contribuição
pessoal trazida pelos atores, e a grande quantidade de atos
que realizam na prática para o filme - como é
o caso, por exemplo, no "Império dos Sentidos".
Isso não cria, durante a convivência entre as pessoas
da equipe, um tipo de experiência real em conjunto que
as torna sentimentalmente ligadas entre si? Como é quando,
no fim da filmagens, todos têm que se separar?
Oshima - Este convívio é muito bom, mas acaba
trazendo problemas. No Japão, é complicado, porque
as pessoas que trabalham comigo num filme, ficam querendo participar
também do próximo, e torna-se uma situação
difícil. Por isso tenho preferido trabalhar no estrangeiro,
onde a separação é simplesmente necessária,
e, assim, mais fácil.
Folha
- No filme de Wim Wenders "Tokyo-Ga", o "cameraman",
de Yasujiro Ozu, numa cena comovente, diz que sua vida terminou
com a morte do diretor...
Oshima - Sim, eu conheço este "cameraman",
já trabalhei com ele. Hoje, é uma pessoa amável,
mas cheguei a vê-lo maltratar fisicamente seu assistente,
porque, assim como ele era um escravo de Ozu, queria um escravo
também para si. Este tipo de sentimento que ele tem é,
na verdade uma doença.
Folha
- A propósito, o que você achou do filme de Wenders?
Oshima - Gostei muito, justamente das partes referentes
a Ozu. Mas no que toca à cidade de Tóquio, são
imagens muito comuns, que aparecem em todo filme sobre ela.
Folha
- Você tem algum diretor que lhe serviu de modelo?
Oshima - Não, exatamente porque nunca quis ter escravos
nem ser escravo de ninguém.
Folha
- Qual a sua relação com as outras artes, você
gosta de pintura, música?
Oshima - Gosto muito de ir a museus. Mas não gosto
de concertos, porque a música tocada exige que você
entre num determinado ritmo, enquanto o meu ritmo é outro.
Folha
- Você se refere à música japonesa ou ocidental?
Oshima - A música japonesa, fundamentalmente, não
existe. No Japão, ela vem da Europa ou dos EUA. Você
ouve, por exemplo, Takemitsu, compositor famoso de música
para filmes, que trabalhou com Kurosawa e muitos outros diretores:
ele utilizou instrumentos e talvez alguns elementos japoneses,
mas na essência sua música é ocidental.
Folha
- Você escreve muito. Qual é para você a
relação entre cinema e literatura?
Oshima - Acho que se pode ser um bom diretor sem precisar
escrever. Mas eu sempre quis escrever.
Folha
- Você continua escrevendo aqueles diários que
estão, em parte , publicados no livro "Ècrits"
e naquele recentemente lançado no Japão, composto
durante o lançamento de "Furyo"?
Oshima - Estes textos a que você se refere foram escritos
especialmente para publicação, embora em forma
de diário. Mas às vezes ainda escrevo diários,
em viagens, por exemplo. Aqui, estou fazendo um diário,
onde anoto apenas os fatos, sem qualquer comentário ou
reflexão. Mas estou escrevendo em inglês, porque
assim posso abstrair meus sentimentos. Se escrevesse em japonês,
eles fatalmente teriam que aparecer, seria um texto mais emocional.
Para mim, esses dois tipos de vida e comportamento são
necessários. São justamente as duas faces culturais
que habitam cada japonês.