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São
Paulo, domingo, 30 de setembro de 1951
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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ÉRICO VERISSIMO
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Estreou
em 1932 com um pequeno volume de contos e fantasias e hoje é
o escritor mais lido do Brasil - Não procura fazer ninguem
acreditar que está diante de um "genio" - Não
fuma, não bebe e não joga - Simples e sincero -
Pessoalmente é o escritor mais sem literatura do Brasil
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Érico Verissimo, que estreou na literatura em 1932, com "Fantoches",
pequeno volume de contos e fantasias, hoje quase esquecido, é,
no momento, um dos romancistas brasileiros mais lidos. As edições
de seus livros sucedem-se umas às outras e desaparecem das
livrarias, do norte ao sul do país, em tempo sempre menor
que o previsto pelos editores. De "Fantoches", que foi
a primeira, à ultima de suas obras, "O Tempo e o Vento",
há um espaço de dezenove anos, durante o qual o escritor
publicou dois livros de historia para a juventude, dois de reportagens
sobre os Estados Unidos, oito romances e novelas e algumas historias
infantis. Nesta altura de sua carreira, porem, sua consagração
está definida. Erico é o "best seller" da
literatura nacional. Seus romances estão quase todos traduzidos
na Argentina e os de maior sucesso como "Olhai os Lirios do
Campo", "Caminhos Cruzados", "O Resto é
Silencio" e "Um Lugar ao Sol" já foram editados
em italiano, francês, alemão e inglês. "O
Tempo e o Vento" será lançado este mês,
nos Estados Unidos, e diversos produtores cinematograficos, brasileiros
e argentinos, estão interessados em filmar a historia.
Essa
a situação do escritor, no momento. A sua posição
na literatura brasileira, porém, é outro assunto.
E não trataremos dele aqui. Esta reportagem não
é de crítica, nem de aplauso, nem de interpretação.
Contem impressões colhidas através de uma palestra
que se prolongou por algumas horas em casa do romancista, informações
sobre sua pessoa, trabalho, duro e melancolico trabalho intelectual.
Só.
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"Close-up"
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Erico Verissimo é um homem silencioso, de altura media, rosto
moreno de indio, simpatico, olhar manso e demorado, de fala clara,
e sentimento nitidos, bem definidos. Quando se refere a saudade,
quer realmente dizer saudade. Quando sente raiva, vê-se que
ele está indignado. Se fica terno, fica terno a valer, e
quando gosta ou não gosta de uma pessoa, sabe-se logo quando
uma ou outra coisa aconteceu. Não faz rodeios para entrar
nos assuntos, nem foge deles. Quando lhe perguntamos alguma coisa,
responde sem evasivas. É um homem na ordem direta. Não
usa quase adjetivos nem palavras que não sejam da linguagem
comum de todos.
Pessoalmente é o escritor mais sem literatura do Brasil.
Nota-se que ele não tem nenhuma intensão de fazer
o interlocutor acreditar que está diante de um "genio",
como há muitos por aí, coitados. Seu riso porem, não
é facil. As frases de humor não lhe provocam esgares
para agradar os outros. Em geral, depois de ouvir frases de efeito
humoristico, fica de olhar parado, o rosto moreno de expressão
cansada, voltada para o que fala, como quem espera a continuação
de uma historia. Observa-se que o romancista já viu demais,
andou por muitos lugares com seus personagens, sentiu todas as emoções
e ouviu tudo, com aqueles personagens de Steinbeck que nem sequer
se voltaram para ver o cortejo, porque já tinham visto não
somente outros cortejos como aquele, mas muitas outras coisas na
vida.
Erico Verissimo é, em suma, um tipo acabado de gaucho, do
interior do Estado, a quem, depois de uma hora de conversa, a gente
tem vontade de chamar de compadre. Mas é, sobretudo, um homem
que não aceita as safadezas da vida como um fato consumado.
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Familia
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Encontramos
o romancista em seu escritorio, na Livraria do Globo, onde desempenha
as funções de conselheiro. Sua atuação
na editora, porém, não é propriamente funcional.
Ele está ligado à "Globo" por laços
afetivos. Sua amizade com os irmãos Bertaso, diretores-proprietarios
da editora gaucha, vem desde "Fantoches". Todos os seus
livros foram editados pela "Globo" e nesta altura de sua
carreira de escritor sente-se como uma pessoa da "casa".
Já desempenhou na editora diversas funções
"de fato": diretor da "Revista do Globo", tradutor,
selecionador de obras estrangeiras e conselheiro.
A palestra de que resultou esta reportagem, registrou-se porem,
em sua residencia no bairro de Petropolis. O "asilo inviolavel"
do novelista, fica na rua Felipe de Oliveira (poeta gaucho ilustrissimo,
que viveu em Paris e teve o juizo de morrer moço; alem de
grande talento para o verso branco, teve o merito de ser irmão
do milionario João Daudt de Oliveira). Mas voltemos à
casa do escritor. É uma vivenda confortavel, de pequena sala
de visitas, com quadros da Goguin, Cezane e Van Gegl, nas paredes,
corredor longo e nos fundos uma varanda, sala de estar ou coisa
parecida, com uma estante de livros em inglês e português,
lareira, uma radiovitrola imensa, sofás e poltronas confortaveis
e outros moveis e objetos de importancia relativa.
A familia reune-se e Erico apresenta:
- Esta senhora é minha sogra. Da. ...
- Prazer...
- Mafalda, minha senhora; minha filha Clarissa e meu filho Luís
Fernando.
Da. Mafalda, clara e simpatica, senta-se ao lado do romancista,
Clarissa, "brotinho" de dezesseis anos, bonita, delicada
e esbelta, fica em frente do reporter; Luís Fernando acomoda-se
numa poltrona, perto da irmã e fica pensando no filme que
verá dali a pouco. Erico confessa, depois, quando nos levava
para a cidade, de automovel: "Somos uma familia cinemeira.
Vamos muito ao cinema, quase todas as noites."
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Vida
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A conversa
anda e desanda, faz evoluções, cresce, esfria, e perde-se.
E vamos sabendo coisas.
O que mais me desgosta nesta profissão, - diz o escritor
- são os compromissos sociais, os convites para coquetéis
e solenidades a que não posso fugir. Outra coisa desagradavel
é a mania que os leitores têm de me procurarem para
pedir conselhos sobre casos pessoais. Muitas vezes eles não
querem solucionar coisa nenhuma. Já sabem o que vão
fazer, mas insistem em desabafar, como se um ficcionista pudesse
acomodar destinos humanos, como o faz com suas personagens."
- Que mais o agrada na profissão?
- "A satisfação que se tem de encontrar um amigo
ou um admirador numa pessoa que encontrou às vezes pela primeira
vez e de cuja existencia nunca suspeitou".
Nessa altura, o reporter acende um cigarro e estendendo o maço
para o escritor, pergunta:
- Fuma?
- "Não fumo, não bebo e não jogo".
E esticando o polegar para da. Mafalda:
- "Em compensação, essa aí, fuma, bebe
e joga."
- Que idade você tem?
- "Cinquenta anos."
Da. Mafalda adverte:
- "Há duas coisas que não se perguntam nesta
casa: a idade do Erico e em que ano Luís Fernando está,
no ginasio."
(O sr. Luís Fernando Verissimo, absorto, sorri. Ele deve
ter vontade de estripar o reporter. É no que dá ser
filho de um escritor famoso! Ter de ficar ali, de bons modos, sem
saber o que se passa lá no cinema, se Alan Ladd já
"noqueou" alguem e tudo).
Erico Verissimo vive o que se poderia chamar uma vida familiar.
Vai à Livraria do Globo de manhã e de tarde. Mas quando
lhe dá na vontade leva a turma à matinê. Quando
ha bons filmes em cartaz, a familia vai ao cinema. E ao voltar para
casa, no "Austin" de chapa 3-71-55, (Erico na frente,
guiando com segurança de motorista de praça, da. Mafalda
ao lado e os meninos atrás com a avó), ha discussões,
sobre o filme, as reações psicologicas da mocinha,
a incoerencia do comerciante açambarcador e outros graves
problemas de "escript". Naturalmente Luís Fernando
não pensa nas lições do outro dia, ao advogar
a competencia do interprete principal.
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