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Marguerite
Duras só se tornou mundialmente famosa quando escreveu o
roteiro cinematográfico "Hiroshima Meu Amor", que
foi rodado sob a direção de Alain Resnais. Porém,
desde antes da guerra, depois de ter se formado em Direito, Marguerite
já escrevia, principalmente romances.
A partir de 1945, ligou-se a todos os movimentos da esquerda intelectual
e tornou-se membro do partido comunista do qual foi expulsa em 1955,
devido às suas divergências. Sua obra, influenciada
por sua atuação política, transforma-se: ela
se dedica à psicologia de seus personagens, deixando a intriga
para um segundo plano. São desta época os romances
"Moderato Cantabile", "O Vice-Consul", "O
Marinheiro de Gibraltar", e outros.
Marguerite Duras, mais tarde, tornou-se, ao lado de Alain Robbe-Grillet
e Michel Butor, uma das principais integrantes do movimento literário
criador do "nouveau roman". Escreveu diversas peças
e teatro, mas a sua consagração, neste campo, aconteceu
com "Os Amantes de Viorne" ("L'Amante Anglaise").
Este têxto foi baseado em um assassinato real, acontecido
em Viorne, na França, e praticado por Claire Lannes uma pacata
dona de casa.
Nesta entrevista, Marguerite Duras explica como escreveu "Os
Amantes de Viorne" e dá sua opinião sôbre
o casamento e as relações da classe-média em
geral.
O que a senhora pretende ao escrever "Os Amantes de Viorne"?
Marguerite Duras - Eu procuro quem é essa mulher,
Claire Lannes. Ela cometeu um crime, não deu nenhuma explicação
para esse crime. Então eu procuro essa explicação.
O que é que a senhora sabe sôbre ela, sôbre
seu crime?
MD - Há vinte anos Claire morava em Viorne, desde
o seu casamento com Pierre Lannes. Eles moravam na Rue de la Paix.
Ela nunca teve filhos, nunca trabalhou. Pierre Lannes era duas vêzes
aposentado: como militar e como funcionário da estrada de
ferro. Dizem que êle era muito miserável.
Claire Lannes deu-lhe uma cacetada na cabeça, enquanto êle
estava lendo o jornal. Depois, com uma machadinha de cozinha, cortou-o
em pedaços. O primeiro pedaço foi descoberto no dia
30 de dezembro de 1949, em um trem.
Os outros pedaços foram aparecendo em outros trens, nos mais
variados pontos da França. A primeira delegacia de Paris,
que dirigia as investigações, acabou descobrindo que
os trens que carregavam esses pedaços do corpo humano passavam
todos, não importando seus destinos, pelo Viaduto da Montanha,
em Viorne. Quando Claire se viu frente a frente com a policia, confessou
imediatamente o seu crime. Mas nunca deu explicação
nenhuma.
O relatório da policia, depois de ter interrogado os vizinhos
de Claire Lannes, concluia que a acusada parecia ter atingido o
"mais alto grau da aversão humana" quando cometeu
o crime.
Ela foi condenada a cinco anos de prisão. Parece que voltou
a Viorne depois de ter sido sôlta. Há dois anos foi
vista novamente na cidade. Estava esperando o ônibus na rodoviária.
Por que na sua versão da história, Claire Lannes
mata a sua prima-irmã surda-muda de nascimento?
MD - Porque eu queria saber quem foi Pierre Lannes e ter o seu
testemunho sôbre a mulher. Tirei-o do túmulo para que
fôsse ouvido por todos, pelo menos uma vez na vida. Êle,
também, era surdo-mudo, assim como a vitima: êle representava.
Êle é a pequena burguesia francesa, morta viva assim
que chega na idade de "pensar". Assassinada pela herança
ancestral do formalismo.
No lugar desta "pedra", fiz Claire Lannes matar uma verdadeira
surda-muda. Aliás, se ela soubesse dar suas razões,
constatariamos que eram as mesmas, fôsse o crime êste
ou aquêle, pois na realidade o que ela matou foi a própria
morte.
A senhora não acha que esta burguesia poderá ficar
chocada com os sinais exteriores do crime de Claire Lannes?
MD - Isto nunca seria razão suficiente para escondê-los.
A burguesia sempre fica horrorizada pelo sangue quando a gente fala
nêle. Essa burguesia vai passar férias sob o sol da
Grécia dos coronéis que assassinam os "subversivos"
nas suas prisões, bem fechadas, sem deixar marcas de sangue.
Mas falar do crime de Claire Lannes lhe dá ânsias.
Acredito que os Lannes eram proletários. Rebaixei-os à
condição de burgueses, para que seus pares se reconheçam
nêles. Falo de Pierre Lannes. Claire Lannes, devido à
sua loucura e ao crime que ela cometeu, é uma desclassificada.
Êsse crime existiu, ninguem o inventou. As pessoas podem escolher
entre tomar ou não conhecimento dêle. É só
escolher.
Quem frequentava a casa dos Lannes?
MD - Ninguem. Na vida das cidades pequenas, ninguem vai a casa
dos outros. Só a familia. O que não impede que todos
saibam de tudo sôbre todos.
Como a senhora vê Pierre Lannes?
MD - Êle teve ambições politicas. Apresentou-se
para vereador em Viorne. Não foi eleito e isto foi uma grande
decepção para êle. Se êle tivesse tido
instrução suficiente e os meios financeiros necessários,
Pierre Lannes teria se candidato a deputado pelo partido dominante.
Provavelmente teria sido eleito. Eu o vejo nacionalista, sentimental,
legicista, falso, dissimulador: o perfeito jesuita.
Como a senhora vê Claire Lannes?
MD - Sentada no banco do jardim. Erecta. Fixa. Entregue aos
seus pensamentos contraditorios. Ela fazia tudo em casa, matando,
Claire Lannes manda a casa para os ares, devolvendo-a ao seu destino.
O que é que a senhora sabe sôbre o passado de Claire
Lannes, antes dela ir para Viorne?
MD - Quase nada. Ela nasceu e viveu em Cahors. Era filha de
comerciantes muito ricos. Era muito dada a aventuras. Depois, encontrou
o guarda de Cahorse, então, conheceu o "amor feito para
durar sempre". O fato dêste amor não ter continuado
nas sua manifestações é secundário.
Pierre Lannes envergonha-se de sua mulher?
MD - Devia recear muito que os estranhos a considerassem louca.
A loucura, assim como a sifilis, são causas de vergonha para
os burgueses.
A noite, êle costumava ir ao bar Le Balto. Claire ia com êle.
Era amigo do dono e ela de Alfonso Rigieri, um operário agricola,
de origem italiana, considerado um tanto retardado, mas que era
amigo dela. Alfonso era o único que sabia escutar o que Claire
Lannes contava.
O que ela contava?
MD - O que ela via na televisão. Dez coisas ao mesmo
tempo. Era uma enxurrada de palavras. E, de repente, o silêncio.
Ela nunca falava da vida das pessoas de Viorne?
MD - Não. Só do que ela acreditava ter lido no
jornal ou visto na televisão. Nunca fazia reflexões
sôbre a vida.
A senhora acredita que existiu relações entre Alfonso
e Claire?
MD - Só sei o que êle disse: que há dez
anos atrás êle sentiu alguma coisa por ela e que se
não fosse o Pierre, com quem mantinha boas relações,
a teria levado para viver com êle em seu barraco.
Ele sentiu remorsos por não ter feito isso?
MD - Êle não falou em remorsos. A noite, Alfonso
e Claire passeavam por Viorne. Ninguém na cidade sabia.
A senhora acha que o que existia entre os dois era amor?
MD - Como se pode chamar a uma simpatia tão grande? Mas
essa pode tomar tantas outras formas...
Quais por exemplo?
MD - Uma cumplicidade secreta que leva a ações
noturnas - sabotagens por exemplo - terrorismo localizado.
Alfonso sabe que Claire Lannes matou o marido?
MD - É impossivel saber ou resolver. O processo só
fala em passeios noturnos "tranquilos" em Viorne. Tenho
certeza que Alfonso sabe qualquer coisa a êste respeito. Só
não sei o que. Êle é daqueles homens que ficam
calados porque vivem apavorados pela policia, que prezam a liberdade
acima de tudo. Trabalha só para comer. Não amam o
dinheiro e levam a vida na mais completa pobreza. Cantam operas
italianas e depois, um dia, são encontrados mortos pelo frio,
no meio da floresta. |
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