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P
- Onde estudou (quais escolas) e que cursos fêz?
R - Fiz o curso primario na minha cidade natal, Cruz Alta, e metade
do secundario em Porto Alegre, no Ginasio Cruzeiro do Sul (1920-1922).
Daí por diante fui auto didata.
P - Que tipo de estudante o senhor foi?
R - Diziam os professores que eu era um bom estudante e as notas
que tirava parecem confirmar essa ideia. No entanto desconfio
que uma dose muito grande de imaginação me desviava
dos textos didaticos e me levava em prolongados passeios por mundos
fantasticos. Eu tinha e ainda tenho a atenção voluvel.
P - Há alguma diferença entre os estudantes de
hoje e os de seu tempo?
R - Nunca estudei esse assunto minuciosamente. Sei isso sim, que
há diferenças enormes no ensino e nas condições
de vida dos estudantes. Os de hoje gozam de muito mais privilegios
que os de meu tempo. Nos nossos dias os elementos audio-visuais
(com os quais os de minha geração não contavam)
fazem toda a diferença. Há hoje mais intimidade,
mais camaradagem entre professores e alunos do que antigamente.
P - Como, quando e por que começou sua carreira
de escritor?
R - A carreira só comecei depois do primeiro livro, Fantoches
(1932), mas escrevia e publicava esparsamente desde 1929. Por
que? Necessitaria de escrever um ensaio enorme para responder
a este por que. Talvez possa dizer, numa resposta incompleta,
que me sentia inclinado à literatura - desejo de comunicar-me
com os meus semelhantes e comigo mesmo; ansia de sair do anonimato,
da mediocridade duma vida de cidade pequena; necessidade de emular
os escritores famosos que eu lia, pois sempre gostei muito de
ler. E é natural que, aos dezoito ou vinte anos, todo o
homem tem o desejo muito natural de ver seu nome ligado a algum
empreendimento, algum feito. No meu caso esse desejo era o de
ver o meu nome na capa dum livro.
P - O que o levou a escrever a sua primeira obra e
qual foi?
R - Esta pergunta de certo modo está respondida na anterior.
O primeiro livro Fantoches, é uma coleção
de contos.
P - Qual o tema que abordou para os seus escritos?
R - Ora, sempre me interessei pelos problemas do homem, preferindo
o habitante da cidade ao do campo. Nunca fui regionalista. Os
primeiros escritos meus revelavam influencias de Ibsen, Shaw,
Anatole France. Mas a maior influencia de todas - a que durou
mais - foi a de Eça de Queiroz, o que não exclue
a minha enorme admiração por Machado de Assis.
P - Sofreu influencia de algum escritor?
R - Respondida acima. Mas devo acrescentar que um escritor me
estimulou muito, direta e indiretamente, com sua vida e a sua
obra: Monteiro Lobato.
P - Quando está escrevendo algum livro a idéia
vem espontaneamente ou é forçada?
R - Pode acontecer uma coisa ou outra. Mas a espontaneidade prevalece.
P - Em seus livros, baseia-se em experiencias pessoais ou apenas
em criatividade?
R - Inclino-me para a criatividade. Mas nenhum escritor pode criar
do nada. Mesmo quando ele não sabe, está usando
experiencias vividas, lidas ou ouvidas, e até mesmo pressentidas
por uma especie de sexto sentido. Estou convencido que de a criação
literaria se processa mais no inconciente que no conciente.
P - Entre as suas obras, qual a que mais lhe agrada?
R - Ainda não me fiz esta pergunta. Não saberia
responder a ela agora. O mais que lhe posso dizer é que,
se tivesse de escolher uma obra para me representar como escritor,
seria o primeiro volume da trilogia O Tempo e o Vento, intitulado
O Continente.
P - Em que se baseia para dar titulos às suas obras?
R - O processo de encontrar os titulos é misterioso. Eu
sinceramente não lhe saberia dizer como nascem os titulos.
Talvez pudesse dizer que eles tambem se oferecem por obra do inconciente
e depois são devidamente "manipulados" pelo conciente.
P - O que é necessário para um bom literato?
R - Pergunte isso aos criticos. Eles sabem tudo. Nós os
ficcionistas somos mais magicos do que logicos. E é preciso
logica para responder a esta pergunta.
P - Um bom escritor pode se fazer ou nasce feito?
R - Ele em geral nasce - creio - com a vocação para
a literatura. O resto, que é muito, dependerá de
artesanato, experiencia, paciencia, persistencia, trabalho. Está
claro que não estamos falando dos genios, esses bichos
raros que aparecem esporadicamente nas literaturas.
P - O que acha de José Mauro de Vasconcelos?
R - Gosto dele como pessoa. De todos os seus livros, só
li um dos primeiros, Barro Blanco, que era uma "promessa".
P - Como vê a nova geração de literatos
no Brasil?
R - Acho-a de primeira ordem. Nossa poesia é tão
boa como a francesa, a inglesa, a italiana, a americana. Temos
já prosadores de estatura internacional. E o conto entre
nós se tem desenvolvido muito nos ultimos dez anos, revelando-nos
um punhado de jovens com muito talento.
P - Acha que a nossa epoca é uma epoca de transformações?
R - Evidentemente. Estamos no ôco de uma grande onda, e
isso nos impede de ver as praias do futuro. Mas sou otimista.
Principalmente no que diz respeito ao Brasil.
P - Acha que o estudante de humanidades tem boas perspectivas
num mundo tão dominado pela tecnologia?
R - Não sei. O que sei é que devemos insistir no
estudo das humanidades. Ciencia e tecnica são meios. Quem
nos aponta para os fins são os humanistas. Precisamos deles,
cada vez mais.
P - Como encara a situação do mundo atual?
R - Eis outra pergunta que exige um ensaio para o qual não
tenho tempo nem disposição. É evidente que
vivemos num mundo conturbado, num mundo de protestos, preludio
de grandes reformas.
P - Considera o homem totalmente racional?
R - Não. E menos racional ainda que o homem é a
multidão.
P - Como encara a excessiva preocupação do homem
para descobrir o que há alem da Terra? Esta busca é
para aprofundar os conhecimentos ou é, mais, para provar
de que o homem é capaz.
R - Essa curiosidade do homem para com a sua propria vida e o
Universo é o que tem impelido a descobertas e invenções.
Sem essa curiosidade - a que se mistura não raro uma saudavel
dose de orgulho legitimo - estariamos ainda na idade da pedra
lascada. A busca me parece que tem as duas finalidades que sua
pergunta menciona.
P - O que acha dos Beatles? O que trouxeram de bom ou de mal
para a juventude?
R - Não pensei ainda nos Beatles. Não é possivel
ter opinião sobre tudo. Não há tempo. Há
muito que ler. Há muito que fazer. Tenho o meu trabalho.
Muitas vezes sou desviado dele durante uma, duas horas como, por
exemplo, no caso desta longa entrevista. Não imagine que
v. é a unica pessoa que me entrevistou esta semana. Houve
muitas outras. Eu poderia encher todas as minhas horas atendendo
a solicitações do exterior, ficando sem tempo para
escrever os meus livros. Considerando que estou já com
64 anos e minha saude não é muito boa, creio que
cometo um crime contra mim mesmo e os meus quando me desvio da
atividade de escrever livros para dar entrevistas.
P - O que acha da musica popular brasileira? Qual é
o compositor que mais aprecia e porque?
R - Tambem não tenho opinião firmada sobre musica
popular. Os compositores que mais aprecio - Bach, Beethoven e
Mozart - não são populares, infelizmente.
P - O que acha do cinema brasileiro? Qual é a sua situação
atualmente.
R - Tenho visto poucos filmes nacionais. Não vi os melhores.
Falta de tempo, não de curiosidade, pois gosto muito de
cinema.
P - O teatro no Brasil é bem aproveitado?
R - Conheço nosso teatro ainda menos que o nosso cinema.
Eu gostaria de ter duas vidas separadas e simultaneas. Dedicaria
uma delas ao meu trabalho literario e a outra... ao resto.
P - O senhor já se realizou como escritor?
R - Não, porque não fiz nenhum livro que eu possa
considerar grande. Mas não me sinto frustrado. Pude fazer
profissão da literatura. Comuniquei-me com dezenas de milhares
de leitores, de quem tenho recebido provas de estima que me sensibilizam.
P - Alem de escritor, exerce outra profissão?
R - Já fui tradutor e redator numa revista. Hoje só
vivo da minha profissão de escritor.
P - Qual é a obra indicada para fazermos um trabalho?
Quando e o que o levou a escrevê-la? Tem algum esclarecimento
a fazer sobre ela?
R - Por que não Clarissa? Não a recomendo como estilo,
mas sim como estudo da psicologia duma adolescente - note bem!
- em 1931 Clarissa é um poeminha em prosa sobre a vida
cotidiana. Creio que seus estudantes poderiam fazer um paralelo
das Clarissas de 1931 com as de nossos dias.
P - Qual mensagem daria aos estudantes brasileiros?
R - Não sou homem de mensagens. Nenhuma vocação
de mestre ou profeta. O mais que eu poderia dizer é: "Estudem,
estudem, preparem-se para a vida e depois vivam, não esquecendo
jamais que a vida em sociedade exige de cada um de nós
um sentido muito profundo de responsabilidade comunal". Mas
não gosto desta mensagem. Preferia não dar nenhuma.
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Em nome dos alunos do 3.o classico (noturno), do Colegio Raposo
Tavares (CENEART) de Osasco, São Paulo.
Obrigado.
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