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COMO BUSTER KEATON ENTENDE QUE HÃO DE SER AS COMEDIAS FALANTES

O mal das comedias do cinema, affirma Buster Keaton, é que o publico já lhes prevê o final, logo de começo. Esta a razão do relativo declinio no valor da farça na téla, a ponto de se acharem as mesmas em certa crise de verdadeiro interesse. Segundo Keaton o cinema falante vem trazer mudanças radicaes nesse genero de arte, o mais difficil talvez. "Alguém póde quebrar a cabeça pensando no melhor modo de provocar o riso, dizia elle no seu camarim nos studios da Metro Goldwyn-Meyer, mas se o publico sabe o que vae succeder, está perdida toda a graça. E o publico que frequenta o cinema ha mais de vinte annos, sabe de cór e salteado todos os ardis, não só os que tratam de comedias, mas tambem os do drama". Keaton, que vae começar a trabalhar no cinema falante, está passando em revista o seu methodo inteiro de fazer rir. Elle tem que inventar differentes situações, porque a voz requer situações differentes das que são expressas na pantomima. Estudou todas as suas peças comicas, ha mais de um anno, para evitar no seu primeiro filme falado tudo o que não possa dar bons resultados. "Creio que se os demais comicos fizessem o mesmo, se inauguraria uma nova moda de artista comicos, pois não é mais possível tomar-se muitas liberdades com a comedia. Por exemplo, alguns têm querido fazel-á differente, começando com alguma, caracterização artistica, e voltar immediatamente para as situações comicas. O mal é que se quer tirar partido de ambas as coisas ao mesmo tempo. Começando com as caracterizações, e uma vez que se tenha logrado despertar o interesse do publico, é passada a farça, e o publico perde o interesse. E além disso é muito mais difficil crear a comedia quando não se tem iniciado o assumpto bem desde o começo. O melhor meio de inciar a comedia é a opera comica - e no meu conceito, a opera comica fará em breve furor no cinema falante. O espetaculo vae se enchendo o palco de gente acclamando o rei ou o sultão, ou lá o que seja. Finalisa o córo com uma grande balburdia de cantos e trombetas annunciando a entrada do soberano; apparece então o Rei Dódó, com um grande nariz, e talvez mesmo em camisa de dormir. - "Onde estão os meus sapatos?" - perguntará, provavelmente. Ahi cae o publico numa grande gargalhada. A seguir, continua o argumento. - "O exercito de Vossa Majestade foi derrotado, e o inimigo está cada vez mais invadindo o vosso reino!" - declara o primeiro ministro; - "Mas não se afflija Vossa Majestade, porque ficará com a vossa rainha!" - "Sim, isso é precisamente o que temo!" - responderá o rei. Naturalmente, a rainha é uma grande mulher, do typo Maria Dressier, mais ou menos, e que o espanca a toda hora . Actualmente, com o cinema falante, é possivel fazer-se qualquer estylo moderno, e com música, libertando-se do velho systema da téla - o comico, a moça, o marido ciumento e varias outras coisas de sempre. Os passos cinematographicos tambem terão de ser differentes. Não se póde surprehender ao publico com uma enorme palmeira crescida repentinamente, ainda que isto no palco fosse de muito effeito. Os espectadores conhecem, naturalmente, centimetros mais ou centimetros menos, o tamanho do scenario e do sub-solo, e quando apparece de repente alguma coisa de extraordinario é imaginado que seja algum mecanismo engenhoso. Mas na téla, o publico qualifica isso de recursos cinematographicos, e não dá maior attenção. O publico de hoje não se impressiona tão facilmente com situações que já conhece. Se o comico vae fazer mais visita a casa de alguma moça, a platea sabe muito bem que irá apparecer todo furioso o marido ciumento e, provavelmente, com um policia. Assim, quando isso é apresentado não ha nada de surpreza nem de hilaridade. O publico já conhece quasi todas as comicidades do mundo. Que se ha de fazer, então, para provocar o riso? Necessita-se apenas empregar uma nova tactica. A surpresa é o elemento da comedia. O rei da opera comica é uma surpreza, porque o córo preparou o publico para ver um personagem respeitavel, apparecendo em vez de uma figura ridicula. "As minhas melhores comedias foram aquellas nas quaes eu apparecia sempre occupado em tarefas humildes e por algum accidente me via lançado ás altas espheras sociaes, numa posição muito acima da minha mentalidade " - disse Keaton. A opinião de Buster é que o filme falado se presta mais para a comedia do que o filme silencioso, tendo-se em conta o milhão de coisas impossiveis de exprimir na pantomima. Assim ha de ser escripta a historia de uma opera comeca para o cinema, com a acção movimentada e rapida e embellezada com musica e canções comicas. De qualquer modo Keaton promette alguma coisa differente quando apparecer nos seus filmes falados.
 
Publicado na Folha da Manhã
Data de publicação  08.abr.1930
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