São Paulo, segunda-feira, 16 de outubro de 1967
Neste texto foi mantida a grafia original

NO AR: ODUVALDO VIANA

RIO, 14 (FOLHA) - O teatrologo Oduvaldo Viana, depondo no Museu da Imagem e do Som, afirmou ter sido o responsavel por uma serie de modificações introduzidas, tanto no radio quanto no teatro, como por exemplo a exigencia que fazia, por volta de 1914, de que os atores que atuavam sob sua direção falassem o português do Brasil.

Essa exigencia do jovem diretor Oduvaldo Viana causou um verdadeiro escandalo, na epoca, pois não se compreendia como um ator teatral deixasse de lado o obrigatorio sotaque lusitano. A esse respeito, Monteiro Lobato escreveria: "Estamos acostumados a assistir companhias teatrais da França, Inglaterra e Portugal, sempre entendendo o que se diz no palco; com atores brasileiros não consigo, pois até ontem insistiam em falar em português estranho aos brasileiros". A partir daí o celebre escritor paulista se congratulava com seu conterraneo Oduvaldo Viana.

Radionovelas

Outro marco lançado por Oduvaldo Viana foi a novela pelo radio, lançando a primeira em São Paulo. Logo as suas novelas espalharam-se por todo o Brasil, virando epidemia. O depoimento de Oduvaldo, a esse respeito, é cortado de fatos pitorescos. Cartas e telegramas de ouvintes de outros Estados que se queixavam de tal ou qual personagem de sua novela ter morrido, ter ficado doente, não ter se casado com fulana etc. Por outro lado, existia a pressão que recebia dos patrocinadores. Contou que certa feita foi chamado à presença de um norte-americano, diretor da Sidney Rossi, patrocinadora do horario, que exigia que a novela não terminasse na data prevista: que era necessario continuar a escrever capitulos etc.

Muitas vezes ocorria que determinado ator ficava doente e Oduvaldo Viana era obrigado a reescrever uma serie de capitulos de suas novelas nos quais os personagens deixavam de aparecer, e Oduvaldo recorria: adoecia-o tambem.


No Trianon

Sua carreira vitoriosa no teatro iniciou-se no Trianon, quando encenou, a partir de 1919, uma serie de peças de sua autoria: "Clube dos Pierrots", "Flor da Noite", o "Almofadinha" e, inclusive, a nacionalista "Terra Natal", que contava a historia de um brasileiro que foi aos EUA e ficou maravilhado com o progresso de lá, e resolve empregar maquinaria e metodos adquiridos na terra de Tio Sam, fracassando na empreitada.

Entre as multiplas atividades de Oduvaldo ele destaca a de correspondente de guerra do jornal "A Epoca". Sob essa condição embarcou para Portugal, em 1914. Não pôde sair de Lisboa por falta de dinheiro e acabou fazendo teatro por lá.

De volta do Brasil, em 1921, estreava a peça "Onde Canta o Sabiá", quando então teve um problema serio com a censura. Numa determinada cena aparecia uma senhora calçada com meias e chinelos. A censura implicou: com meias e chinelos não pode. Para liberar a peça Oduvaldo Viana foi até a residencia de "Chico Ciencia", como era chamado o sr. Francisco Campos, homem influente e ligado à Policia. A peça foi liberada.


No exterior

Em 1923, Oduvaldo Viana levou a primeira companhia teatral brasileira ao exterior. Foi ao Uruguai e à Argentina. Para poder atravessar a fronteira foi um sacrificio. Ordens de Medeiros, presidente do Rio Grande do Sul. Era positivista e não acreditava em vacina, muito menos em variola e sem atestado não podia entrar no Uruguai. Depois de muitos entendimentos com as autoridades uruguaias a companhia seguiu.

A primeira companhia brasileira no exterior foi um sucesso. A Academia Brasileira de Letras passou um telegrama assinado por Coelho Neto, saudando a iniciativa. No dia da estréia, em Buenos Aires, na presença do presidente argentino, foi aquele desastre: ninguem da companhia sabia cantar o hino nacional.

De volta de sua turnê, Oduvaldo Viana fundou, com João Quadros, o "São Paulo Jornal", no qual trabalhou de 1924 a 1928.

Nos EUA

No ano de 1929 foi para os Estados Unidos e lá se encontrou com Monteiro Lobato, que era funcionario da nossa Embaixada - adido comercial - e visitou Los Angeles. Voltou ao Brasil consciente de que nossa terra era totalmente desconhecida do povo norte-americano e com uma idéia na cabeça: fazer cinema. Fez, depois de muitos sacrificios, "Bonequinha de Seda", cuja unica copia está no Museu de Arte de São Paulo. Foi o primeiro filme nacional a ser exportado.

A primeira novela que foi ao ar, escrita e dirigida por Oduvaldo Viana, foi no ano de 1939. A partir daí descobriu o novo veiculo. Passou a viver do radio. Começou com "Recordações de um Amor", "Angustia", "Vendedor de Ilusões", "Amor" e uma serie infindavel delas. Há 14 anos recebeu uma homenagem por ter escrito 2.000 capitulos de novelas. Hoje, com 75 anos, Oduvaldo Viana vê seu filho fazendo aquilo que sempre quis fazer: viver para o teatro, na eterna busca de uma arte popular, bem brasileira, bem povo.
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