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São
Paulo, quinta-feira, 21 de julho de 1949
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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"PRECISAMOS CONQUISTAR A PAZ E NÃO ESPERAR QUE ENCONTREMOS ENTRE
OS PRESENTES DE ANO NOVO"
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Fala
Albert Camus, um dos luminares da moderna literatura francesa
- "Paris é um manequim encantado e o Rio uma linda jovem do campo"
- A função social e estetica do teatro e do cinema
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RIO,
19 (Sucursal) - Estamos vivendo uma epoca de aproximações
culturais em que os povos e as nações, através
de intercambio de homens e idéias, procuram fortalecer as
correntes que nos conduzem ao estuario comum da mais ampla compreensão
humana. A França e o Brasil, em todos os periodos e fases
da historia moderna, são dois paises que se completam quer
pelos laços de latinidade, quer pelas tendencias e aspirações
comuns que sempre demonstraram no processo das grandes causas universais.
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Visitas
mutuas |
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Inumeras são as personalidades francesas que nos têm
visitado ultimamente, e, por outro lado, grande tem sido a afluencia
de artistas e homens de cultura do Brasil que vão visitar
a França. Tais visitas são direta ou indiretamente
patrocinadas pelos organismos de intercambio cultural o que evidencia
uma compreensão segura das necessidades espirituais dos dois
povos.
E não é verdade que apenas nós temos o que
aprender na França. Ainda recentemente um grande historiador
e sociologo francês declarava aos jornais que os europeus
têm para nos dar os ensinamentos de sua vasta cultura acumulada
e que nós, em troca, temos para oferecer-lhe o exemplo das
nossas descobertas, realizações e audacias.
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Albert
Camus |
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E esse é mais ou menos o pensamento de Albert Camus. Mas,
antes, cumpre dizer duas palavras sobre esse grande espirito da
moderna França, o mais jovem de seus escritores que haja
conquistado em qualquer epoca tão alta notoriedade em todos
os centros cultos do mundo. Camus é um escritor de aguda
penetração nos fenomenos humanos e sociais. Artista
de lingua, psicologo e, sobretudo, é um homem que colheu
na propria sustancia da vida o material de sua obra literaria. Teatrologo
e principalmente romancista, tornou-se mundialmente conhecido com
o seu romance "La Peste" que foi interpretado como mensagem,
a mais profunda, nascida das inquietações da nossa
epoca ainda pesada de apreensões e angustias.
Pessoalmente Camus é um espirito transbordante de jovialidade,
profundamente cavalheiro, cheio de humor, mas daquele humor muito
francês que faz o parisiense o mais cordial e o mais comunicativo
dos homens. Tivemos essa impressão logo ao primeiro contacto,
quando nos recebeu, ontem, na Embaixada da França, no Flamengo.
Foi Camus, aliás quem iniciou a entrevista conosco mostrando-se
deslumbrado e curioso com as belezas do Rio.
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A
paz do presente |
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Só depois de atendermos às suas interpelações
foi que encontramos uma oportunidade de perguntar-lhe sobre o que
pensava ele sobre a atualidade do Mundo. Disse-nos a escritor:
"Não me preocupo muito com o futuro da humanidade; o
que me interessa é a gente que vive hoje - seus filhos -
para os quais me sinto pleno de ternura. É a conservação
de suas vidas que tem singificação para mim e me faz
desejar a paz. Mas não esperamos encontrá-la entre
os nossos presentes de ano novo. Cada um de nós, num esforço
pessoal, através da pratica diaria de boas ações
e pensamentos sadios, formando uma especie de corrente protetora,
forneceremos à geração contemporanea boas parcelas
de cooperação.
Descuidos e deslises e eis, novamente, a quebrar a harmonia do universo,
o rugir epavorante da guerra. Não poderemos nos quedar alheios
e distraidos. Nem o momento comporta atitudes de indiferença.
Não durmamos, pois, que a paz será uma realidade,
ela que, agora, não passa de uma promessa".
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"La
Peste" |
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O romance de Camus, de maior sucesso universal é, sem duvida,
"La Peste". Parece ter o sentido de uma mensagem pessoal
sobre problemas de profunda expressão humana. Portanto, perguntamos-lhe
se esse livro significava a sua crença na humanidade.
Depois de outras considerações o escritor frisou:
"Sim. Creio muito na humanidade - creio nos homens - mas com
uma crença um tanto relativa. Nesse sentido, aliás,
escrevi "La Peste" que penso não ser uma expressão
desalentada sobre o futuro".
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O
elogio de um poeta |
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Passou Camus a falar sobre arte e os artistas da atualidade. Referiu-se
a varios nomes, alguns quase desconhecidos no Brasil. Citou, com
grande entusiasmo e ternura, a obra de um poeta francês -
"um homem rude dos campos - dizendo que a sua poesia surrealista
é de tal forma grandiosa que se coloca, a seu ver, entre
os maiores nomes da arte poetica de todos os tempos. Este poeta
é René Charles.
Insistimos com ele para que citasse outros nomes de sua preferencia
nos domínios da arte. Disse-nos, então, o autor da
"Malentendu":
"Os maiores artistas são aqueles de quem não
se fala - os obscuros, os que realmente vivem para sua propria arte".
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Paris
e Rio |
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Passando a falar sobre o Rio, Camus revela-nos logo estar profundamente
tocado, na sua sensibilidade, pela colorida beleza de nossa natureza
tropical.
"Talvez porque tambem tenha nascido nos tropicos - informa
ele - na Africa Francesa - misteriosa e profunda". Um sentimento
telurico parece identificar-me com o Brasil! Gostaria de compreender
a gente brasileira mais na intimidade, penetrar na alma do povo,
sentir as suas aspirações e passear pela grande geografia
do país. Manifestou, então, curiosidade pelo Amazonas,
dizendo que gostaria de "beber na agua da fonte e conhecer
o povo em sua expressão de pureza essencial".
E depois num feliz paralelo, expressou o seu pensamento sobre as
duas capitais frisando:
- "Paris é uma composição artistica e
o Rio, uma creação da natureza. É a mesma diferença
que existe entre um manequim encantador e uma camponesa plena de
graça natural. Pessoalmente - diz ele - sempre me senti encantado
pelas jovens do campo."
A palestra tomou o rumo do Teatro e após interessantes comentarios
sobre o teatro moderno, Albert Camus considerou:
- "Deve haver uma função social no teatro. Grande
parece ser sua influencia sobre a mentalidade do povo pois os governos
às vezes chegam ao ponto de interditar peças".
"Quanto ao cinema, ele poderia ser um maravilhoso instrumento
de educação. No entanto tornou-se um empresa que vem
embrutecendo a inteligencia internacional. Deve-se isso ao fato
de antes de fazer arte, os produtores e exibidores se preocupam
exclusivamente em ganhar dinheiro. O conceito de moral que se pode
extrair dessa opinião é que a arte não pode
subsistir onde predomina exclusivamente o interesse monetario."
Camus é esportivo o jovial. Parece ter adotado com harmonia,
para si mesmo, o velho proverbio latino - Mens sana in corpore sano.
Falamos-lhe de esportes. E foi com grande satisfação
que ouvimos o filosofo dizer:
"Os intelectuais têm grande necessidade de praticar esportes
e os esportistas não perderão nada em se ocupando
das cousas da inteligencia. Todos, assim, estarão contentes".
Informou-nos tambem que é entusiasta do futebol e da natação.
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