São Paulo, sexta-feira, 16 de dezembro de 1949
Neste texto foi mantida a grafia original

DEBATES SOBRE A MULHER
 
O TIPO IDEAL DO COMPANHEIRO PARA A MULHER DE HOJE
 

Sucedem-se, às terças-feiras, junto ao microfone da Excelsior, os debates versando temas de interesse feminino. Esta semana continuaram os depoimentos sobre o tipo ideal do companheiro para a mulher de hoje. Chamamos a depor três moças solteiras - duas estudantes e outra assistente na Faculdade de Filosofia.

Em primeiro lugar, faltou Rosalia Simonian, jovem romancista, que publicou não faz um mês seu livro de estréia: "O Outro Homem", que ainda na lista dos "best sellers". A moça escritora expandiu assim, as sua idéias:

- "Todos nós sabemos que, atualmente, os motivos que conduzem a mulher ao trabalho fora do lar não são os mesmos de outros tempos. Alguns anos atrás, ainda, as poucas, mulheres que se dedicavam a outro trabalho que não fosse o do lar geralmente o faziam para suprir suas necessidades pessoais, "para os alfinetes", como se costumava dizer. Atualmente, as mulheres que trabalham, em numero infinitivamente maior, assim procedem por estarem arcando com responsabilidade tão grandes quanto às dos homens. A mulher compreendeu que a civilização não poderá atingir seu verdadeiro florescimento enquanto ela não se colocar ao lado do homem para a luta na conquista dos elementos indispensaveis à vida. A evolução que a mulher atingindo se acha no seu momento historico. Todavia, muito terá de lutar ainda para criar condições que lhe permitam conciliar a maternidade com o trabalho fora do lar. Obstaculos de toda ordem atingem as mulheres trabalhadoras de todas as classes sociais. Tomemos como exemplo o numero reduzido de creches e parques infantis. Por outro lado, a escassez de ocupação de meio dia. Enquanto não houver condições de completo amparo à infancia, a mãe não poderá deixar seu filho aos cuidados de terceiros, a não ser durante algumas horas por dia. Concordemos que a posição da mulher é de transição e, como tal, dificil. Alguém deverá auxiliá-la; este não será outro sendo seu companheiro. Portanto, o tipo ideal de companheiro para a mulher atual é aquele que superou preconceitos e supostos direitos caducos; é aquele que não cria obstaculos de ordem particular quando os de ordem social sobejam; é aquele que, como verdadeiro companheiro, dá-lhe sua ajuda no sentido de integrá-la na sua devida posição, que é a de marchar ombro a ombro com ele, na direção de uma vida melhor, da qual ele proprio usufruirá."

Celina Cristiano de Sousa, assistente da Faculdade de Filosofia, foi a segunda a ocupar o microfone. Passemos-lhe pois, a palavra:

- "Não podemos ao falar em mulher de hoje, nos restringir a uma mulher determinada, de uma classe social definida. E' necessaria uma generalização desde as menos favorecidas às mais elevadas camadas da sociedade. Desta maneira, seria mesmo um absurdo procurar estabelecer um ideal masculino que satisfizesse a todas as mulheres. Pois há tantos ideais quantas são as mulheres que existem. Mesmo dentro de uma classe social há divergencias e profundas. Creio que é tudo uma questão de mentalidade; a mulher procura hoje, como ontem, e como amanhã certamente procurará, um companheiro que tenha uma mentalidade de acordo com a sua para que ele possa compreendê-lo e respeitá-lo. Todos os outros pormenores que compõem a personalidade do homem são acessorias e ela os tolerará conforme se ajustem mais ou menos ao seu ideal..."

Nesse ponto. Hilda Hilst, a terceira depoente, não esperou pela hora dos debates e entrou com sua palavra, discordando. Em sua opinião, se os tipos femininos diferem muito, existem certas caracteristicas feminis que não diferem, que são de todas as epocas, norteando mulheres de todos os tempos. Uma dessas características, decide a moça poetisa e aluna de nossa Faculdade de Direito , é a que faz com que a mulher necessite de um homem mais forte que ela e que a domine psicologicamente. Julga que, sentimentalmente, emancipação feminina é coisa bonita apenas no terreno teorico. Nem Rosalia Simonian, nem Celina Cristiano de Sousa estão de acordo. Ambas protestam veementemente. Celina prossegue na exposição de suas idéias:

- "De um modo geral, a mulher tem o homem que quer ter, isto é, procura inconscientemente um tipo adaptado à sua maneira de pensar, agir e sentir. A mulher independente, acostumada a trabalhar e a decidir sozinha seus proprios problemas, dificilmente suportará a existencia ao lado de um marido autoritario, ciumento, "mandão", como se diz. Ela pode amá-lo, mas nunca verá nele o companheiro ideal de sua vida."

Temos nova interrupção de Hilda Hilst, nesse momento. Decididamente, a idéia da poetisa faz com que a suponhamos bastante mazoquista, tal aquela senhora da anedota que, apanhando uma surra do marido e sendo defendida por um vizinho, voltou-se contra este, admoestando-o de que o esposo "batia no que era dele" ... Reafirma Hilda sua opinião de que a mulher gosta do homem de pulso forte, seja ela emancipada ou não e que para a harmonia conjugal é imprescindivel que ela o admire e o considere superior a ela sob os mais diversos aspectos. Entretanto, Celina Cristiano de Sousa retoma a palavra:

- "Todo individuo é essencialmente criatura do momento. A mulher não foge a essa regra. Num momento de romantismo ela quer um companheiro terno, meigo, que saiba falar a linguagem dos namorados. Mas quando há visitas de cerimonia e a torneira da cozinha está estragada, ela quer um homem que saiba consertá-la e não alguem que lhe diga que seus olhos são duas estrelas num céu escuro. O ideal não tem nada a ver com o amor. Pode uma mulher amar um homem que não represente apenas remotamente o seu ideal. Mas certamente será muito mais feliz se encontrar no companheiro mentalidade adaptada à sua, e que ela possa, antes de tudo, admirar e respeitar e que tambem a respeite e admire e a trate com dignidade e amor."

Cabendo, por ultimo, a palavra a Hilda Hilst, ela reafirma os conceitos expendidos quanto à sujeição da mulher ao homem para perfeito equilibrio social. Quanto à referencia ao casamento, ela encara a vida conjugal um pouco como Albert Camus pensa que se deva desenrolar as relações entre os povos: através do dialogo. E a fim de que o dialogo entre conjuges seja deleitavel, a moça Hilda pede antes de mais nada que o esposo possua qualidades humoristicas. Marido e mulher encontrarão muitos percalços existentes afora, de modo que uma das qualidades essenciais do companheiro, será a de ter a par do "braço forte", animo esportivo, cara alegre, saude mental.

Terça-feira proxima, as 21 horas, Debates Sobre a Mulher cuidará do tema "A Mulher e a carreira teatral", tendo sido convidadas para essa ocasião as artistas Maria Della Costa, Madalena Nicoll e Lucilia Simões. Ouçam, pois amigas leitoras a Radio Excelsior, terça-feira, às 21 horas.

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