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COMO
OS HOLLANDEZES ESTÃO ARRANCANDO UMA PROVINCIA AO MAR
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Annunciam os hollandezes, com essa tranquillidade fleugmatica
que é tão caracteristica do seu temperamento nórdico, que entraram
numa nova etapa dessa obra extraordinaria que se propuzeram levar
a cabo e que consiste em reconquistar uma antiga provincia coberta
pelo mar. Trabalho titanico que, dentro de um quarto de seculo,
permittirá á Holanda collocar uma população de 500.000 almas sobre
um territorio que, até ha pouco tempo, era apenas um braço de mar
sulcado pelas lanchas dos pescadores da Frisia e de Gueldres.
Um jornalista que, ha pouco, visitou essas obras, publicou as suas
impressões num jornal europeu, e das quaes vamos reproduzir alguns
trechos interessantes:
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Uma
luta sem treguas
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Lembro-me que, ha alguns annos, pouco tempo depois de se iniciarem
os trabalhos de Zuiderzee, fui ate o norte de Amsterdam - a cidade
das trezentas pontes - onde se lançavam no mar os primeiros blócos
de pedra daquella gigantesca muralha que deveria arrebatar ao mar
do Norte uma parte do seu dominio.
A impressão que produz aquella terra humida, pantanosa, sem horizontes,
que constantemente se confunde com o mar, é estranha e inquietante.
Percebe-se, ao contemplar esse sólo incerto, sem ondulações, coberto
de uma herva rala, que só a vontade inquebrantavel do homem impediu
que toda essa parte da Europa desapparecesse sob o oceano. Innumeras
vezes, o mar tem se vingado dessa resistencia brutal, avançando
furiosamente sobre esse paiz extremamente plano e inundando aldeias.
Apesar, contudo, de tão ingratas condições, os hollandezes, habeis
e tenazes, têm conseguido cultivar um sólo quasi mediocre e dar
vida a uma agricultura muito prospera. Pouco a pouco, foram reconquistando
os terrenos perdidos, os "polders"; cercaram-n'os de diques, para
defendel-os contra novos ataques; abriram profundos fossos e uma
vasta rede de canaes, de sorte que se consideram agora, com visos
de razão, sufficientemente protegidos contra novos ataques do seu
eterno inimigo, o sombrio e frenetico mar do Norte. Chegados a esse
ponto, porém, os hollandezes - que a luta constante exasperou -
decidiram não parar nas obras de defesa. Foram além: resolvidos
a uma offensiva, tratam de arrancar ao mar uma grande extensão de
terra.
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Um
pouco de história
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O espaço occupado actualmente pelo inmenso golfo de Zuiderzee, foi,
em outros tempos, uma grande área de terra firme, banhada por um
lago, o Flevo.
Em 1282, o mar, num acesso de inaudito furor, avançou sobre as terras
e chegou até esse lago, cujas aguas, desde então, se confundiram
com as daquelle. Mais de 300.000 hectares de terra ficaram perdidos
para sempre. Foi o que se suppoz então. Pois quem teria audacia
bastante para reconquistar essas terras?
Não era essa a primeira catastrophe produzida pelo mar naquellas
terras infelizes, nem tão pouco havia de ser a ultima. Mas os hollandezes
daquelles tempos resignavam-se facilmente.
Aconteceu, porém, que, no seculo XVI, com os progressos da sciencia,
surgiu na Hollanda uma iniciativa patriotica: a de constituir um
Corpo de Engenheiros do mar, o "Waterstaat" ao qual se confiou a
defesa e vigilancia das provincias expostas ao furor das aguas.
Isso succedeu logo após outra terrivel catastrophe maritima que
tinha provocado, em plena terra, e sem se saber como, a apparição
de uma especie de mar interior o lago de Haarlen. Já no seculo anterior,
outro lago salgado, o Biesboch, tambem apparecera após uma tremenda
inundação que arrazou setenta e duas aldeias causando a morte de
100 mil pessoas!
O "waterstaat" deu inicio, immediatamente, aos seus trabalhos, construindo
diques monumentaes - trabalhos defensivos de uma concepção audaciosa
para a época. Tratava-se, primeiro, de oppôr uma resistencia ás
invasões do mar; em seguida, reconquistar deste, os terrenos perdidos,
coisa que não era muito facil com os meios technicos muito primitivos
de então.
A costa hollandeza e as ilhas vizinhas puderam resisitir aos constantes
ataques do mar, graças áqueles grandes trabalhos. Mas era preciso
esperar até o seculo XIX para vêr completada essa obra heroica,
pela conquista methodica das terras invadidas pelo mar.
Em 1852, os engenheiros hollandezes tinham o orgulho de devolver
á sua patria os 18.000 hectares do lago da Haarlem, essa especie
de mar interior, lembrança da terrivel inundação do seculo XVI.
Até os principios do seculo XX, os hollandezes tinham conseguido
rehaver cerca de 100.000 hectares do seu sólo, outróra arrebatados
pelo mar. Então, foi o momento de pensar na obra magna: a reconquista
do Zulderzee, perdido em 1282.
O ministro das Obras Publicas, engenheiro dr. Lely, foi quem organizou
o plano de seccagem do inmenso golfo, plano que foi approvado pelo
Parlamento em 1918.
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Uma
obra Titanica
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Em poucas palavras pode-se expôr este plano, cuja realização exige,
pelo menos, 25 annos de trabalhos constantes: entre o Zuiderzee
e o mar, eleva-se um dique bastante forte para resistir aos mais
furiosos embates do mar e, no interior desse dique, procede-se a
emersão do terreno, graças aos mais modernos processos technicos.
Diante de Zuiderzee há uma ilha, a ilha Wieringen, situada a curtissima
distancia da costa da Hollanda septentrional, que é a provincia
que se acha ao oeste de Zuiderzee. Fez-se primeiramente um dique,
que vae da terra firme até essa ilha; um dique com a altura de 7
ms. 60 sobre o nivel das aguas isto é, uma altura sufficiente para
que nenhuma onda, por mais terrivel que seja, jamais possa cobrill-a.
O dique, que tem cerca de 100 metros de largura em sua base, é quasi
uma authentica lingua de terra que avança pelo mar; é feito de uma
base de area coberta de argilla do mar, extrahida do proprio Zuiderzee,
mistura solidissima que foi revestida, depois de uma espessa muralha
de pedras.
Entre a costa da Hollanda septentrional e a ilha de Wieringen, ha
uma distancia de 2.500 metros apenas. A distancia do outro lado
é infinitamente superior; com effeito, desde a ilha de Wieringen,
ou melhor, desde da que outróra foi a ilha de Wieringen, hoje unida
ao continente, até a provincia de Frizia, que limita o Zuiderzee
a leste, contam-se 30 kilometros. O dique actualmente em construcção
será provalvelmente o maior do mundo.
Essa obra, irrealizavel á primeira vista, pôde ser levada a cabo
graças á pequena profundidade das aguas na entrada do Zuiderzee
(3 ms 50), e graças tambem á vontade ferrea dos homens empenhados
na sua realização.
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O
custo das obras
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Até agora, foram invertidos cerca de 100.000.000 de florins (cerca
de 780.000 contos) nas obras do Zuiderzee, e impossivel é calcular
o que vão custar até a sua conclusão.
Mas os hollandezes não se preocupam, com razão, com esse sacrificio,
por maior que saja: têm em vista, apenas, a formosa realização
do que sempre pareceu para elles o mais irrealizavel dos sonhos.
Quando o Zuiderzee estiver convertido num lago, proceder-se-á
á emersão dos diversos "polders" occultos até agora sob a superficie
liquida e serão entregues paulatinamente, á agricultura. Quanto
á agua, attrahida por bombas aspirantes de grande potencia e conduzida
ao mar por um systema de canaes perfeitamente distribuidos, desapparecerá
para sempre.
Os hollandezes, sentindo-se bastante fortes para não temer nenhuma
nova investida do bellicoso mar do Norte, restituirão á paizagem
sua antiga physionomia, isto é, por traz do poderoso dique, respaldado
pelos terrenos reconquistados, devolverão á existencia o famoso
lago Flevo que foi cumplice do furor marinho na catastrophe de
1282. Apenas, este lago não terá o antigo nome, pois se chamará
Yesselmeer, devido ao rio que desembocava em suas aguas.
Este lago interior cobrirá uma terça parte do antigo golfo; quanto
ás duas terças partes restantes, serão terras para a lavoura.
O que representa um conjunto não inferior a 250.000 hectares de
bôa terra. Á vista desses algarismos imponentes, compreende-se
que, por muito que custe o plano do dr. Lely, não pódem caber
duvidas, nem vacillações.
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Um
"por'lder" formidavel
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Enquanto se proseguem os trabalhos de construção do gigantesco dique
marinho, os engenheiros hollandezes não quiseram que as terras conquistadas
ao mar por seu esforço, fiquem improductivas um só dia.
O leitor deve lembar-se de que se contruiu um primeiro dique entre
a terra firme e a ilha de Wieringen; pois bem, ao abrigo desse dique,
foi posta a secco, por completo, uma área de 22.000 hectares, definittivamente
arrancada ao mar.
Nesses 22.000 hectares vivem já numerosas familias. Tenho diante
dos olhos uma estatistica, na qual se revela que, no fim do anno
de 1932, havia mais de 500 camponezes installados nas terras onde,
dois annos antes, havia apenas mar.
As chuvas contribuiram para o desapparecimento do sal que cobria
os campos outróra cobertos pelo mar. A fertilidade do sólo é extraordinária;
mas é preciso lutar, continuamente, contra as hervas damninhas que
crescem com inaudita rapidez nas terras semeadas hoje de cereaes.
A experiencia, de todos os modos, tem dado resultados magnificos,
animando seus autores a proseguir na obra empreendida. Sobre esse
"polder" de 22.000 hectares circulam 90 kilometros de canaes tracados
a cordel; ha já 250 klilometros de estradas e varios povoados em
embryão. Estas foram construidas á margem da mesma estrada, de quatro
em quatro kilometros e, á medida que vão surgindo, são dotadas de
beneficios materiais e espirituais que poderiam exigir as provoações
mais exigentes: serviços de aguas, faz e eletricidade, agencias
do Correio, igrejas, cartorios de paz, etc.
Assim, silenciosamente, um pequeno paiz da Europa está realizando
uma obra de Titan, que ficará, aos olhos das gerações vindouras,
como uma das realizações mais surpreendentes da energia humana nesta
primeira phase do seculo XX que começou sob o signo de destruição".
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Publicado
na Folha da Manhã |
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Data
de publicação |
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06.mai.1934 |
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