Neste texto foi mantida a grafia original
 
UMA IMPORTANTE ENTREVISTA COM TROTSKY
A acção do Japão na China - Vantagens e desvantagens - A verdadeira guerra virá - "Não é possivel que o Japão consiga transformar a China em nova India" - Na Coréa o Japão tem a sua Irlanda - O bolchevismo succumbirá nas esteppes da Siberia? - Numa luta com o Japão a Russia não estará sozinha - Acompanhal-a-á a China - A chave do mundo não está, porém, em Mukden: está em Berlim
 
ISTAMBUL, março - A United Press teve a opportunidade de entrevistar Trotsky na cabine da barca em que elle viajava de Prinkipo a Istambul, aonde vae periodicamente consultar o seu medico. Trotsky não dá de todo a impressão de invalido. O seu rosto oval e pontudo, com os bigodes e barbicha ligeiramente grisalhos, mostra boa apparencia, clara e corada, com a mesma vivacidade dos olhos azues, que brilham atraz dos oculos de aros de tartaruga. Trotsky, falando ora em inglez ora em francez, deu as suas impressões sobre a situação do Extremo Oriente:
"A acção do Japão na China está se desenvolvendo segundo o andamento de uma espiral, que se vae alargando de mez a mez. O systema apresenta vantagens politicas e diplomaticas; arrasta paulatinamente á guerra, primeiro o seu proprio povo e depois o inimigo, collocando o resto do mundo em face de uma successão de factos consummados. Isso prova que a classe militar se vê presentemente obrigada a vencer obstaculos não só externos, como internos. Do ponto de vista militar, essa acção, para os pequenos resultados, é em si mesma uma desvantagem; mas, á vista da fraqueza da China e das insoluveis contradicções que reinam no campo inimigo, entendem os japonezes que se podem permitir uma perda de tempo com essa acção em espiral".
Na opinião de Trotsky, a segunda phase, a phase de verdadeira guerra, virá. E qual é nella o objectivo politico do Japão? Ninguem acredita que se trate de simples medidas policiaes. O objectivo japonez é colonizar a China, plano grandioso realmente, mas que não está dentro das forças do Japão. O momento não é mais para isso. Quando a Grã-Bretanha se está preparando para perder a India, não é crivel que o Japão consiga transformar a China em uma nova India. É possivel que o Japão vise tambem desferir um golpe contra a União dos Soviets Russos, ponderou Trotsky. Mas não seria um plano de primeira ordem. O Japão não poderia empreender uma aggressão contra os Soviets sem primeiro garantir a sua posição na China e na Mandchuria.
Ora, a acção em que o Japão se empenhou na China é uma empresa gigantesca, que terá consequencias encalculaveis. Terá successos parciaes, militares e diplomaticos, mas serão transitorios, ao passo que as difficuldades serão permanentes e sempre crescentes.
Na Coréa o Japão tem a sua Irlanda. Na China está tentando criar a sua India. Só os generaes inteiramente estupidos, do typo feudal, podem encarar com desdem o movimento nacional chinez. Uma immensa nação de 450.000.000 de habitantes, cuja consciencia começa a despertar, não póde ser guardada por aeroplanos".
"Do lado dos Soviets - accrescentou Trotsky - não se póde pensar em provocar tal guerra, que importaria num golpe tremendo no "Plano Economico", em que esta empenhado todo o futuro da Russia. Ha, actualmente, na Russia, centenas de milhares de fabricas em construção. A guerra viria transformal-as em capital morto.
Certos jornaes francezes, os mais reaccionarios de toda a imprensa mundial, disse Trotsky, vaticinam que o bolchevismo succumbirá mas estepes da Siberia. As estepes e as florestas da Siberia são bastante vastas para engulir muita coisa... (e aqui Trotsky sorriu maliciosamente), mas será assim tão certo que será o bolchevismo que irá succumbir ali? Num caso de guerra com o Japão os Soviets não lutarão sós. A China está prompta para combater pela sua existencia. Não falta nella o material humano, e os technicos militares russos conhecem a fundo o methodo de improvisar tropas aguerridas com um material humano excitado e consciente dos seus direitos. Não tendo duvida de que no prazo de 12 a 18 mezes seria possivel mobilizar, equipar, armar e exercitar o primeiro milhão de combatentes, e o segundo estaria igualmente prompto, dentro de mais seis mezes".
"Para só falar na China. Mas ha ainda as colossaes reservas do exercito vermelho. Não (sorriu novamente Trotsky), o jornaes francezes estão com muita pressa de enterrar os Soviets nos estepes da Siberia; o odio cego é mau conselheiro, particularmente quando se trata de predicção historica.
"Além disso, - concluiui Trotsky, - o mundo não consiste só no Extremo Oriente. A chave da situação mundial não está em Mukden, mas em Berlim. O advento de Hitler ao poder representaria para os Soviets um perigo infinitamente mais directo do que as manobras da oligarchia militar de Tokio."
A barca já encostava na ponte de Galata. A multidão desembarcava. Depois de esperar que ella se escoasse, o ex-commissario da Guerra dos Soviets enterrou na cabeça o chapéo de feltro e perdeu-se na turba, acompanhado de seus secretarios a caminho de Pera.
 
Publicado na Folha da Noite
Data de publicação  05.abr.1932
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