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São
Paulo, segunda-feira, 5 de julho de 1948
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Neste
texto foi mantida a grafia original
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"FECHOU OS OLHOS AQUELE QUE
NOS ABRIU OS OLHOS"
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Afirma
Guilherme de Almeida sobre o desaparecimento do grande escritor
- Recebeu em vida, e agora, na morte, a consagração
popular - Depoimento de Menotti del Picchia e Edgar Cavalheiro
- Decretado luto oficial
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O
dia de ontem não foi o domingo alegre que os paulistas costumavam
ter. A morte de Monteiro Lobato surpreendeu São Paulo, levou
o pesar a quase todos os espiritos e veio roubar à literatura
brasileira uma de suas figuras mais vivas e populares. Independente,
simples, bem humorado, corajoso, critico, o criador de Emilia surgiu
para as letras de uma hora para outra (é esse, aliás,
o seu feitio), graças apenas a um artigo de jornal, e, desde
logo, conquistou o mundo leitor, fazendo com que suas obras fossem
procuradas por multidões nas livrarias e lidas de um só
folego.
Depois de conquistar os grandes, com uma pleiade de contos que ninguem
lê uma só vez, Monteiro Lobato atraiu a criançada
com uma serie de historias educativas: seus livros não tardaram
a transpor as fronteiras do país, não se sabendo hoje,
com certeza, se as tiragens em lingua espanhola superaram já
as nossas...
Monteiro Lobato morreu. Ele se dizia preparado para a morte. De
Buenos Aires, certa vez, afirmou, sempre brincalhão, que
estava ansioso por saber se a morte era virgula, ponto e virgula
ou ponto final... Estamos certos, entretanto, de que foi uma perda
irreparavel para as letras brasileiras. Como ele é querido
e popular, di-lo agora, mais do que antes, a visitação
publica ao seu corpo. Na Biblioteca Municipal registra-se um suceder
incessante de admiradores seus gente de todos os tamanhos e de todas
as idades, crianças puxadas pela mão e velhos apoiados
em bengalas, todos desejosos de vê-lo pela ultima vez. E ao
dar com o povo enfileirado, entrando e saindo da Biblioteca, é
que se observa como Monteiro Lobato está vivo, vivo nos corações
das crianças, vivo na admiração dos grandes
e, vivo mais do que nunca, nas paginas de seus livros...
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Um
dos nossos maiores patriotas combatentes |
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Sobre
a morte de Monteiro Lobato, o escritor Menotti del Picchia disse
às "Folhas" as seguintes palavras:
- "É a maior expressão literaria de São
Paulo atual que desaparece. A ausencia de Lobato é uma perda
imensa para a cultura brasileira, uma vez que ele não se
limitava a ser apenas um criador de personagens imaginarios, mas
um homem que procurava a verdadeira realidade do Brasil, combatendo
por ela com uma bravura que o recomenda como um dos nossos maiores
patriotas combatentes. Três pontos pinaculares marcam a carreira
do criador de "Urupês": a redenção
do homem brasileiro, a autonomia economica do país e o amparo
espiritual à infancia. Basta isso - concluiu - para se ter
uma medida da grandeza do paulista que o Brasil perdeu..."
Guilherme de Almeida assim se expressou:
- "O desaparecimento de Monteiro Lobato deixa-nos desarvorados.
Não só nas letras como na vida nacional, Lobato era
a nossa sentinela atenta. Foi ele que sempre nos alertou, adultos
ou crianças: - àqueles, ensinando a realidade: a estas,
ensinando o sonho. Fechou os olhos aquele que nos abriu os olhos.
O que nos resta? Essa grande lagrima que todos, todos estão
chorando..."
Edgard Cavalheiro, outro amigo de Monteiro Lobato - todos eram seus
amigos - assim se referiu sobre o seu passamento:
- "Monteiro Lobato foi, a meu ver, não só um
dos maiores escritores do Brasil, mas principalmente um dos maiores
brasileiros de todos os tempos. Era um homem publico na mais ampla
acepção do vocabulo. Sua ação transcendeu
sempre o simples campo literario. Deu ao escritor uma grande dignidade,
levando-o a liderar grandes e nobres campanhas. Lobato abriu os
caminhos para a penetração do livro brasileiro no
"hinterland". Lobato agitou o problema do ferro. Lobato
levantou a grave questão do petroleo provando - contra a
opinião da propria Comissão Nacional do Petroleo -
que tinhamos petróleo e poderiamos explorá-lo.
"Do escritor, o que dizer? É um dos nossos maiores contistas;
e indiscutivelmente o maior escritor de livros infantis, não
só do Brasil, mas talvez do mundo. Há escritores autores
de grandes livros: Collodi, com o "Pinochio"; Carol, com
"Alice no País das Maravilhas", etc, etc. Mas Lobato
- arrematou Edgard Cavalheiro - é mais do que o autor de
um grande livro infantil: é autor de toda uma saga, todo
um rocambole que faz às delicias dos meninos de 8 aos 80
anos."
Em data de ontem, sob o numero 18.179, o sr. Ademar de Barros, governador
do Estado, assinou o seguinte decreto, instituindo luto oficial
pela morte de Monteiro Lobato:
"Considerando que o falecimento de Monteiro Lobato representa
uma grande perda para a inteligencia e a cultura brasileiras;
"Considerando o excepcional valor humano, social e estilistico
de sua obra de escritor que o tornou um nome de repercussão
não só nacional, como sul-americana;
"Considerando ainda o seu exemplo de coragem civica, o seu
amor aos problemas do país e a sua criação
no dominio da literatura infantil, em que foi mestre, de modo a
influir beneficamente na formação de uma nova mentalidade
entre as crianças, por ele despertadas para o amor às
coisas de nossa gente e de nossa terra:
"DECRETA:
"Artigo unico - Fica instituido luto oficial por 24 horas,
nas repartições publicas e estabelecimentos escolares,
em homenagem à memoria de Monteiro Lobato, o grande escritor
brasileiro, hoje falecido nesta capital." |
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