São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 1967
Neste texto foi mantida a grafia original

NELSON: DOIS DEDOS NO CAVAQUINHO E NO VIOLÃO

RIO, 20 (FOLHA) - Nelson Antonio da Silva - O Nelson Cavaquinho - prestou há dias depoimento no Museu da Imagem e do Som. O compositor de "Luz Negra" e "Flor e Espinhos", mangueirense apaixonado, devoto de Santa Rita e vascaino arrependido, declarou que sua maior paixão é compor um samba e ajudar ao proximo.
Apontou como bons valores da nova geração de compositores. Pelado, Pandeirinho (ambos de Mangueira), Chico Buarque de Holanda e Baden Powel. Dos novos interpretes prefere Nara Leão e Maria Betania, alem de Elizete Cardoso, "que sempre soube dizer bem as minhas musicas".

A família

Nelson Cavaquinho nasceu a 28 de outubro de 1910, na rua Mariz e Barros, filho de Brás Antonio da Silva e Maria Paula da Silva. Seu gosto pela musica nasceu cedo, pois seu pai era contramestre da Policia Militar e seu tio tocava violino. O primeiro instrumento foi um contrabaixo, herdado do pai, e com o qual saía no carnaval.

Nelson Cavaquinho casou duas vezes. Do primeiro matrimonio nasceram três filhos (o mais velho conta 34 anos de idade). Do segundo matrimonio teve um filho, Nelson Luiz, de 11 anos.

As musicas de Nelson Cavaquinho são tristes. A primeira composição sua gravada foi "Não Faço a Vontade Dela", defendida por Alcides Gerardi, em 1939, "quando ainda se ganhava muito pouco compondo samba". A verdade porem é que o disco não obteve sucesso.

A primeira profissão de Nelson Cavaquinho foi a de cavalariano da Policia Militar. Como policial, lembra-se de episodio bastante marcante. Certa vez saiu para uma ronda, juntamente com um colega, ambos a cavalo. Em dado momento, resolveu Nelson descer do cavalo para tomar um trago. Quando voltou, o cavalo havia fugido. Voltou apressado para o quartel, encontrando no portão um oficial superior, que pedia explicações e segurava o cavalo, que voltara sozinho para casa.

Mangueira

Em 1932, levado por Cartola e Carlos Cachaça, Nelson Cavaquinho foi para Mangueira. Nunca chegou a fazer parte da Ala dos Compositores. De qualquer maneira, sempre frequentou Mangueira, chegando mesmo a vencer um concurso para samba-enredo, em 1935. O samba foi cantado pela escola na avenida.

Cartola e Carlos Cachaça foram os dois compositores que mais influenciaram a carreira de Nelson Cavaquinho. Na epoca, tocava o cavaquinho que lhe deu o apelido; "se não pegasse, eu ia ficar conhecido como Nelson Cavalaria, apelido dado na Policia Militar." Nelson toca cavaquinho e violão, com apenas dois dedos, o polegar e o indicador direitos, e sua batida, baseada no som das cordas baixas, ficou famosa com o nome de "galope".

Nelson Cavaquinho, sempre teve grande paixão por Mangueira. Uma prova disto são as numerosas composições que mencionam a escola. É o caso de "Rio, Não És Mais Criança", que diz em certo trecho "vou para Mangueira/com o meu violão/eu vou embora." E o caso tambem de "Sempre Mangueira", que recebeu este ano menção honrosa, no concurso do Conselho Superior de Musica Popular, e que diz "nossos barracos são castelos em nossa imaginação", e tambem "sambista vive eternamente". Na musica "Em Mangueira" diz "mas o pranto em Mangueira é tão diferente/é um pranto sem lenço que alegra a gente/hei de ter um alguem para chorar por mim/através de um pandeiro e de um tamborim."

No morro de Mangueira, Nelson Cavaquinho costumava frequentar a birosca da Efigenia, onde conheceu muitos malandros, "mas nunca tive intimidade com eles, apesar de tratá-los bem".

Foi em Mangueira que Nelson viu pela primeira vez Noel Rosa.

As gravações

Na ordem das gravações, "Rugas", gravada em 1939 por Ciro Monteiro, foi seu primeiro sucesso. No mesmo ano Ciro gravaria duas outras suas composições: "Não te Dói a Consciencia" e "Apresenta-se Àquela Mulher".

Logo depois a cantora Dalva de Oliveira gravava "Palhaço" e fazia grande sucesso, enquanto Ruth Amaral defendia "Palavra Maldita", que tambem alcançava sucesso.

Em 1955, Elizete Cardoso gravava pela primeira vez uma composição de Nelson Cavaquinho, "Tudo o Que é Meu Pode Levar". Ainda em 1955 Roberto Silva defendia "Noticia".

Lapa

Nelson Cavaquinho frequentou muito a Lapa. Foi de um "sururu" surgido perto de um bar, onde Nelson tocava para uns amigos, e que culminou com a morte de um marginal, que surgiu o "A Morte de um Valente": "Quem diz, não mente/ na mão de fraco/sempre morre um valente".

Hoje Nelson Cavaquinho prefere frequentar os bares da Zona Sul e alega que os da Lapa "estão muito cheios e tumultuados".

SBACEM e UCB

Um dos grandes problemas de Nelson Cavaquinho foi a parceria, porque o compositor filiado à SBACEM não pode ser parceiro de um filiado à UCB. Nelson, já teve mesmo de desistir de parcerias, ou de ser substituido por parentes para que a musica fosse gravada. Zé Keti foi seu parceiro em "Não Sou Feliz", mas como pertence à SBACEM e Nelson à UCB, a musica acabou saindo com o nome de seu filho.

Nelson reconhece que vendeu algumas musicas, "às vezes até por cinco mil réis". Muitas vezes dava parceria para quem as divulgava ou para amigos que estivessem necessitando.


Zé Keti

Nelson Cavaquinho conheceu Zé Keti como policial. Juntos compuseram oito musicas, das quais a que fez mais sucesso foi "Não Sou Mais Feliz". Zé Keti e Nelson Cavaquinho são compadres. Nelson é padrinho de uma filha de Zé Keti.

A proposito da controversia em torno da "Mascara Negra", disse Nelson Cavaquinho que conheceu os irmãos Pereira Mattos, "mas nunca ouvi nenhuma composição deles, eu os conheci apenas cantando musicais dos outros". Por outro lado, afirmou que Zé Keti é um grande compositor, "que já compôs sozinho na minha frente varias vezes".

Outras composições

As duas composições mais famosas de Nelson Cavaquinho são "Luz Negra" e "Flor e Espinho". Outras composições suas: "Depois da Vida", "Reverterio", "Cheiro de Vela", "Luto", "Realidade", etc.

A ultima composição de Nelson que fará parte de seu proximo LP, é "Eu e as Flores".
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