|
O nome é feio mas era assim que se dizia então. Por qualquer motivo,
e às vezes sem motivo, um parente afastado, um vizinho chegado ou
até mesmo um doutor vinham em nossa casa, olhavam-me penalizado,
e diziam, indefectiveis e sabios:
- Esse menino precisa de um infusorio.
Eu não tinha nada, mas bastava uma palidez qualquer, uma não-vontade
de não fazer nada - e atribuiam-me estranhos e maleficos males e
receitavam-me estranhos e maleficos infusorios. Eu então botava
os bofes para fora, ficava realmente doente - e os adultos parece
que ficavam aliviados ou satisfeitos: a droga tinha sido eficaz.
Sou daquele ignomioso tempo em que a eficacia dos remedios era medida
pela ruindade do gosto: quanto pior, melhor - não havia o "slogan",
que a epoca não era disso, mas todos assim pensavam e agiam. Sou
do tempo do oleo de ricino - droga filha-da-mãe que baixava a moral
de toda a infancia recalcitrante do bairro. Qualquer travessura
mais espalhafatosa e o corretivo era programado coletivamente: no
dia seguinte a rua ficava deserta. Mais tarde, soube que os fascistas
usavam do mesmo recurso para abater o moral dos seus inimigos. E
os pais daquele tempo não eram fascistas. Eram pais cristãos e piedosos.
Um dia surgiu a novidade: rosa-sena-maná. O nome pareceu-me bonito
e perguntei se a coisa era suportavel, Garantiram-me que sim, que
tinha um gosto de rosa e maná - e eu sabia o que era maná, tinha
gosto de presunto ou daquilo que a gente mais gostasse. Dormi embalado,
crente que se abria uma nova era em minha existencia. Rosa! Maná!
O entusiasmo durou o que duraram as rosas do Malherbe - com perdão
do meu mestre João Paraguaçu: o espaço de uma manhã. Passei a tarde
botando a alma pelas goelas, fiquei tão repugnado que senti nojo
do meu proprio corpo Maná!
Quando fui fazer a primeira comunhão, a catequista ensinou-nos a
canção:
Que doce maná
Que pão saboroso...
Ressabiado, fiz pessimo juizo das Santas Especies. E se a hostia
tivesse o gosto daquele purgante? Tive uma vertigem no dia da primeira
comunhão e a opinião do Senado, da Camara e do Povo Romano foi unanime:
era jejum, obrigaram-nos a ficar em jejum até tarde. Mas eu sabia
que não era o jejum.
Hoje, os tempos são outros. Minhas filhas temem que o mundo acabe
sob o impacto de uma bomba atomica, dessas que a televisão mostra
periodicamente. Esse medo eu nunca tive. Mas minhas filhas não sabem
o que é o Terror, o que é temer aquelas santas e domesticas poções
que me cobriam de suores frios e - como no meu caso - fizeram-me,
em noite de desespero, vender a alma ao demonio. Mas isso fica para
outro dia.
|
|