Roberto Price /Folha Imagem
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O
cantor, compositor e sambista Bezerra da Silva
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Bezerra da Silva
"Gravo
a realidade brasileira do povo faminto e marginalizado.
Cada um entende de um jeito. O
importante é vender. Artista bom é aquele que vende,
segundo o mercado. Veja a frase "tem coca aí na
geladeira", frase que todo mundo diz, mas como é o
Bezerra que canta, então sujou."
(Folha de S.Paulo, 08.out.2000)
Partideiro
número 1 dos morros cariocas, o pernambucano Bezerra da
Silva é hoje o porta-voz de cronistas que retratam uma
realidade quase sempre cruel.
José
Bezerra da Silva nasceu em Recife (PE), a 9 de março de
1938. Veio para o Rio de Janeiro aos 15 anos fugindo da
fome e apenas com a roupa do corpo. Fez a viagem num navio
que carregava açúcar.
Passou
então a trabalhar na construção civil como pintor de paredes
e tinha como endereço a obra no centro da cidade, onde
exercia sua profissão. Foi nessa época, lá pelos idos
de 1949, que enamorou-se de uma "dona" e foi morar com
ela no morro do Cantagalo (zona sul do Rio).
Iniciado
na música pelo coco de Jackson do Pandeiro, começou, em
1950, sua carreira como ritmista na Rádio Clube tocava
tamborim, surdo e instrumentos de percussão em geral.
Suas primeiras composições, "O Preguiçoso" e "Meu Veneno",
foram gravadas por Jackson. Seu primeiro disco um
compacto foi gravado, em 1969, pela Copacabana.
Bezerra da Silva estudou violão clássico por oito anos
e passou outros oito anos tocando na orquestra da TV Globo.
É um dos poucos partideiros que lê música.
Como
ele próprio explica, sua ligação com o mundo musical se
deu por causa do "medo da fome". Diz também que a única
saída que tinha era "lutar por dias melhores", pois "tinha
dias que trabalhava e não comia". Não se cansa de afirmar
que saiu do ramo da construção civil porque achava que
algum dia iria "virar uma escada, um tijolo, um saco de
cimento".
Cantor
e compositor de verve ácida, Bezerra da Silva atira contra
as injustiças sociais. Uma boa demonstração disso é a
faixa "Partideiro Sem Nó na Garganta" do disco "Presidente
Caô Caô", na qual canta:
"Dizem
que sou malandro, cantor de bandido e até revoltado
Porque
canto a realidade de um povo faminto e marginalizado",
ou
então a faixa "Vítima da Sociedade" de seu disco "Malandro
Rife", na qual afirma:
"Se
vocês estão a fim de prender o ladrão.
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho".
Suas
músicas são quase sempre de outros compositores ou então
de parcerias que ele cultiva há muitos anos. Seus parceiros
são poetas dos morros como 1000tinho, Barbeirinho
do Jacaré, Baianinho, Em Cima da Hora, Embratel do Pandeiro,
Trambique, Zé Dedão, Popular P., Pedro Butina, Simão PQD,
Wilsinho Saravá, Rubens da Mangueira, Pinga, Dunga da
Coroa, Jorge Laureano, Adelzo Nilto, Edson Show e uma
imensa lista de outros ilustres desconhecidos que Bezerra
faz questão de divulgar em seus discos.
Nas
letras dos sambas desses compositores se expressam os
conflitos sociais de uma população marginalizada. Tudo
através de uma ótica bem humorada, mas também áspera.
São letras com palavras afiadas, de gente que tem
uma visão sociológica amadora, porém lutadora e inconformada.
Antigamente,
Bezerra não gostava que o chamassem de pagodeiro. Dizia
que "quando a música é feita por pobre, analfabeto ou
crioulo, eles dizem que é pagode. Eu não aceito isso!".
Atualmente,
quando é questionado a respeito do novo pessoal do pagode,
afirma que "o Sol nasceu pra todos, todos os colegas são
bons. Cada um tratando de si. Eu acredito que o meio está
pra todo mundo. Graças a Deus, muitos colegas estão fazendo
sucesso. Um sambista carrega a bandeira do samba".
Perguntado
certa vez se achava que brancos não sabiam fazer samba
respondeu: "isso é uma mentira, uma discriminação boba.
Tudo depende da veia poética do sujeito. Você já imaginou
se Deus deixasse eu fazer eu do jeito que quero, com a
cuca que tenho? Eu seria verde, todo bonito. Ninguém ia
ser igual a mim. Eu seria um sucesso, o cabelo de ouro,
ia ser tudo comigo. Mas me fizeram um crioulo esquisito.
Essa história de que branco não faz samba é mentira. E
também tem crioulo que não faz samba. Artista nasce em
qualquer lugar".
Apesar
de ser um campeão de vendas seus mais de 25 discos
já venderam aproximadamente três milhões de cópias,
Bezerra da Silva é, ainda hoje, excluído das salas VIP
das emissoras de FM. Uma prova disso é que ele só tocou
no Canecão em 1996, depois de mais de 20 anos de uma carreira
de consecutivos sucessos.
Macumbeiro,
filho de Ogum e assíduo frequentador do terreiro do Pai
Nilo, em Belfort Roxo, Bezerra da Silva é o rosto de uma
parcela do povo brasileiro que a mídia insiste em esconder.
Já virou tese de doutorado e livro "Bezerra da
Silva: Produto do Morro", publicado pela Jorge Zahar editora,
mas permanece longe de programas televisivos que preferem
exibir os "novos fenômenos de vendagem" que desaparecem
tão rápido quanto surgem.
Renato
Roschel
do
Banco
de Dados