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Dettmar-11.out.78 /Folha Imagem
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O
compositor Cartola em sua casa em Jacarepaguá, no
Rio de Janeiro (RJ), durante a comemoração do seu
aniversário de setenta anos
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Cartola
"O
rapaz foi lá e disse: 'Cartola, vem cá. O Mário Reis tá
aí, queria comprar um samba teu'. 'O quê? Comprar samba?
Você tá maluco, rapaz? (...) Eu não vou vender coisa nenhuma.'
(...) Ele disse: 'Quanto é que você quer pelo samba?'.
Eu virei pro cara, no cantinho, disse assim: 'Vou pedir
50 mil réis'. 'O quê, rapaz? Pede 500.' (...) Com muito
medo, pedi 500 contos. 'Não, dou 300. Tá bom?' Eu disse
assim: 'Bom, me dá esses 300 mesmo'. Mas com muito medo
(...) Mas botou meu nome direitinho, legal (...). Ele
comprou, mas não deu para a voz dele. Então gravou Chico,
Francisco Alves."
(Folha de S. Paulo, 21.jun.2000)
Dono
de uma obra ímpar na música popular brasileira e tendo
sido gravado por gente de peso, ele teve que exercer outros
ofícios para sobreviver. Foi tipógrafo, contínuo do Ministério
da Indústria e Comércio, gráfico e pedreiro. O hábito
de usar chapéu para proteger a cabeça do cimento lhe rendeu
o apelido: Cartola.
Com
esse nome, Angenor de Oliveira se tornaria conhecido e
respeitado como um dos grandes da MPB. Seria o mestre
Cartola.
Nascido
a 11 de outubro de 1908, no bairro do Catete, no Rio de
Janeiro, Angenor foi o terceiro filho de Sebastião de
Oliveira e Aída Gomes de Oliveira.
Tomou
gosto pela música e pelo samba ainda moleque. Aprendeu
com o pai a tocar cavaquinho e violão.
Aos
8 anos, foi morar em Laranjeiras, zona sul carioca. Já
nessa época, saía nos desfiles do Dia de Reis e no rancho
do Arrepiado, um tipo de grupo carnavalesco posterior
ao bloco e anterior a escola de samba.
Com
11 anos, devido a problemas financeiros, sua família mudou-se
para o morro da Mangueira na época com cerca de
50 barracos. Com 15 anos, após a morte de sua mãe, Cartola
abandonou os estudos, tendo terminado apenas o primário.
Junto com seu amigo e principal parceiro de composições,
Carlos Cachaça, criou o bloco dos Arengueiros.
Em
28 de abril de 1928, fundou, ao lado de Saturnino Gonçalves,
Marcelino José Claudino, Francisco Ribeiro e Pedro Caymmi,
entre outros, o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira,
segunda escola de samba do Rio de Janeiro. Foi Cartola
quem compôs o primeiro samba da escola, "Chega de Demanda",
lançado em 1974, no disco "História das Escolas de Samba:
Mangueira".
Em
1931, o compositor se tornou conhecido fora do morro por
intermédio do cantor e compositor carioca Mário Reis,
quando este foi à Mangueira para comprar músicas e voltou
com os direitos de gravação do samba "Que Infeliz Sorte",
lançado em 1932, por Francisco Alves, que mais tarde se
tornaria um de seus maiores intérpretes.
Nos
anos 30, suas composições ganharam fama na interpretação
de gente como Carmem Miranda que gravou, em 1932, "Tenho
um Novo Amor", e Araci de Almeida com o samba "Não Quero
Mais", de 1937. Este último, feito em parceria com Carlos
Cachaça e Zé da Zilda, foi premiado no desfile da Mangueira
de 1936 e regravado por Paulinho da Viola, em 1973, com
o título de "Não Quero Mais Amar Ninguém". Seu maior sucesso
dessa fase, porém, foi o samba "Divina Dama", gravado
por Francisco Alves, e que, segundo o próprio Cartola,
foi composto numa Quarta-feira de Cinzas em homenagem
a uma mulher por quem ele tinha se apaixonado.
Em
1940, criou ao lado de Paulo da Portela o programa "A
Voz do Morro" na Rádio Cruzeiro do Sul, no qual apresentavam
composições ainda sem título para que o público pudesse
nomeá-las.
Também
com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres formou, em
1941, o Conjunto Carioca que apesar da vida curta chegou
a se apresentar em São Paulo, na Rádio Cosmos, durante
um mês. Com o samba "Vale do São Francisco", último criado
por ele para a Mangueira, a escola sagrou-se campeã em
1948.
Músicas
que falavam de amor sempre foram as preferidas do compositor,
"gosto de fazer samba de dor de cotovelo, falando de mulher,
de amor, de Deus, porque é isso que acho importante e
acaba se tornando uma coisa importante", declarou certa
vez.
Com
essa simplicidade Cartola agradava não só ao gosto popular
como também à elite cultural do Rio de Janeiro. Era admirado
por intelectuais, como o maestro Villa Lobos que, em 1942,
o apresentou a Leopoldo Stokowsky famoso maestro
norte-americano interessado em conhecer música popular
brasileira. Nesse
encontro foi gravada a música "Quem me vê Sorrindo", feita
em parceria com Carlos Cachaça. Mas a simplicidade não
implicava em composições fáceis. Músico que praticamente
aprendera a tocar de ouvido, Cartola não era óbvio em
suas criações. Letras que falavam de amor sem, no entanto,
ser vulgares ou melodramáticas e melodias que fugiam ao
lugar comum, rendiam elogios e admiração de sambistas
como Nelson Sargento, que declarou nunca ter se atrevido
a sugerir uma parceria com o amigo por considerá-lo "um
compositor finíssimo".
Cartola
teve inúmeros parceiros em suas composições. Gente como
Silvio Caldas, em "Na Floresta", e Noel Rosa, com quem
compôs "Não Faz Amor". Mas foi com seu compadre, Carlos
Cachaça, que Cartola dividiu o maior número de criações.
Da primeira parceria entre eles saiu o samba "Pudesse
Meu Ideal", de 1932.
Aos
38 anos, após a morte de sua primeira mulher, e acometido
de uma grave doença, provavelmente meningite, deixou o
morro por alguns anos e foi morar em Caxias. Chegou a
ser dado como morto e sumiu do cenário musical.
Em
1956, foi encontrado por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte
Preta, lavando carros em Ipanema. Graças a ele, Cartola
voltou a cantar, agora na Rádio Mayrink Veiga. A partir
daí, o compositor é redescoberto por uma nova safra de
intérpretes.
Em
1964, casou-se com Eusébia Silva do Nascimento, a Dona
Zica da Mangueira. No mesmo ano, eles abriram o restaurante
Zicartola, na Rua da Carioca, no centro do Rio.
O
local logo se tornaria ponto de encontro de sambistas
tradicionais e músicos da geração bossa nova como Paulinho
da Viola -apontado pelo próprio Cartola como seu sucessor.
Dessa
nova geração de músicos, Nara Leão foi uma das primeiras
a gravá-lo quando incluiu em seu primeiro LP a música
"O Sol Nascerá", composta por ele e Elton Medeiros. Mas
o primeiro registro da voz de Cartola só seria feito em
1966 com uma participação sua no disco de Elizeth Cardoso,
no qual canta a música "A Enluarada Elizeth". No disco
"Fala Mangueira" produzido em 1968 por Hermínio Belo de
Carvalho, Cartola volta a aparecer ao lado de Nelson Cavaquinho,
Carlos Cachaça, Clementina de Jesus e Odete Amaral.
Só
em 1974, aos 65 anos, o compositor gravaria, numa iniciativa
do pesquisador musical, produtor de discos e publicitário
Marcus Pereira, um disco inteiro com suas composições
sob o título "Cartola".
Em
1976, lança o seu segundo disco também com o titulo de
"Cartola". É nele que podemos encontrar uma de suas mais
famosas composições: "As Rosas não Falam".
Em
1977, sai "Cartola - Verde que te Quero Verde" e, encerrando
sua curta discografia, em 1979, chega às lojas seu LP
"Cartola - 70 Anos". "Acontece", seu primeiro show individual,
foi realizado em 1978. Antes, já tinha participado ao
lado de João Nogueira do projeto Pixinguinha. O sucesso
do espetáculo rendeu a eles uma turnê por São Paulo, Curitiba
e Porto Alegre. Neste mesmo ano, Cartola mudou-se para
Jacarepaguá (zona oeste do Rio), por considerar o bairro
mais tranquilo.
Um
ano depois, descobre que está com câncer. Cartola sabia
que sua doença era grave mas manteve segredo sobre ela
todo o tempo. Para todos dizia que tinha uma úlcera.
Uma
semana antes de sua morte, manifestou à sua família um
desejo: "quando for enterrado quero que Waldemiro toque
o bumbo". Mestre Cartola morreu em 30 de novembro de 1980.
Atendendo a seu pedido, no dia 1º de dezembro, data de
seu funeral, Waldemiro, ritmista da Mangueira, que havia
aprendido com ele a encourar seu instrumento, marcou o
ritmo para o coro de "As Rosas não Falam", cantada por
uma pequena multidão de sambistas, amigos, políticos e
intelectuais, presentes em sua despedida. Em seu caixão
a bandeira do Fluminense, time do seu coração.
Douglas
Cometti
do
Banco
de Dados