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Jackson do Pandeiro

Jackson do Pandeiro

 

"Eu tenho um balanço meio chatinho que serve para toda época. A turma se liga porque, a não ser samba-canção, pego de todo lado, de frevo à música de terreiro. Música que tem balanço, no Brasil, faço todas elas. E o coco é o pai do negócio"

José Gomes Filho, o Jackson do Pandeiro, nasceu em Alagoa Grande, na Paraíba, a 31 de agosto de 1919. Desde criança conviveu com a música, pois na fazenda da mãe todos tocavam algum instrumento ou cantavam coco, e ela mesma, que usava o nome artístico de Flora Mourão, era folclorista e cantora. Aos 7 anos, Jackson tocou zabumba pela primeira vez para acompanhar sua mãe nos cocos.

Sempre trabalhou na roça, mas, aos 13 anos, quando seu pai faleceu, Jackson mudou-se com a família para Campina Grande, na Paraíba. A mãe abandonou a carreira artística e ele teve que trabalhar em uma padaria. Nessa época, Jackson queria muito comprar um pandeiro, instrumento com o qual pretendia fazer carreira, mas seu salário era muito baixo para tamanha aquisição.

Aos 17 anos trocou o emprego pelas rodas de samba no Clube Ipiranga, em Campina Grande, quando substituiu o baterista do conjunto que animava os bailes. Acabou sendo efetivado como baterista e ritmista, atuando em diversas festas da cidade.

Transferiu-se em seguida para a capital, João Pessoa, onde conseguiu trabalho como músico em vários cabarés, até que foi contratado para o regional da rádio Tabajara. Apelidado desde criança de Jack, por ser tão magro quanto um ator de filmes de faroeste norte-americano chamado Jack Perry, acrescentou o nome Zé ao apelido, ficando conhecido como o Zé Jack, pseudônimo com qual se transferiu para o Recife. Lá foi contratado pela rádio Jornal do Comércio, que estava sendo inaugurada, e seu nome foi mudado para Jackson. Além de integrar os conjunto regionais da emissora também cantava músicas nordestinas e sucessos de carnaval.

Em 1953, gravou seu primeiro disco em parceria com Rosil Cavalcanti. Um 78 rpm com o coco Sebastiana, de Rosil Cavalcanti, e o rojão Forró no Limoeiro, de Edgar Ferreira.

Pouco tempo depois, lançou seu segundo disco, do qual se destacam as músicas Com a Mulher do Anibal, de Genival Macedo e Nestor Paula, e Um a Um, de Edgar Ferreira. Depois disso passou a fazer uma série de gravações. Na maioria cocos, como o tema folclórico Ponta de Pedra, que sua mãe cantava.

Nessa época, conheceu Almira Castilhos de Albuquerque, uma ex-professora e funcionária da rádio Jornal do Comércio que cantava mambos e dançava rumbas. Com ela formou a dupla Jackson do Pandeiro e Almira. Tamanho foi o sucesso que os dois foram convidados para fazer algumas apresentações no Rio de Janeiro. Jackson e Almira apresentaram-se na cidade e voltaram casados para o Nordeste. É dessa época a gravação de Xote de Copacabana.

Jackson e Almira não encontraram a mesma receptividade em Recife ao regressarem. Isso fez com que os dois decidissem mudar definitivamente para o Rio de Janeiro. Jackson então conseguiu um contrato com a rádio Tupi e em seguida na rádio Nacional. Posteriormente, apresentou-se em São Paulo nas rádio Record, Nacional e Bandeirantes.

Em 1967, desquitou-se de Almira e desfez a dupla. Foi então para a rádio Globo animar um programa de forró na companhia de Adelson Alves. Formou para o programa um conjunto de quatro músicos e sua segunda esposa, Neusa, nos vocais.

Depois desse programa Jackson foi esquecido pela mídia. Acabou tendo que viver no subúrbio do Rio de Janeiro junto de sua família. Só voltou à tona quando os músicos do movimento tropicalista, que eram seus fãs na juventude, regravaram seus grandes sucessos, colocando-o de novo na ordem do dia. Sebastiana ("Eu convidei a comadre Sebastiana pra dançar um xaxado lá na Paraíba") foi regravada na voz de Gal Costa. Gilberto Gil reviveu o êxito de O Canto da Ema e Chiclete com Banana ("Eu quero ver o Tio Sam de frigideira numa batucada brasileira"), música que seria, tempos depois, regravada pelo grupo Novos Baianos (Moraes Moreira, Pepeu, Baby e Paulinho Boca de Cantor, entre outros).

Entretanto, todo esse resgate não bastou para lhe garantir a vida tranquila. Vivia do sucesso esporádico de seus discos juninos e de pequenos momentos de glória, quando era chamado por amigos artistas, como Alceu Valença e Geraldo Azevedo, para shows e participações em discos.

Durante toda a sua vida, Jackson do Pandeiro sempre ouvira falar de sua graça, da sua presença de palco, da sua figura magra sempre com aquele chapeuzinho na cabeça, mas muito pouco se escreveu e se falou da capacidade que Jackson tinha em fazer misérias com a divisão rítmica das músicas, sincronizando essa habilidade com seu inigualável virtuosismo no pandeiro. Jackson era um virtuose do ritmo. Fazia o que queria com ele. Entortava-o, deixava-o sem alguns pedaços, iluminava-o, aumentava-lhe a velocidade e escancarava todo esse virtuosismo numa ginga e numa malandragem tremendamente naturais.

Jackson do Pandeiro representa a imagem do nordestino urbanizado, diferente daquela do nordestino que tinha em Luiz Gonzaga o seu paradigma de representação.

Luiz Gonzaga, cujas músicas se fixavam mais na área da toada e do baião de ênfase melódica, é, junto da figura de Jackson do Pandeiro, a personificação do típico artista do povo do Nordeste.

Jackson foi um dos maiores herdeiros da influência rítmica negra na música nordestina, influência que adquiriu por via do coco, ritmo originário de Alagoas. Essa ligação produziu uma nova leitura do samba carioca sincopado e das músicas de carnaval, ritmos nos quais Jackson também produziria uma série de sucessos.

Sua habilidade era tão forte que se lhe fosse solicitada uma música com as palavras escritas em uma bula de remédio, é certo que esse mestre da divisão rítmica lhe daria um balanço completamente original e surpreendente.

A letra da música Moleque de Morro que Jackson fez em parceria com Eleno Clemente talvez seja o melhor retrato e a melhor autobiografia da força e da personalidade marcante de um homem que subjugou o ritmo:

Meus inimigos

Querem me matar

Se ainda estou vivo

Devo à Iemanjá

 

Eu que sou moleque de morro

Criado na gafeira

Sou bamba na capoeira

Sou valente lá pr'a cachorro

Quando há barulho eu não corro

Sei que o tempo vai fechar

A minha vontade é brigar

 

Tenho meu corpo fechado

Porque sou filho de Xangô

Sou feliz por tudo que fiz

Sei que Iemanjá me ajudou


Renato Roschel
do Banco de Dados


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