| 
               
                |  Nomes 
                    e Datas
 |   
                |  (1) - Em 11 
                    de setembro de 1963, os sargentos principalmente da Marinha 
                    e da Aeronáutica aquartelados em Brasília, rebelaram-se 
                    contra uma decisão do STF que os julgou inelegíveis. 
                    A rebelião foi contida, no mesmo dia, por tropas do 
                    Exército
 |   
                | (2) - Os "Grupos dos 11" seriam organizações 
                  dirigidas por Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, preparadas 
                  para desencadear um processo de guerrilha urbana. No entanto, 
                  nunca chegaram, efetivamente, a ser formados. Seu nome advinha 
                  do fato de cada uma das organizações deve ser 
                  formada por 11 componentes
 |   
                | (3) - A 
                  Aliança Liberal foi um partido organizado para 
                  sustentar a candidatura de Getúlio Vargas à presidência 
                  da República, para as eleições de 1930. 
                  Era composta por políticos de diversos Estados brasileiros, 
                  que se consideravam preteridos pela indicação 
                  de Júlio Prestes como candidato oficial do então 
                  presidente Washington Luis.
 A Aliança Liberal assumiu para si as teses e princípios 
                  renovadores que formavam a base dos primeiros movimentos tenentistas. 
                  Com a derrota de Vargas, a Aliança Liberal muda de tática, 
                  chegando à Revolução de 30
 
 
 |  |  |  
              
                 
                  |  |   
                  | São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1979
 
 |   
                  | Jornalistas 
                      contam a História  9 |   
                  |  A REVOLUÇÃO DE 64 E OS "MITOS"
 
 
 |   
                  | Depoimento 
                      de BRENO CALDASao repórter 
                      Wianey Pinheiro
 |   
                  | 
 A história política 
                    do Rio Grande do Sul, nos últimos 83 anos, se confunde 
                    com a história do mais tradicional jornal gaúcho, 
                    o "Correio do Povo". Ao longo desse tempo, Francisco 
                    Antonio Vieira Caldas Jr., seu fundador e Breno Caldas, filho 
                    herdeiro e diretor do jornal há 44 anos, acompanharam 
                    e viveram todos os grandes momentos da vida nacional.
 
 Neste depoimento Breno Caldas historia principalmente o movimento 
                    de 1964, que vê agora como ultrapassado, embora tendo 
                    apoiado sua organização e aplaudido sua eclosão. 
                    Fala dos principais personagens que atuaram no início 
                    do movimento no Sul do País, entre eles o atual vice-presidente 
                    da República, general Adalberto Pereira da Silva, comandante 
                    de uma das mais importantes unidades militares da época. 
                    Numa análise da Revolução, diz que ela 
                    foi necessária, principalmente para por fim à 
                    desordem e à subversão que ocorriam em 64.
 
 Faz também um 
                    perfil dos três principais nomes gaúchos que 
                    despontaram na política nacional  Getúlio 
                    Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. Reconhece que 
                    este último ainda tem força popular para voltar 
                    ao País e atuar politicamente.
 
 Relembra os momentos de dificuldade por que passou sua empresa, 
                    como a apreensão de toda uma tiragem do "Correio 
                    do Povo", por divulgar notícia censurada e a tomada 
                    da "Radio Guaíba" por Brizola, durante quase 
                    um mês, para fazer a campanha legalista.
 
 |   
                  | *
 |   
                  | Para iniciar gostaria que o sr. fizesse uma colocação 
                    de como viu a eclosão do movimento de março 
                    de 1964.
 
 
 
                      Breno Caldas  Antes 
                    de tudo, é bom que eu esclareça a nossa posição, 
                    quer dizer, a posição do "Correio do Povo" 
                    diante dos acontecimentos de 64. Nós fomos francamente 
                    favoráveis ao movimento e de certo modo cooperamos 
                    para a sua eclosão. Nós tínhamos um caso 
                    pessoal com o governo do Estado do Rio Grande do Sul e, naturalmente, 
                    nós éramos contrários à situação 
                    de abuso, de toda aquela série de coisas que estavam 
                    acontecendo: "Rebelião dos Sargentos"(1), 
                    aquelas tentativas de insubordinação e de subversão 
                    que foram feitas. Instituição do "Grupo 
                    dos 11" (2), aquelas coisas. 
                    Principalmente aqui no Rio Grande do Sul havia um foco muito 
                    dinâmico, que era patrocinado, gestionado, inspirado 
                    e manobrado pelo governador Brizola. De sorte que nós 
                    estávamos em posição contrária 
                    a ela e àquela situação que ele representava. 
                    Desta maneira, a revolução de 64 foi para nós 
                    bem-vinda, desejada e saudada como um acontecimento que merecia 
                    o nosso aplauso. 
                        |  | 24.abr.62/Folha 
                            Imagem |   
                        |  |  |   
                        |  | Leonel 
                            Brizola |  
 Certo. De uma forma mais efetiva, o sr. como jornalista, 
                    ou o "Correio do Povo", como o grande jornal do 
                    Sul, como atuou na organização e no inicio do 
                    movimento?
 
 Breno  Bem, de um modo geral o comportamento da 
                    imprensa foi mais ou menos padronizado, pelas imposições 
                    da censura e outras instituições do estado de 
                    exceção que se inaugurou na ocasião. 
                    De sorte que, tirando as manifestações de apoio 
                    que nós efetivamente demos na oportunidade, o nosso 
                    comportamento foi igual ao dos demais jornais.
 
 Numa análise retrospectiva, o sr. acredita que efetivamente 
                    o movimento correspondeu ao que se esperava?
 
 Breno  Eu acho que o movimento teve um propósito. 
                    Não teve tantos princípios, teve mais propósitos. 
                    No meu modo de ver, propósitos saneadores. Alguns foram 
                    conseguidos, outros não. Porque é muito difícil 
                    alterar uma realidade como a brasileira, que é continental 
                    e que está sedimentada através de tantos anos. 
                    Os homens são falíveis. Esses movimentos, depois 
                    de um certo tempo se esgotam. Eles se autodestroem, eles se 
                    esgotam a si próprios. Isso é natural. Talvez 
                    esse de 64 tenha se prolongado demais e está aí 
                    o esgotamento que ele já manifestou de um tempo para 
                    cá.
 
 Especificamente no caso do Rio Grande do Sul, que é 
                    o Estado onde o sr. atua, como foi a participação 
                    dos políticos e dos militares no movimento?
 
 
 
                       
                        | Folha 
                            Imagem |  |   
                        |  |  |   
                        | Adalberto 
                            Pereira da Silva |  |  Breno  O movimento, como a gente sabe, não 
                    nasceu aqui. Ele, de certo modo, recebeu aqui estímulos. 
                    Em relação aos militares, havia o general Adalberto 
                    Pereira, atual vice-presidente da República. Na época 
                    ele estava aqui, se não me engano, comandando a 6a 
                    D.I. E era altamente situado na hierarquia do Exército. 
                    Algumas vezes eu tive contato com ele, por telefone, a propósito 
                    disso ou daquilo. A gente recebia, eu recebi, o jornal recebeu 
                    várias ameaças de agressão. Essas coisas 
                    naturais nessas épocas de efervescência, de exacerbação.
 
 Uma vez o Carlos Lacerda esteve aqui e sua presença 
                    trouxe um grupo de manifestantes para defronte do jornal. 
                    E começaram a jogar pedras. Naturalmente as pedras 
                    não eram para nós. Mas nos atingiram também.
 
 Em que ano foi isso?
 
 Breno  A vez em que o Lacerda esteve aqui eu exatamente 
                    não me lembro. Acho que foi em 63, ou coisa assim.
 
 Antes da revolução.
 
 Breno  Foi antes de eclodir o movimento. É, 
                    foi antes.
 
 Agora o sr. poderia falar sobre os acontecimentos principais...
 
 Breno  Os principais acontecimentos e os mais espetaculares 
                    se desenvolveram lá em Minas Gerais. Aquela marcha 
                    do Mourão e aquela história toda, que depois 
                    veio descendo, como uma reação em cadeia. Porque 
                    nesses movimentos, os militares se telefonam e se consultam, 
                    acho que fazem um balanço de forças e depois 
                    vão aderindo, ou não. Ou vão repudiando, 
                    tomando posição em função disso. 
                    Não houve propriamente um confronto militar, acho que 
                    em nenhum ponto do Brasil.
 
 Em termos de Sul do País a gente poderia dizer que 
                    o general Adalberto liderou o movimento?
 
 Breno  Creio que sim. Ele e mais uns dois ou três. 
                    O comandante do 3o Exército, por exemplo, que era o 
                    general Argemiro Assis Brasil. Aliás, o comandante 
                    era o Ladário Pereira Leite, que eu acho que era favorável 
                    ao governo central. E naturalmente ele procurou tranquilizar 
                    aqui. O Assis Brasil era um dos importantes aqui no comando, 
                    mas não tinha maioria, a gente viu logo.
 
 Como foi a reação da população 
                    ao saber que com o movimento estava sendo deposto João 
                    Goular, um gaúcho?
 
 Breno  Bem, o Estado estava dividido. Havia os janguistas 
                    e os contrários a ele. O Jango nunca contou no Rio 
                    Grande do Sul com um apoio assim, já não digo 
                    unânime, mas maciço, muito expressivo, como tinha 
                    o Getúlio. Tanto que ele foi derrotado numa eleição 
                    para senador pelo professor Antônio Câmara e noutra 
                    pelo próprio Daniel Krieger.
 
 E o jornal, dr. Breno, nessa fase de transição, 
                    como se comportou, quer no noticiário, quer na opinião, 
                    nos editoriais?
 
 Breno  É preciso esclarecer bem a posição 
                    do jornal. O "Correio do Povo" tem por tradição 
                    não atuar politicamente, ou melhor, não assumir 
                    atitudes políticas no sentido de política partidária. 
                    Posições como, comparativamente, toma "O 
                    Estado de S. Paulo". O "Estado" sempre esteve 
                    filiado à UDN, integrado no movimento da UDN. E por 
                    aí foi, em posições contrárias 
                    a governadores e até ao próprio governo federal. 
                    Nós nunca tomamos atitudes assim, a não ser 
                    em ocasiões especiais. O "Correio do Povo" 
                    sempre manteve uma linha de relativa neutralidade. Enquanto 
                    isso é possível em jornalismo. Sempre procuramos 
                    ficar atentos e interpretar o interesse público. Para 
                    o jornal essas injunções de fundo político-partidário 
                    estão em plano inferior ao interesse público.
 
 De sorte que nós só atuamos politicamente quando 
                    a motivação foi muito forte. Como em 1929/1930, 
                    por exemplo, quando nós entramos na campanha da Aliança 
                    Liberal (3), em favor do Getúlio, 
                    porque era um movimento nacional e se tratava de estabelecer 
                    a Frente Única, com unidade de opinião. O "Correio 
                    do Povo" fez a campanha contra o Júlio Prestes, 
                    a favor do Getúlio.
 
 Durante muito tempo o jornal deu em manchete, diariamente, 
                    frases de conclamação e apoio à candidatura 
                    Getúlio Vargas. E depois, como consequência, 
                    nos apoiamos a Revolução de 30, que supostamente 
                    foi feita em nome do esbulho que se praticou, que se alegou 
                    ter sido feito naquela ocasião. Depois, em 1932, quando 
                    surgiu o movimento Constitucionalista de São Paulo, 
                    nós fomos favoráveis a ele. Quer dizer, nós 
                    tínhamos dado apoio até as primeiras manifestações 
                    constitucionalistas. E é preciso que se diga, o movimento 
                    aqui no Sul foi conduzido em grande parte pelo Leopoldo da 
                    Cunha. Depois, com a eclosão do movimento, a 9 de julho, 
                    ele, que era governador do Estado, tomou posição, 
                    tomou armas, mandou forças, combateu a Revolução 
                    Constitucionalista de São Paulo, arrastando toda a 
                    opinião do Rio Grande do Sul, que a principio era favorável.
 
 Como foi a indisposição entre Brizola e o 
                    "Correio do Povo"? Foi durante todo o governo dele?
 
 Breno  Não. Durante um certo período, 
                    quando ele resolveu nos agredir. Porque Brizola vinha aqui 
                    praticamente todos os dias. A mim ele distinguia muito, vinha 
                    visitar o jornal e falava comigo, me contava coisas e procurava 
                    me aliciar. Naturalmente me levar para onde era de interesse 
                    dele, interesse político. Mas eu não lhe dei 
                    oportunidade. Então, a partir de certo momento, ele 
                    começou a agredir o jornal, a me agredir.
 
 Essa agressão, essa pressão, se dava de que 
                    maneira?
 
 Breno  Aquelas coisas usuais e corriqueiras da época. 
                    Dizia que o jornal estava atrelado aos interesses do capital 
                    monopolista, do capital estrangeiro, aquelas coisas que se 
                    diziam quando queriam agredir a alguem. Naquela ocasião 
                    era moda isso. Nesse período ele fazia um programa 
                    diário na "Rádio Farropilha" e todos 
                    os dias tinham um espaço reservado para atacar nosso 
                    jornal. Dizia para nós aproveitarmos porque a situação 
                    ia mudar, etc. A gente então tinha que reagir. Eu mesmo 
                    ainda fazendo algumas notas, algumas brincadeiras.
 
 Mas essa briga com Brizola, que era um governador com grande 
                    prestígio popular, não teve influência 
                    no jornal; perda de anunciantes, por exemplo?
 
 Breno  Se aquelas coisas dele afastou uma grande 
                    parcela de leitores do "Correio do Povo", tinha 
                    o outro lado, dos que estavam contra ele e prestigiaram o 
                    jornal. Muita gente amiga e anônimos, que nós 
                    nem conhecíamos, nos emprestou apoio. Vieram aqui armados, 
                    na época em que havia ameaça de agressão 
                    física, de empastelamento. Se ofereceram para resistir, 
                    para defender o jornal.
 
 Como o senhor resumiria a história do "Correio 
                    do Povo"?
 
 Breno  A história do jornal pode ser resumida 
                    num editorial escrito por meu pai, Francisco Antonio Vieira 
                    Caldas Jr., e que até hoje nos serve de lema. É 
                    um jornal que ao longo de sua existência sempre se preocupou 
                    em informar e defender o interesse do povo. Só entramos 
                    em questões políticas, assim de arregaçar 
                    as mangas, de dizer e ouvir desaforos, quando fomos provocados. 
                    Mas mais como uma reação do que como agressão. 
                    Enfim, o que meu pai escreveu há 83, quando fundou 
                    o jornal, continua válido até hoje.
 
 Gostaria que o sr. descrevesse aquele episódio da 
                    apreensão do jornal.
 
 Breno  Aconteceu o seguinte: veio aqui um censor 
                    e vetou a publicação de uma matéria, 
                    que dava conta de uma carta escrita pelo Júlio Mesquita 
                    Neto, o Julinho, que tinha sido lida na sessão da Câmara, 
                    sobre liberdade de imprensa e coisa assim, se não me 
                    engano. Eu disse que ele trouxesse uma proibição 
                    por escrito, porque senão eu não respeitaria, 
                    eu não ia acatar. Então, ele ficou muito atrapalhado 
                    e saiu. Naturalmente foi se comunicar lá com um superior 
                    dele. Depois pra surpresa minha eu soube de madrugada 
                    o jornal estava saindo e eles apreenderam o jornal. Alguém 
                    telefona, eu moro fora, o telefone não funcionou, não 
                    estava funcionando, era muito precário e o meu pessoal 
                    não pôde me comunicar e eles simplesmente levaram 
                    a edição do jornal. Foi no dia 20 de setembro, 
                    se não me engano foi 20 de setembro, até é 
                    data Farroupilha, é data da Revolução 
                    do Rio Grande do Sul. Vinte de setembro de eu 
                    não me lembro de 72, 70, por aí.
 
 Mas me parece que dentro desse episódio houve uma 
                    atitude do senhor muito digna, que foi a de não permitir 
                    que eles retirassem o jornal de dentro do prédio, o 
                    senhor mandou que a rodagem fosse feita.
 
 Breno  Ah, sim, que apreendessem na rua. Eles vieram 
                    proibir aqui, eu mandei que o jornal fosse impresso.
 
 A edição normal?
 
 Breno  A edição normal e foi 
                    apreendida toda. Sim, o que eu não queria era dar a 
                    minha concordância a esse ato de violência.
 
 Dr. Breno, e além desse fato específico, 
                    que envolve particularmente o "Correio do Povo", 
                    como é que o senhor conviveu com a censurar, como é 
                    que o "Correio do Povo" conviveu?
 
 Breno  Olha, de um modo geral nós até 
                    fomos - nesse período agora do Estado Novo? Não, 
                    nesse período agora de 64?
 
 De 64 pra cá.
 
 Breno  Ah, de um modo geral não fomos muito 
                    incomodados, porque nós aceitamos a censura como uma 
                    realidade inevitável. Eu não podia fazer nada 
                    contra a censura.
 
 Não era específica contra seu jornal. É 
                    isso?
 
 Breno  Não era específica contra o 
                    meu jornal e depois eles, de um certo modo, me tratavam com 
                    muita consideração. Eles nunca abusaram, não 
                    tiveram assim propósito de nos espezinhar, tratar com 
                    certo desprezo ou com violência. Não. Sempre 
                    me trataram com consideração. Talvez porque 
                    eu, historicamente, estive aberto, no início, nas condições 
                    iniciais do movimento, na circunstância da fase inicial 
                    do movimento de 64.
 
 É. Então eu gostaria que o senhor fizesse 
                    um paralelo entre o tipo de censura da época do Estado 
                    Novo e agora.
 
 Breno  Bom, aquela censura do Estado Novo, sim. 
                    Aquela era uma censura completamente arbitrária, desarrazoada 
                    e se fundava mais até em perseguições 
                    pessoais, em motivação pessoal. Uma ocasião, 
                    eu não me lembro porque, foi proibido anunciar um casamento, 
                    coisas assim, coisas absurdas. Parece que o casamento envolvia 
                    algum figurão aí que não queria que se 
                    dissesse que ele tinha casado.
 
 Dr. Breno, eu gostaria que o senhor analisasse três 
                    figuras que são historicamente muito importantes; que 
                    dentro do seu conhecimento e vivência profissional o 
                    senhor analisasse Getúlio, Jango e Brizola. As personalidades 
                    de cada um.
 
 Breno  Eu vou dizer que o Getúlio foi o mais 
                    político de todos. O Getúlio era um homem de 
                    grande sagacidade, todo mundo sabe, e era uma pessoa que tinha 
                    uma grande virtude sobre a maioria dos políticos brasileiros 
                    e políticos sul-americanos: a tranquilidade, a calma, 
                    com que ele agia. Porque todo político latino-americano, 
                    em geral, isso é do feitio da nossa raça, todo 
                    mundo é mais ou menos explosivo, queimadinho, tem sangue 
                    quente, tem a reação instantânea, reage 
                    de uma maneira mais imediata e mais violenta. O Getúlio 
                    calculava todos os seus gestos, todas as suas palavras e era 
                    um homem que subordinava toda sua ação política 
                    aos propósitos que ele tinha em vista e não 
                    a botava fora com gestos e com teatralidades. Não botava 
                    fora o seu capital político que ele ia amealhando. 
                    Ele era um homem terrivelmente sagaz, capaz, nesse sentido. 
                    Ele atuava com grande maestria. E a prova é que ele 
                    dominou todo mundo. Houve homens que estiveram ao lado dele 
                    e depois estiveram contra ele e que alternaram posições 
                    ao lado dele e contra ele, que eram sabidamente, seguramente, 
                    mais brilhantes do que ele, mais inteligentes, mais talentosos 
                    pra falar e que, sem embargo, não conseguiam dominá-lo. 
                    Ao contrário, acabavam sempre se subordinando à 
                    chefia dele, à autoridade dele, de uma maneira ou de 
                    outra e em várias oportunidades. A gente conhece os 
                    exemplos que estão aí: Osvaldo Aranha, Flores 
                    da Cunha, João Neves, e muitos outros. Estou falando 
                    só nos rio-grandenses. E por aí afora, no Brasil, 
                    tem exemplos inúmeros.
 
 O Jango tinha muita simpatia pessoal eu me dava 
                    com ele bastante ele vinha cá seguido, 
                    volta e meia vinha aqui conversar comigo, ele era bastante 
                    assíduo aqui no meu gabinete. Nós tínhamos 
                    um relacionamento muito bom. Rapaz muito simpático, 
                    muito acessível, muito lhano, no tratamento. Agora 
                    eu não acredito que o Jango, embora tivesse algumas 
                    condições de político, tivesse todo um 
                    ferramental, todo o instrumental necessário para fazer 
                    uma carreira igual à do Getúlio, por exemplo. 
                    Ele não tinha. Em primeiro lugar ele não tinha 
                    a cultura do Getúlio. O Getúlio veio de uma 
                    época em que o humanismo era levado mais a sério, 
                    era uma condição básica pro ingresso 
                    na política. Ele foi líder da maioria aqui do 
                    governo, enfim, sempre desfrutou de situação 
                    política de relevo, o Getúlio.
 
 Já o Brizola era diferente. O Brizola tinha uma capacidade 
                    de liderança muito aguda, era um homem muito ambicioso 
                    politicamente, tremendamente ambicioso e muito apressado. 
                    E foi o que o perdeu. O Brizola se perdeu pela sofreguidão 
                    com que ele se atirou ao seu objetivo político, às 
                    suas metas. Ele, para atingir as suas metas, achou que a vida 
                    era curta e que o tempo era pouco, precisava fazer aquilo 
                    com muita pressa. Encontrou em certas oportunidades muita 
                    omissão, muita moleza das correntes, das forças 
                    que lhe eram opostas e aquilo o estimulou. Ele então 
                    começou a querer queimar etapas. Eu acho que se ele 
                    não tivesse se apressado tanto, tivesse agido com mais 
                    comedimento, com mais maturidade, ele teria tido uma evolução 
                    na sua carreira política sem descontinuidades, como 
                    ele teve. Teria subido sempre, porque ele tinha condições 
                    para isso. Em primeiro lugar, ele tinha uma capacidade de 
                    dedicação muito grande. O Brizola se aplicava 
                    a um objetivo, a um propósito, intensamente, na obtenção 
                    daquilo. E era um homem inteligente, um sujeito lúcido. 
                    Ele distinguia aquilo que lhe convinha e o que não 
                    lhe convinha, quais as reservas que ele devia usar e podia 
                    usar. E de um certo modo muito ousado, muito peitudo. Ele 
                    "metia os peitos". Aquela campanha do Adhemar de 
                    Barros, por exemplo, que ele fez, como político, e 
                    teve, afinal, sucesso. Ele fez aquilo nessas condições 
                    que eu sublinhei, nessas circunstâncias. Ele fez aquilo 
                    na raça, de peito aberto. Encampou a nossa rádio 
                    aqui, a "Rádio Guaíba", tomou conta 
                    e começou a movimentar. Afinal de contas ele mobilizou 
                    grande parte da opinião do Brasil todo.
 
 Esse episódio da encampação da...
 
 Breno  O negócio foi o seguinte: ele me telefonou, 
                    eu estava em casa, e me disse que ia tomar conta da rádio. 
                    Eu disse: o senhor não pode fazer isso.
 
 Isso em que época?
 
 Breno  Na legalidade. Quando o Jânio renunciou 
                    e o Jango estava na China. Lembra-se que o Jango estava na 
                    China? E veio a tempo, veio direto pra Porto Alegre primeiro. 
                    Veio aqui, até eu estive lá falando com ele. 
                    Me mandou um recado eu fui lá falar com ele no Palácio.
 
 Então o Brizola me telefonou e disse que precisava 
                    da rádio, que ia tomar conta da rádio. Eu disse; 
                    não pode fazer isso: em primeiro porque isso é 
                    uma violência, e, segundo, esse negócio pode 
                    ter consequências que sejam muito danosas, porque a 
                    rádio é uma concessão federal. E ele: 
                    "mas eu já estou na rádio". Eu disse: 
                    mas então você está apenas me comunicando. 
                    Ele: mas eu não queria deixar de comunicar. E eu: mas, 
                    venha cá, o senhor tem que me mandar, o governo do 
                    Estado tem que assumir a responsabilidade disso, senão 
                    eu não entrego a rádio. Ele: sim, mas agora 
                    eu tomei conta. Eu: não, eu não entrego, eu 
                    vou resistir de uma maneira ou de outra, eu vou tirar do ar 
                    imediatamente. Aí diz ele: "não, o que 
                    é que o senhor quer?" Eu disse: eu quero um documento 
                    pelo qual o governo do Estado assuma a responsabilidade do 
                    que está fazendo. Não só pelos danos 
                    que vai ocasionar eventualmente, como também pela responsabilidade 
                    de tocar, violar a concessão federal. Ele: "não 
                    tem problema, isso eu mando, o que você quiser". 
                    Eu disse: eu vou pra lá agora.
 
 Quando cheguei aqui estava isto ocupado, o prédio ocupado. 
                    Estava toda a Polícia Especial aqui, tinha uns 40, 
                    50 homens da Polícia Especial, com metralhadoras, até 
                    não queriam me deixar entrar. Aí um policial 
                    me reconheceu e disse que eu podia entrar. Então o 
                    Brizola mandou um ofício, nos termos mais ou menos 
                    que eu tinha estabelecido. Então, eles puseram aí 
                    uns locutores e a estação começou a funcionar 
                    pra eles. Eles faziam proclamações, conclamações 
                    tocavam "jingles" comercial. Ele fez um movimento 
                    grande. E um belo dia terminou o negócio.
 
 Dr. Breno, então, uma situação bem 
                    momentânea: como o senhor vê a possível 
                    volta do Brizola à política nacional?
 
 Breno  Eu acho que ele tem o direito de voltar e 
                    de atuar na faixa política, por quê não? 
                    Uma vez que ele tenha a sua situação legal definida 
                    e esclarecida. Uma vez que haja uma anistia, ou coisa assim, 
                    e parece que até formalmente o processo que há, 
                    um deles, parece que não tem muita consistência 
                    do ponto-de-vista político. Há deficiências 
                    formais, segundo eu ouvi aí.
 
 O senhor acredita que ele tem condições, 
                    em termos de Rio Grande do Sul, de voltar a ser aquela figura 
                    empolgante politicamente?
 
 Breno  Acho que ninguém volta a ser o que 
                    era. Em primeiro lugar, porque ele já não é 
                    o mesmo. Em segundo lugar, a realidade onde ele vai atuar 
                    já não é a mesma. As circunstâncias 
                    são outras. Ele tem condições de liderança. 
                    Ele vai atuar e, com toda certeza. Ele está agindo 
                    agora com prudência, está vindo devagarzinho, 
                    está entrando, e vai aproveitar bem essa meditação 
                    forçada a que ele esteve dedicado 14, 15 anos. Ele 
                    deve aproveitar isso. Mesmo porque ele já não 
                    é mais criança, ele já tem cinquenta 
                    e tantos anos. O Brizola, tem uns 56, eu acho.
 
 
 |   
                  |  |  |