Leia mais sobre
Breno Caldas
Nomes e Datas

(1)
- Em 11 de setembro de 1963, os sargentos principalmente da Marinha e da Aeronáutica aquartelados em Brasília, rebelaram-se contra uma decisão do STF que os julgou inelegíveis. A rebelião foi contida, no mesmo dia, por tropas do Exército

(2) -
Os "Grupos dos 11" seriam organizações dirigidas por Leonel Brizola, no Rio Grande do Sul, preparadas para desencadear um processo de guerrilha urbana. No entanto, nunca chegaram, efetivamente, a ser formados. Seu nome advinha do fato de cada uma das organizações deve ser formada por 11 componentes

(3) - A Aliança Liberal foi um partido organizado para sustentar a candidatura de Getúlio Vargas à presidência da República, para as eleições de 1930. Era composta por políticos de diversos Estados brasileiros, que se consideravam preteridos pela indicação de Júlio Prestes como candidato oficial do então presidente Washington Luis.
A Aliança Liberal assumiu para si as teses e princípios renovadores que formavam a base dos primeiros movimentos tenentistas. Com a derrota de Vargas, a Aliança Liberal muda de tática, chegando à Revolução de 30

___________
Leia também os
depoimentos de:


- Barreto Leite Filho
- Raimundo Magalhães
- Paulo Mota Lima
- Paulo Duarte
- Joel Silveira
- Hermínio Sacchetta
- Odylo Costa, filho
- Edmundo Moniz
- Samuel Wainer
 
 

São Paulo, sábado, 13 de janeiro de 1979

Jornalistas contam a História — 9

A REVOLUÇÃO DE 64 E OS "MITOS"

Depoimento de BRENO CALDAS
ao repórter Wianey Pinheiro


A história política do Rio Grande do Sul, nos últimos 83 anos, se confunde com a história do mais tradicional jornal gaúcho, o "Correio do Povo". Ao longo desse tempo, Francisco Antonio Vieira Caldas Jr., seu fundador e Breno Caldas, filho herdeiro e diretor do jornal há 44 anos, acompanharam e viveram todos os grandes momentos da vida nacional.

Neste depoimento Breno Caldas historia principalmente o movimento de 1964, que vê agora como ultrapassado, embora tendo apoiado sua organização e aplaudido sua eclosão. Fala dos principais personagens que atuaram no início do movimento no Sul do País, entre eles o atual vice-presidente da República, general Adalberto Pereira da Silva, comandante de uma das mais importantes unidades militares da época. Numa análise da Revolução, diz que ela foi necessária, principalmente para por fim à desordem e à subversão que ocorriam em 64.

Faz também um perfil dos três principais nomes gaúchos que despontaram na política nacional — Getúlio Vargas, João Goulart e Leonel Brizola. Reconhece que este último ainda tem força popular para voltar ao País e atuar politicamente.

Relembra os momentos de dificuldade por que passou sua empresa, como a apreensão de toda uma tiragem do "Correio do Povo", por divulgar notícia censurada e a tomada da "Radio Guaíba" por Brizola, durante quase um mês, para fazer a campanha legalista.

*

Para iniciar gostaria que o sr. fizesse uma colocação de como viu a eclosão do movimento de março de 1964.

 
24.abr.62/Folha Imagem
 
 
Leonel Brizola
Breno Caldas — Antes de tudo, é bom que eu esclareça a nossa posição, quer dizer, a posição do "Correio do Povo" diante dos acontecimentos de 64. Nós fomos francamente favoráveis ao movimento e de certo modo cooperamos para a sua eclosão. Nós tínhamos um caso pessoal com o governo do Estado do Rio Grande do Sul e, naturalmente, nós éramos contrários à situação de abuso, de toda aquela série de coisas que estavam acontecendo: "Rebelião dos Sargentos"(1), aquelas tentativas de insubordinação e de subversão que foram feitas. Instituição do "Grupo dos 11" (2), aquelas coisas. Principalmente aqui no Rio Grande do Sul havia um foco muito dinâmico, que era patrocinado, gestionado, inspirado e manobrado pelo governador Brizola. De sorte que nós estávamos em posição contrária a ela e àquela situação que ele representava. Desta maneira, a revolução de 64 foi para nós bem-vinda, desejada e saudada como um acontecimento que merecia o nosso aplauso.

Certo. De uma forma mais efetiva, o sr. como jornalista, ou o "Correio do Povo", como o grande jornal do Sul, como atuou na organização e no inicio do movimento?

Breno —
Bem, de um modo geral o comportamento da imprensa foi mais ou menos padronizado, pelas imposições da censura e outras instituições do estado de exceção que se inaugurou na ocasião. De sorte que, tirando as manifestações de apoio que nós efetivamente demos na oportunidade, o nosso comportamento foi igual ao dos demais jornais.

Numa análise retrospectiva, o sr. acredita que efetivamente o movimento correspondeu ao que se esperava?

Breno —
Eu acho que o movimento teve um propósito. Não teve tantos princípios, teve mais propósitos. No meu modo de ver, propósitos saneadores. Alguns foram conseguidos, outros não. Porque é muito difícil alterar uma realidade como a brasileira, que é continental e que está sedimentada através de tantos anos. Os homens são falíveis. Esses movimentos, depois de um certo tempo se esgotam. Eles se autodestroem, eles se esgotam a si próprios. Isso é natural. Talvez esse de 64 tenha se prolongado demais e está aí o esgotamento que ele já manifestou de um tempo para cá.

Especificamente no caso do Rio Grande do Sul, que é o Estado onde o sr. atua, como foi a participação dos políticos e dos militares no movimento?

Folha Imagem
 
 
Adalberto Pereira da Silva
 

Breno
— O movimento, como a gente sabe, não nasceu aqui. Ele, de certo modo, recebeu aqui estímulos. Em relação aos militares, havia o general Adalberto Pereira, atual vice-presidente da República. Na época ele estava aqui, se não me engano, comandando a 6a D.I. E era altamente situado na hierarquia do Exército. Algumas vezes eu tive contato com ele, por telefone, a propósito disso ou daquilo. A gente recebia, eu recebi, o jornal recebeu várias ameaças de agressão. Essas coisas naturais nessas épocas de efervescência, de exacerbação.

Uma vez o Carlos Lacerda esteve aqui e sua presença trouxe um grupo de manifestantes para defronte do jornal. E começaram a jogar pedras. Naturalmente as pedras não eram para nós. Mas nos atingiram também.

Em que ano foi isso?

Breno —
A vez em que o Lacerda esteve aqui eu exatamente não me lembro. Acho que foi em 63, ou coisa assim.

Antes da revolução.

Breno —
Foi antes de eclodir o movimento. É, foi antes.

Agora o sr. poderia falar sobre os acontecimentos principais...

Breno —
Os principais acontecimentos e os mais espetaculares se desenvolveram lá em Minas Gerais. Aquela marcha do Mourão e aquela história toda, que depois veio descendo, como uma reação em cadeia. Porque nesses movimentos, os militares se telefonam e se consultam, acho que fazem um balanço de forças e depois vão aderindo, ou não. Ou vão repudiando, tomando posição em função disso. Não houve propriamente um confronto militar, acho que em nenhum ponto do Brasil.

Em termos de Sul do País a gente poderia dizer que o general Adalberto liderou o movimento?

Breno —
Creio que sim. Ele e mais uns dois ou três. O comandante do 3o Exército, por exemplo, que era o general Argemiro Assis Brasil. Aliás, o comandante era o Ladário Pereira Leite, que eu acho que era favorável ao governo central. E naturalmente ele procurou tranquilizar aqui. O Assis Brasil era um dos importantes aqui no comando, mas não tinha maioria, a gente viu logo.

Como foi a reação da população ao saber que com o movimento estava sendo deposto João Goular, um gaúcho?

Breno —
Bem, o Estado estava dividido. Havia os janguistas e os contrários a ele. O Jango nunca contou no Rio Grande do Sul com um apoio assim, já não digo unânime, mas maciço, muito expressivo, como tinha o Getúlio. Tanto que ele foi derrotado numa eleição para senador pelo professor Antônio Câmara e noutra pelo próprio Daniel Krieger.

E o jornal, dr. Breno, nessa fase de transição, como se comportou, quer no noticiário, quer na opinião, nos editoriais?

Breno
— É preciso esclarecer bem a posição do jornal. O "Correio do Povo" tem por tradição não atuar politicamente, ou melhor, não assumir atitudes políticas no sentido de política partidária. Posições como, comparativamente, toma "O Estado de S. Paulo". O "Estado" sempre esteve filiado à UDN, integrado no movimento da UDN. E por aí foi, em posições contrárias a governadores e até ao próprio governo federal. Nós nunca tomamos atitudes assim, a não ser em ocasiões especiais. O "Correio do Povo" sempre manteve uma linha de relativa neutralidade. Enquanto isso é possível em jornalismo. Sempre procuramos ficar atentos e interpretar o interesse público. Para o jornal essas injunções de fundo político-partidário estão em plano inferior ao interesse público.

De sorte que nós só atuamos politicamente quando a motivação foi muito forte. Como em 1929/1930, por exemplo, quando nós entramos na campanha da Aliança Liberal (3), em favor do Getúlio, porque era um movimento nacional e se tratava de estabelecer a Frente Única, com unidade de opinião. O "Correio do Povo" fez a campanha contra o Júlio Prestes, a favor do Getúlio.

Durante muito tempo o jornal deu em manchete, diariamente, frases de conclamação e apoio à candidatura Getúlio Vargas. E depois, como consequência, nos apoiamos a Revolução de 30, que supostamente foi feita em nome do esbulho que se praticou, que se alegou ter sido feito naquela ocasião. Depois, em 1932, quando surgiu o movimento Constitucionalista de São Paulo, nós fomos favoráveis a ele. Quer dizer, nós tínhamos dado apoio até as primeiras manifestações constitucionalistas. E é preciso que se diga, o movimento aqui no Sul foi conduzido em grande parte pelo Leopoldo da Cunha. Depois, com a eclosão do movimento, a 9 de julho, ele, que era governador do Estado, tomou posição, tomou armas, mandou forças, combateu a Revolução Constitucionalista de São Paulo, arrastando toda a opinião do Rio Grande do Sul, que a principio era favorável.

Como foi a indisposição entre Brizola e o "Correio do Povo"? Foi durante todo o governo dele?

Breno —
Não. Durante um certo período, quando ele resolveu nos agredir. Porque Brizola vinha aqui praticamente todos os dias. A mim ele distinguia muito, vinha visitar o jornal e falava comigo, me contava coisas e procurava me aliciar. Naturalmente me levar para onde era de interesse dele, interesse político. Mas eu não lhe dei oportunidade. Então, a partir de certo momento, ele começou a agredir o jornal, a me agredir.

Essa agressão, essa pressão, se dava de que maneira?

Breno
— Aquelas coisas usuais e corriqueiras da época. Dizia que o jornal estava atrelado aos interesses do capital monopolista, do capital estrangeiro, aquelas coisas que se diziam quando queriam agredir a alguem. Naquela ocasião era moda isso. Nesse período ele fazia um programa diário na "Rádio Farropilha" e todos os dias tinham um espaço reservado para atacar nosso jornal. Dizia para nós aproveitarmos porque a situação ia mudar, etc. A gente então tinha que reagir. Eu mesmo ainda fazendo algumas notas, algumas brincadeiras.

Mas essa briga com Brizola, que era um governador com grande prestígio popular, não teve influência no jornal; perda de anunciantes, por exemplo?

Breno —
Se aquelas coisas dele afastou uma grande parcela de leitores do "Correio do Povo", tinha o outro lado, dos que estavam contra ele e prestigiaram o jornal. Muita gente amiga e anônimos, que nós nem conhecíamos, nos emprestou apoio. Vieram aqui armados, na época em que havia ameaça de agressão física, de empastelamento. Se ofereceram para resistir, para defender o jornal.

Como o senhor resumiria a história do "Correio do Povo"?

Breno —
A história do jornal pode ser resumida num editorial escrito por meu pai, Francisco Antonio Vieira Caldas Jr., e que até hoje nos serve de lema. É um jornal que ao longo de sua existência sempre se preocupou em informar e defender o interesse do povo. Só entramos em questões políticas, assim de arregaçar as mangas, de dizer e ouvir desaforos, quando fomos provocados. Mas mais como uma reação do que como agressão. Enfim, o que meu pai escreveu há 83, quando fundou o jornal, continua válido até hoje.

Gostaria que o sr. descrevesse aquele episódio da apreensão do jornal.

Breno —
Aconteceu o seguinte: veio aqui um censor e vetou a publicação de uma matéria, que dava conta de uma carta escrita pelo Júlio Mesquita Neto, o Julinho, que tinha sido lida na sessão da Câmara, sobre liberdade de imprensa e coisa assim, se não me engano. Eu disse que ele trouxesse uma proibição por escrito, porque senão eu não respeitaria, eu não ia acatar. Então, ele ficou muito atrapalhado e saiu. Naturalmente foi se comunicar lá com um superior dele. Depois pra surpresa minha eu soube de madrugada o jornal estava saindo e eles apreenderam o jornal. Alguém telefona, eu moro fora, o telefone não funcionou, não estava funcionando, era muito precário e o meu pessoal não pôde me comunicar e eles simplesmente levaram a edição do jornal. Foi no dia 20 de setembro, se não me engano foi 20 de setembro, até é data Farroupilha, é data da Revolução do Rio Grande do Sul. Vinte de setembro de eu não me lembro de 72, 70, por aí.

Mas me parece que dentro desse episódio houve uma atitude do senhor muito digna, que foi a de não permitir que eles retirassem o jornal de dentro do prédio, o senhor mandou que a rodagem fosse feita.

Breno —
Ah, sim, que apreendessem na rua. Eles vieram proibir aqui, eu mandei que o jornal fosse impresso.

A edição normal?

Breno
A edição normal e foi apreendida toda. Sim, o que eu não queria era dar a minha concordância a esse ato de violência.

Dr. Breno, e além desse fato específico, que envolve particularmente o "Correio do Povo", como é que o senhor conviveu com a censurar, como é que o "Correio do Povo" conviveu?

Breno —
Olha, de um modo geral nós até fomos - nesse período agora do Estado Novo? Não, nesse período agora de 64?

De 64 pra cá.

Breno —
Ah, de um modo geral não fomos muito incomodados, porque nós aceitamos a censura como uma realidade inevitável. Eu não podia fazer nada contra a censura.

Não era específica contra seu jornal. É isso?

Breno —
Não era específica contra o meu jornal e depois eles, de um certo modo, me tratavam com muita consideração. Eles nunca abusaram, não tiveram assim propósito de nos espezinhar, tratar com certo desprezo ou com violência. Não. Sempre me trataram com consideração. Talvez porque eu, historicamente, estive aberto, no início, nas condições iniciais do movimento, na circunstância da fase inicial do movimento de 64.

É. Então eu gostaria que o senhor fizesse um paralelo entre o tipo de censura da época do Estado Novo e agora.

Breno —
Bom, aquela censura do Estado Novo, sim. Aquela era uma censura completamente arbitrária, desarrazoada e se fundava mais até em perseguições pessoais, em motivação pessoal. Uma ocasião, eu não me lembro porque, foi proibido anunciar um casamento, coisas assim, coisas absurdas. Parece que o casamento envolvia algum figurão aí que não queria que se dissesse que ele tinha casado.

Dr. Breno, eu gostaria que o senhor analisasse três figuras que são historicamente muito importantes; que dentro do seu conhecimento e vivência profissional o senhor analisasse Getúlio, Jango e Brizola. As personalidades de cada um.

Breno —
Eu vou dizer que o Getúlio foi o mais político de todos. O Getúlio era um homem de grande sagacidade, todo mundo sabe, e era uma pessoa que tinha uma grande virtude sobre a maioria dos políticos brasileiros e políticos sul-americanos: a tranquilidade, a calma, com que ele agia. Porque todo político latino-americano, em geral, isso é do feitio da nossa raça, todo mundo é mais ou menos explosivo, queimadinho, tem sangue quente, tem a reação instantânea, reage de uma maneira mais imediata e mais violenta. O Getúlio calculava todos os seus gestos, todas as suas palavras e era um homem que subordinava toda sua ação política aos propósitos que ele tinha em vista e não a botava fora com gestos e com teatralidades. Não botava fora o seu capital político que ele ia amealhando. Ele era um homem terrivelmente sagaz, capaz, nesse sentido. Ele atuava com grande maestria. E a prova é que ele dominou todo mundo. Houve homens que estiveram ao lado dele e depois estiveram contra ele e que alternaram posições ao lado dele e contra ele, que eram sabidamente, seguramente, mais brilhantes do que ele, mais inteligentes, mais talentosos pra falar e que, sem embargo, não conseguiam dominá-lo. Ao contrário, acabavam sempre se subordinando à chefia dele, à autoridade dele, de uma maneira ou de outra e em várias oportunidades. A gente conhece os exemplos que estão aí: Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, João Neves, e muitos outros. Estou falando só nos rio-grandenses. E por aí afora, no Brasil, tem exemplos inúmeros.

O Jango tinha muita simpatia pessoal eu me dava com ele bastante ele vinha cá seguido, volta e meia vinha aqui conversar comigo, ele era bastante assíduo aqui no meu gabinete. Nós tínhamos um relacionamento muito bom. Rapaz muito simpático, muito acessível, muito lhano, no tratamento. Agora eu não acredito que o Jango, embora tivesse algumas condições de político, tivesse todo um ferramental, todo o instrumental necessário para fazer uma carreira igual à do Getúlio, por exemplo. Ele não tinha. Em primeiro lugar ele não tinha a cultura do Getúlio. O Getúlio veio de uma época em que o humanismo era levado mais a sério, era uma condição básica pro ingresso na política. Ele foi líder da maioria aqui do governo, enfim, sempre desfrutou de situação política de relevo, o Getúlio.

Já o Brizola era diferente. O Brizola tinha uma capacidade de liderança muito aguda, era um homem muito ambicioso politicamente, tremendamente ambicioso e muito apressado. E foi o que o perdeu. O Brizola se perdeu pela sofreguidão com que ele se atirou ao seu objetivo político, às suas metas. Ele, para atingir as suas metas, achou que a vida era curta e que o tempo era pouco, precisava fazer aquilo com muita pressa. Encontrou em certas oportunidades muita omissão, muita moleza das correntes, das forças que lhe eram opostas e aquilo o estimulou. Ele então começou a querer queimar etapas. Eu acho que se ele não tivesse se apressado tanto, tivesse agido com mais comedimento, com mais maturidade, ele teria tido uma evolução na sua carreira política sem descontinuidades, como ele teve. Teria subido sempre, porque ele tinha condições para isso. Em primeiro lugar, ele tinha uma capacidade de dedicação muito grande. O Brizola se aplicava a um objetivo, a um propósito, intensamente, na obtenção daquilo. E era um homem inteligente, um sujeito lúcido. Ele distinguia aquilo que lhe convinha e o que não lhe convinha, quais as reservas que ele devia usar e podia usar. E de um certo modo muito ousado, muito peitudo. Ele "metia os peitos". Aquela campanha do Adhemar de Barros, por exemplo, que ele fez, como político, e teve, afinal, sucesso. Ele fez aquilo nessas condições que eu sublinhei, nessas circunstâncias. Ele fez aquilo na raça, de peito aberto. Encampou a nossa rádio aqui, a "Rádio Guaíba", tomou conta e começou a movimentar. Afinal de contas ele mobilizou grande parte da opinião do Brasil todo.

Esse episódio da encampação da...

Breno —
O negócio foi o seguinte: ele me telefonou, eu estava em casa, e me disse que ia tomar conta da rádio. Eu disse: o senhor não pode fazer isso.

Isso em que época?

Breno —
Na legalidade. Quando o Jânio renunciou e o Jango estava na China. Lembra-se que o Jango estava na China? E veio a tempo, veio direto pra Porto Alegre primeiro. Veio aqui, até eu estive lá falando com ele. Me mandou um recado eu fui lá falar com ele no Palácio.

Então o Brizola me telefonou e disse que precisava da rádio, que ia tomar conta da rádio. Eu disse; não pode fazer isso: em primeiro porque isso é uma violência, e, segundo, esse negócio pode ter consequências que sejam muito danosas, porque a rádio é uma concessão federal. E ele: "mas eu já estou na rádio". Eu disse: mas então você está apenas me comunicando. Ele: mas eu não queria deixar de comunicar. E eu: mas, venha cá, o senhor tem que me mandar, o governo do Estado tem que assumir a responsabilidade disso, senão eu não entrego a rádio. Ele: sim, mas agora eu tomei conta. Eu: não, eu não entrego, eu vou resistir de uma maneira ou de outra, eu vou tirar do ar imediatamente. Aí diz ele: "não, o que é que o senhor quer?" Eu disse: eu quero um documento pelo qual o governo do Estado assuma a responsabilidade do que está fazendo. Não só pelos danos que vai ocasionar eventualmente, como também pela responsabilidade de tocar, violar a concessão federal. Ele: "não tem problema, isso eu mando, o que você quiser". Eu disse: eu vou pra lá agora.

Quando cheguei aqui estava isto ocupado, o prédio ocupado. Estava toda a Polícia Especial aqui, tinha uns 40, 50 homens da Polícia Especial, com metralhadoras, até não queriam me deixar entrar. Aí um policial me reconheceu e disse que eu podia entrar. Então o Brizola mandou um ofício, nos termos mais ou menos que eu tinha estabelecido. Então, eles puseram aí uns locutores e a estação começou a funcionar pra eles. Eles faziam proclamações, conclamações tocavam "jingles" comercial. Ele fez um movimento grande. E um belo dia terminou o negócio.

Dr. Breno, então, uma situação bem momentânea: como o senhor vê a possível volta do Brizola à política nacional?

Breno —
Eu acho que ele tem o direito de voltar e de atuar na faixa política, por quê não? Uma vez que ele tenha a sua situação legal definida e esclarecida. Uma vez que haja uma anistia, ou coisa assim, e parece que até formalmente o processo que há, um deles, parece que não tem muita consistência do ponto-de-vista político. Há deficiências formais, segundo eu ouvi aí.

O senhor acredita que ele tem condições, em termos de Rio Grande do Sul, de voltar a ser aquela figura empolgante politicamente?

Breno —
Acho que ninguém volta a ser o que era. Em primeiro lugar, porque ele já não é o mesmo. Em segundo lugar, a realidade onde ele vai atuar já não é a mesma. As circunstâncias são outras. Ele tem condições de liderança. Ele vai atuar e, com toda certeza. Ele está agindo agora com prudência, está vindo devagarzinho, está entrando, e vai aproveitar bem essa meditação forçada a que ele esteve dedicado 14, 15 anos. Ele deve aproveitar isso. Mesmo porque ele já não é mais criança, ele já tem cinquenta e tantos anos. O Brizola, tem uns 56, eu acho.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.