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Raimundo
Magalhães Jr.
Nomes e Datas

DIP
- Departamento de Imprensa e Propaganda, criado pelo decreto lei nº. 1949 de 30/12/1939. Era o órgão encarregado de praticar a censura nos jornais

Embaixador Americano -
Jefferson Caffery foi o embaixador americano no Brasil no período de 1937 a 1944

Goes Monteiro - General Pedro Aurélio de Goes Monteiro, nasceu em Alagoas em 1889 e morreu em 1956, no Rio de Janeiro. Em 1932 comandou as forças fiéis ao governo de Getúlio Vargas
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São Paulo, sábado, 6 de janeiro de 1979

Jornalistas contam a História — 2

OS ENSINAMENTOS DOS ANOS 30

Depoimento de RAIMUNDO MAGALHÃES JR.
ao repórter Gilberto Negreiros


Num momento como este, quando há pressões de todos os lados e os condutores do regime vigente, instaurado pelo movimento de 1964, se mostram empenhados em promover o "aperfeiçoamento democrático das instituições", é oportuno lembrar fatos do período de 1944/45, que culminou na derrubada da ditadura de Getúlio Vargas. Os acontecimentos dessa fase foram presenciados por Raimundo Magalhães Jr., censor de cinema no início do Estado Novo e, depois de passar dois anos no exterior para não ser preso, signitário do manifesto de março de 1945, em que os jornalistas denunciaram à nação o regime ditatorial.

A partir do seu depoimento, é possível, parodiando uma frase tão do gosto dos políticos antes de 64, afirmar: Lembrai-vos de 45. Afinal, Getúlio Vargas foi deposto justamente quando se empenhava no aperfeiçoamento de seu Estado Novo, com a anistia, novos partidos e até eleições gerais. É bom recordar também que, se na época foi permitido para Filinto Muller um dos responsáveis pelas torturas praticadas na ditadura saísse no final de tudo incólume e protegido pelas imunidade do mandato de senador.

A carreira de Raimundo Magalhães Jr. na grande imprensa carioca começa em agosto de 1930, quando participou da fundação do já extinto "Diário de Notícias". Entre passagens amenas, como a primeira entrevista dada por Carmem Miranda, publicada pela "Vida Doméstica", ele determinou que fosse feita uma reportagem com João Cândido, que em 1910 liderara a Revolta da Chibata, uma insurreição dos marinheiros contra os antigos corporais que recebiam nos navios da Armada. Publicada a reportagem, Raimundo Magalhães Jr., conta ter recebido telefonemas anônimos perguntando se ele queria experimentar a chibata.

Após a derrubada da ditadura, retornou ao "Diário de Notícias", onde permaneceria como um dos seis articulistas políticos até o início dos anos 60, acumulando o exercício do jornalismo com o mandato de vereador pelo antigo Distrito Federal (pertencia ao Partido Socialista Brasileiro). A chamada redemocratização foi, portanto, acompanhada de perto por Raimundo Magalhães Jr., para quem o precedente aberto com a cassação do registro do Partido Comunista Brasileiro e dos mandatos dos parlamentares eleitos por sua legenda, "foi o primeiro grande erro do regime de 46".


Eu queria colocar como questão inicial justamente o "Diários de Notícias", que teve sua grande fase no Estado Novo.
O seu proprietário, Orlando Dantas, foi o único dono de grande jornal a ser preso durante o Estado Novo, se não me engano, não é isso?

RAIMUNDO MAGALHÃES JÚNIOR —
Não sei, mas se foi preso foi por muito pouco tempo e, naquela época, era comum diretor de jornal ter problemas, quando não se rendia às diligências do governo. Muitos jornalistas foram presos, mesmo antes do Estado Novo. Edmundo, Paulo Filho, Paulo Bittencourt, vários deles foram presos. É raro o jornalista de oposição que não teve um período turbulento, um período delicado na sua vida. Eu não sei propriamente essa prisão do Dantas, se foi, foi uma prisão rápida ou então coincidiu com o período em que eu não estava no Brasil. Eu passei três anos ausente, durante o Estado Novo. Eu estive fora primeiro o ano de 1940 e novamente em 42 e voltei em 44. Em 1942 eu estive prá ser preso, mas consegui sair do País, fui para os Estados Unidos, voltei dois anos depois, já estava tudo esquecido, mas não foi por causa de artigo no "Diário de Notícias", porque eu não escrevi nada naquela ocasião.

Qual foi o fato então?

RAIMUNDO -
Eu escrevi em dezembro de 1941 um artigo com o título: "Pisando na Cola da quinta Coluna", pouco depois do bombardeio de Pearl Harbour, e fazia uma insinuação de que um dos mais fortes redutos do nazismo no Brasil era o Ministério da Guerra. O depoimento que eu vou te dar sobre o Dantas, em primeiro lugar é o princípio do "Diário de Notícias", eu fui um dos fundadores do "Diário de Notícias" e trabalhei lá com Dantas uns três anos seguidos, de 1930 a 1933, mais ou menos. E é curioso que, nessa época, Orlando Dantas era mais um homem de administração de jornal do que mesmo um diretor, ele tinha os diretores intelectuais, que era o Nóbrega da Cunha e Alberto Figueiredo Pimentel e tinha um redator-chefe muito bom que era o João Maria dos Santos, um negro de grande talento, educação na França, era um jornalista de grande capacidade, brilhante mesmo e o "Diário" ia mal nessa época, ia muito mal e ele começou pouco antes da Revolução de 1930, começou em agosto de 30.

Como jornal de oposição?

14.mai.55/Folha Imagem
Juarez Távora
RAIMUNDO — É, como jornal de oposição. E logo de entrada, logo depois da revolução, houve umas tolices, porque havia um redator político no jornal, chamado Agripino Nazaré, que depois, parece, foi ministro da Justiça do Trabalho, foi figura graduada no Ministério do Trabalho e era um homem destabocado, meio metido a revolucionário e logo que triunfou a revolução de Getúlio ele deu uma manchete que desgostou muito a Dantas. O Dantas arrancou o cabelo. A manchete era: "Todo Poder a Juarez Távora". Ele queria transformar o Juarez Távora em ditador, aquilo foi um escândalo tremendo. Eu fui secretário de uma edição da tarde do "Diário de Notícias", essa edição saía, mais ou menos, ao meio-dia e mantinha uma parte da matéria da "Folha da Manhã".

Uma ocasião o jornal estava em dificuldade e o Artur Bernardes foi procurar o Dantas e declarou que ele queria comprar umas ações do "Diário de Notícias", e Dantas disse que não queria intromissão de políticos no "Diário de Notícias". Ele disse: não, eu quero comprar umas ações, mas eu quero ficar longe do seu jornal e no dia em que você tiver condições para me recomprar as ações, você compra. E trocou uma carta com o Dantas nesse sentido.

O Dantas, então, vendeu ações a ele e mais tarde, realmente, recomprou sem nenhum lucro para o Artur Bernardes. Quer dizer, foi um capital que Bernardes imobilizou. Evidentemente não era grande coisa naquela época: 200 contos, 300 contos. Hoje isso é ridículo, mas naquela época era alguma coisa, né? Foi uma independência tremenda. Agora, ele tinha seus preconceitos, ele era sistemático, um homem sistemático nas oposições, nas opiniões.

Ele trabalhou com o Assis Chateaubriand, vocês sabem disso. Ele começou a vida de imprensa dele nos Associados. Rompeu com o Assis. Depois desse rompimento é que ele botou o "Diário de Notícias" para fazer frente aos "Associados", ele não reconhecia no Assis Chateaubriand nenhuma qualidade maior.

Também não tolerava o Getúlio. Principalmente depois do rompimento. No princípio o jornal era um jornal revolucionário, mas depois...

Esse rompimento se dá quando?

RAIMUNDO —
Ele se dá com a Revolução de São Paulo, em 32

Ele toma partido de quem?

RAIMUNDO —
Ele toma partido moderado porque não era possível, porque havia uma pressão grande, mas ele tinha simpatias. Daí ele começou a se afastar e então quando veio o problema da candidatura José Américo e o "Diário de Notícias" embarcou nela e houve aquela atrapalhada. Aí então ele foi definitivo.

Em 52 eu fiz uma viagem à Europa. Fiquei seis meses. Não deixei de escrever meu artigo um único dia no "Diário de Notícias". E da parte de Orlando Dantas muitas vezes as minhas opiniões não coincidiam com as dele, porque eu não era tão sistemático e, além do mais, ele era um liberal e eu era um socialista. A minha opinião era uma opinião socialista.

Então, muitas vezes eu escrevia um artigo com opinião inteiramente contrária à opinião do Dantas. Entrava lá, ele estava, eu ia sempre falar com ele, uma vez, duas por semana eu ia ao "Diário de Notícias". Chegava no gabinete dele: "Olha, Dantas, como vai e tal". Ele dizia: "Olha, aquele teu artigo de anteontem, eu não estou de acordo com nenhuma linha daquele artigo, mas eu sou como Voltaire, eu deixo que vocês digam o que quiserem, mas depois eu respondo nos meus editoriais". E assim Osório Borba, que também era um homem de opinião muito diferente da dele às vezes, ele não intervinha, ele dava resposta depois no editorial, que representava a opinião do jornal. Ele queria - era golpista ele - já aí não é tão liberalista, tão liberal, não é? Queria sanear o País pelo golpe e tal, mas desde que o golpe fosse com elementos como o Eduardo Gomes, uma figura assim. Mas o Osório Borba, Rubem Braga, Joel Silveira, eu, e outros, nós dávamos a nossa opinião e não havia problema nenhum. Nunca houve um choque. Agora, depois que ele morreu, a primeira vez que eu entrei em choque no "Diário de Notícias", fizemos polêmica em duas ou três vezes no editoriais, na quarta ou quinta vez, o Prudente de Morais Neto, me telefona e diz: "Olha Magalhães, tenho que te comunicar uma coisa desagradável, teus artigos não podem sair mais". Eu disse: "Já contava, estava esperando por isso".

Agora, voltando a um ponto que foi abordado por você. O Orlando Dantas foi o único que não recebeu dinheiro do governo na época da ditadura. Era essa uma exceção?

RAIMUNDO —
Eu não digo que tenha sido o único, eu não posso, eu não sei, realmente, quem recebia dinheiro. Agora sei que outros jornais frequentavam bastante o gabinete do Lourival Fontes. Sei que alguns fizeram parte de um Conselho de Imprensa.

É, o Conselho Nacional de Imprensa

RAIMUNDO —
Que decretava punições para aqueles que escreviam coisas contra as determinações do DIP.

Que tipo de punições eram?

RAIMUNDO —
A punição era a suspensão do jornal por 5 dias, por 10 dias, proibição da importação de papel e outras coisas assim, eram tremendas.

Agora, esse período, início de 45, a decomposição do Estado Novo, como é que o "Diário de Notícias" marca a posição dele nessa fase. Getúlio tentando se segurar ainda no Poder.

RAIMUNDO —
Não, o "Diário de Notícias" entrou na campanha, mas não foi ele que abriu a campanha. Aí houve algumas coisas, que determinaram a queda das ditadura. Foram: o congresso de escritores em São Paulo, já aquilo foi um desafio...

Em 1945?
20.out.77/Folha Imagem
O escritor José Américo de Almeida

RAIMUNDO — Em 44, logo depois desse congresso de escritores, veio a conspiração pela entrevista do Zé Américo de Almeida. O Zé Américo de Almeida é o candidato das esquerdas, não vamos dizer o contrário, o Zé Américo, quando foi candidato em 37, ele era o candidato das esquerdas. Os manifestos, a favor do Zé Américo são assinados por todos os intelectuais de esquerda do Brasil. Houve uma conspiração em fins de 44, princípios de 45, e o instrumento dessa conspiração foi o Carlos Lacerda. Ele foi mandado fazer uma entrevista para sair simultaneamente no "Diário Carioca", no "Correio da Manhã" e no "Diário de Notícias", que eram os três grandes jornais da manhã. Mas houve um problema qualquer, um desencontro e acabou saindo só no "Correio da Manhã". Depois, os outros publicaram.


Nesse episódio da entrevista do Zé Américo fala-se, comenta-se, até hoje, da participação da Embaixada americana.

RAIMUNDO —
Eu não acredito, o Getúlio era "persona grata" dos americanos naquele momento. Roosevelt veio aqui se encontrar com ele em Parnamirim, ele tinha servido a todos os interesses americanos, o que é que os americanos podiam exigir de Getúlio, que Getúlio não desse? Deu a base, deu base naval no Recife.

A guerra já estava terminada praticamente.

RAIMUNDO —
Estava terminada, mas eles não tinham razão nenhuma para jogar fora o homem que tinha valido a eles, naquele momento difícil. Eles jogaram fora o Salazar que deu os Açores prá eles, heim? Jogaram fora o Fulgêncio Batista, o Franco? Então, está aí, já vê que não havia motivos. Não, não acredito. Se houve um movimento nacional depois, aí sim, aí houve participação do embaixador americano, que até foi chamado depois aos Estados Unidos. Parece que o Departamento de Estado não gostou muito. Mas ele era um liberal, mesmo.

Ele se entusiasmou demais?

RAIMUNDO —
Se entusiasmou e fez dois discursos. Um para ser ouvido por jornalistas onde felicitava de o Brasil marchar prá democracia e tal, restaurar e tal, etc, as franquias, né? Essa coisa toda e o Getúlio ficou danado com isso. Imediatamente os jornais oficiais atacaram muito o embaixador por intromissão nos assuntos internos.

Agora, a entrevista do Góis Monteiro é dada com exclusividade ao "Diário de Notícias". Quando o Góis Monteiro voltou do Paraguai, não é?

RAIMUNDO —
Voltou do Uruguai e veio para liquidar o Estado Novo.

Veio para derrubar Getúlio.

RAIMUNDO —
Liquidar o Estado Novo. Não, liquidar o Getúlio, não. Liquidar o Estado Novo.

O Estado Novo?

RAIMUNDO —
Ele disse que vinha liquidar o Estado Novo, porque ele queria ser o antecipador das reformas políticas.

Seria uma ambição pessoal, puramente, ou ele refletia, assim, uma apreensão do Exército?

RAIMUNDO —
Talvez ele não quisesse a divisão das Forças Armadas, mas no fundo ele queria para ele a Presidência da República. Esse homem foi dominado por uma obsessão de chegar ao Poder. Chegou ao Senado e nada mais do que isso, entendeu? E o general Góis Monteiro era um figura muito curiosa. Uma ocasião fiz uma entrevista com ele, quando ele chegou dos Estados Unidos. Depois de fazer a entrevista, na qual ele dizia que o general Eisenhower era um incompetente, que o general Marshall era um toleirão, ele disse as coisas mais tremendas sobre a organização militar americana; ainda insistindo em que os alemães só estavam sendo derrotados porque havia uma conspiração mundial. Terminada a entrevista, ele disse: "lê, lê que eu quero ouvir". Aí eu recitei pra ele e cometi depois uma indiscrição, uma tolice, que, jornalisticamente, eu não me perdôo até hoje: Eu disse: "General, se fosse qualquer outra pessoal que desse essa entrevista, não fosse o senhor, essa pessoa corria o risco de ser fuzilada". Ele disse: então, rasga e vamos fazer outra. E me obrigou a rasgar, e deu tudo ao contrário do que tinha dado. Você vê que coisa inacreditável? Mas ele era muito inteligente. Era muito cínico e muito inteligente.

Parece que ele se gabava de falar assim de malabarismos de linguagem nas entrevistas dele.

RAIMUNDO —
Ele criava. Ele tinha o dom de criar frases que pegavam. Ele criou uma vez um advérbio assim: "Agirei niponicamente". Aí, isso pegou, a imprensa toda fez.

Niponicamente agirei. Traiçoeiramente...

RAIMUNDO —
Agirei niponicamente. Não, é de maneira drástica, quer dizer, como os nipônicos estavam agindo na China e tal, devastando.

Agora, um ponto que eu queria abordar também é essa questão de relacionamento do jornalista, o profissional mesmo de imprensa e o DIP. Me parece que você foi do DIP?
Mas você foi censor em que período?

RAIMUNDO — Eu fui de 36 a 40. Aí, o filme foi aprovado e produziu-se dentro do DIP não era DIP ainda era Departamento de Difusão. Produziu-se um pânico lá dentro porque disseram que iria haver intervenção do Ministério da Guerra, dentro do órgão.

Um outro ponto que eu queria saber também, você falou na questão do Congresso dos Escritores, né? E...

RAIMUNDO —
Eu não fui do Congresso dos Escritores, mas acompanhei daqui, foi uma coisa importantíssima.

Mas ele foi muito marcante. Na época estava saindo um ensaio de um escocês, (ou americano?) "Os Irresponsáveis", em que ele anunciava a omissão dos intelectuais na Europa diante do nazismo, não é? Archibald Mac, não sei se você conhece, na época era muito citado.

RAIMUNDO —
É isso. O Congresso foi muito útil e ainda havia uns resquícios de integralismo aí e tal. Uma coisa que também nunca pegou com o Dantas foi o Integralismo, né? Nunca teve, nunca deu guarida. Havia uma pressão muito grande sobre a imprensa, naquela época.

Mas eles chegaram assim a algum grande jornal? Chegaram a ter uma...

RAIMUNDO —
Não, aqui no Rio eles encontraram resistência da maior parte dos jornais, a não ser da "Gazeta de Notícias", que estava inteiramente vendida aos interesses dos alemães.

Mas eles foram obrigados a fundar o próprio jornal, aqui no Rio, chamado o "Ofensiva".

RAIMUNDO —
Eu fui do DIP porque comigo aconteceu uma coisa muito curiosa. Eu não era do DIP eu era de uma outra coisa que se chamava Departamento de Propaganda e Difusão Cultural, onde estava a censura do cinema. Eu era censor de cinema. Então, era um censor de cinema muito liberal. Dentro da censura havia elementos muitos liberais. Basta dizer o seguinte: que colegas meus da censura eram Vinícius de Moraes, o Pedro Dantas, Nazareth Prado, dos Prados de São Paulo. Agora, tinha outra, tinha um católico chamado Perilo Gomes, que era um homem do Itamaty; tinha outro do Itamaty, que foi depois ministro, que era caricaturista, também, Nemésio Dutra; houve uma senhora integralista, dona Maria Engraçadinha Pena, dona Maria de Oliveira Pena; tinha o nome de Engraçadinha, era mãe deste ministro Oliveira Pena, do Itamaty; e dona Stela Guerra Duval e umas outras pessoas. Os problemas nossos foram principalmente no tempo da revolução espanhola. Nós recebemos vários protestos da delegação da Embaixada da Espanha, porque não aprovamos um filme chamado "Bloqueio". O assunto era o bloqueio do portos espanhóis, apresentando o fascismo de Franco de uma maneira bastante violenta. Bem, tivemos problema com o "Último Trem de Madri", e outros filmes dessa espécie. Mas o principal problema foi o filme baseado no romance de Erich Maria Remarck, chamava-se "O Regresso", "A Volta". Era a volta dos soldados alemães derrotados na França para dentro da Alemanha, e tentavam encontrar suas famílias, seus filhos, seus lares, aquela coisa toda. Esse filme foi aprovado por uma turma da qual faziam parte o Dantas, o Vinícius, eu, e não me lembro quais outros. Aprovamos o filme. O filme, realmente era muito bom, um filme antinazista. E se não me engano já era 1939.

Voltando ao "Diário de Notícias", por que é que ele era caracterizado como um jornal que os militares tinham preferência?

RAIMUNDO —
Ah, pelo seguinte: é a coisa mais interessante do Dantas. Na época da maior perseguição ao jornal, ele colocou repórteres nos Ministérios militares, para dar o maior noticiário possível do interesse dos militares: promoções, remoções, e tudo, festas militares e tal. De maneira que os militares liam, sistematicamente, o "Diário de Notícias" e então o editorial isso foi realmente admirável da parte dele poder influir num meio que podia mudar os caminhos do Brasil.

Mas considerado o tempo que o Estado Novo durou essa tática não...

RAIMUNDO —
Não. Essa tática foi boa. Agora ele tinha que manter aquilo. Compensava a ele do ponto de vista de ter leitores qualificados. Agora, ele sabia que aquilo era um coisa lenta, não vinha de um dia pro outro, ele estava preparado pra isso.

Essa fase entre a derrubada do regime e a volta do regime Constitucional de 46. Por exemplo, a questão das torturas na Chefatura de Polícia.

RAIMUNDO —
Não, é o seguinte: é sabido que o Filinto Muller fazia executar pessoas que ele considerava inimigas das idéias do regime, que às vezes eram inimigas das idéias pessoais dele. Ele era um homem truculento e fazia uma sistemática de repressão, através da Polícia Especial. Era no Quartel da Polícia Especial, no Morro de Santo Antonio, um lugar inacessível, onde não tinha tráfego de civis e eles podiam bater à vontade, o sujeito gritava e ninguém ouvia. E aí mataram muita gente.

Derrubado o Estado Novo, ninguém tomou a iniciativa de apurar, fazer a apuração desses casos, assim?

RAIMUNDO —
Houve, mas não teve êxito porque o Filinto Muller subiu imediatamente com o Dutra, para posições políticas. Ele e os irmãos em Mato Grosso, que era o Estado do presidente da República. Ele teve imunidade sempre. Não deixou nunca de ter. Morreu com imunidades. Morreu senador da República, naquele acidente de avião, não é? Ele procurou se colocar dentro do oficialismo. E, depois, à medida que o passado vai ficando pra trás o negócio vai sendo muito mais difícil.

Mas houve uma tentativa, houve uma CPI na Câmara.

RAIMUNDO —
Houve, mas não produziu nada, você sabe como são essas coisas, né?

Mas a questão ainda das torturas do Estado Novo, terá havido assim um acordo tácito pra não se mexer no problema?

RAIMUNDO —
Não, não acredito. Talvez dificuldades de obter os elementos necessários, porque os cúmplices não iam se delatar, né? Pegar médicos da Policia Especial que assinaram atestados de óbitos, como colapso cardíaco de sujeitos que levaram pancadas. Se hoje fizerem isso, você acha fácil levantar isso hoje?

Sabe-se que houve muita violência no Morro Santo Antonio, na Polícia Especial, aquilo era sabido, era mesmo.

Você viveu esse período de 45, esse processo de agonia do Estado Novo e os fatos que estão ocorrendo agora. Você traçaria um paralelo? Como você compararia?

RAIMUNDO —
Eu não comparo pelo seguinte, porque não é possível, é um período histórico inteiramente diferente. Em primeiro lugar, Getúlio, quando estabeleceu a sua ditadura, ele outorgou uma Constituição que não foi nem executada. Fechou o Congresso. O regime que veio de 64 pra cá é um regime que não permite a participação dos brasileiros em geral no seu sistema, na vida política brasileira. Mas ele se preocupou, com algumas formalidades que o Getúlio colocou de parte: mantém um Congresso, ainda que seja um Congresso de carimbo, mas mantém um Congresso. E, dentro desse Congresso, de quando em quando, uma pessoa se destaca lá e faz um discurso, um grande discurso. Faz declarações que repercutem no País inteiro e provocam um problema. Nós vimos isso, às vezes, com o risco de ser cassado e tal, mas colocam os problemas. Então, com toda a censura que houve para a pequena imprensa e mesmo para a grande imprensa nesse período, não se pode comparar com o período de Getúlio de maneira nenhuma. O período da ditadura do Getúlio foi uma ditadura realmente séria, severa. Essa tem tido de quando em quando um endurecimento e depois uma certa complacência, não é?

Então, para encerrar, eu lhe peço que diga quando se aprecia a chamar redemocratização de 46 com a atual.

RAIMUNDO —
A de 46 foi fraudada logo pelas cassações. Foi o primeiro erro eu considero aquilo um erroque foi um processo de degeneração.

A cassação dos mandatos...

RAIMUNDO —
Dos mandatos comunistas, que abriram caminho para a cassação de outros mandatos, que é uma coisa sem precedente no Brasil. Onde é que você encontra esse precedente?

Eu acho que foi um erro, um erro grave. Os comunistas não teriam chegado ao Poder, como não chegaram na Espanha agora. Eles eram a minoria e os regimentos das Casas de Congresso não permitiam que eles tivessem atuação muito significativa. Não podiam perturbar o processo Legislativo. Eu achei uma coisa inteiramente errada. Agora, que a lei eleitoral no início foi boa, isto foi. Porque permitiu a organização de todos os partidos, a organização partidária mais fácil. Agora nós temos esse bipartidarismo que não pode substituir. Eu acho que uma das coisa a corrigir é essa.


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