Leia mais sobre
Edmundo Moniz
Nomes e Datas

(1) —
Editoriais do "Correio da Manhã" de 31 de março ("Basta") e de 1o de abril de 1964 ("Fora")

(2) José Oiticica
foi professor de Português do Colégio Dom Pedro 2o e se autoclassificava como anarquista

(3) — Marechal Henrique Teixeira Lott dirigiu o movimento de 11 de novembro de 1955 que afastou Carlos Luz e Café Filho da Presidência da República, instalando Nereu Ramos como presidente e dando condições para que Juscelino Kubitschek tomasse posse em 31 de janeiro de 1956

(4) — Confederação Geral dos Trabalhadores, organismo dissolvido após o Movimento de março de 1964.

(5) Crise surgida após a renúncia de Jânio Quadros à Presidência da República e com o veto dos ministros militares à posse de João Goulart, vice-presidente eleito. O veto só foi superado com a aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional que estabeleceu o Parlamentarismo no Brasil

(6) — José Aparecido, ex-deputado cassado, da UDN, que foi um dos mais íntimos colaboradores de Jânio Quadros

(7) —
Marechal Eurico Gaspar Dutra, presidente da República, eleito após a queda do Estado Novo (1945), do qual foi ministro da Guerra. Em 1950, passou a Presidência a Getúlio Vargas

(8) —
Marechal Odilio Denis, ministro da Guerra do governo Jânio Quadros, um dos ministros responsáveis pelo veto à posse de João Goulart

(9) —
Realizada em 6 de janeiro de 1963, o plebiscito proposto por João Goulart aprovou o retorno ao presidencialismo

(10) —
Ranieri Mazzili, presidente da Câmara dos Deputados em 1964, assumiu a Presidência da República em 2 de abril de 64, empossando poucos dias depois o marechal Castelo Branco como presidente

(11) —
Mourão Filho, primeiro comandante militar a levantar-se contra João Goulart em 31 de março de 1964. Posteriormente, foi ministro do Superior Tribunal Militar

(12) —
Niomar Moniz Sodré Bittencourt, proprietária do "Correio da Manhã". Após 64, foi processada, acusada de delito político. Em 1969, sofreu novo processo. Deixou a direção do "Correio da Manhã" em 11 de setembro de 1969

(13) — Jornalista e diretor-presidente do "Correio da Manhã", até sua morte, em 2 de agosto de 1963

___________
Leia também os
depoimentos de:


- Barreto Leite Filho
- Raimundo Magalhães
- Paulo Mota Lima
- Paulo Duarte
- Joel Silveira
- Hermínio Sacchetta
- Odylo Costa, filho
- Breno Caldas
- Samuel Wainer
 
 

São Paulo, sexta-feira, 12 de janeiro de 1979

Jornalistas contam a História — 8

1964, FIM DE UM CICLO DE CRISE

Depoimento de EDMUNDO MONIZ
ao repórter Gilberto Negreiros


1961/Folha Imagem
João Goulart

No dia 3 de abril de 1964, após longa discussão que envolveu o corpo de redatores e a diretoria, Edmundo Moniz viu publicado, na primeira página do "Correio da Manhã", o editorial "Terrorismo Não", de sua autoria. O velho "Correio", expoente da imprensa liberal que deixou de circular em 1975, 48 horas antes, havia saído com outro editorial. "Fora" no qual Edmundo Moniz afirma ter apenas colaborado —onde pedia a deposição do presidente João Goulart.

Com o segundo editorial, o "Correio da Manhã", surgia como voz discordante no meio das comemorações da vitória do movimento militar de 64, para, logo em seguida, tornar-se opositor intransigente do caráter autoritário que se acentuava no novo regime. A partir de abril de 1964, o "Correio" iniciava também um processo de agonia. O liberalismo inflamado, que em outros tempos fizera a glória do jornal carioca, logo seria tornado impotente diante do AI-5.

Essa fase foi vivida por Edmundo Moniz, primeiro como chefe de redação e depois como articulista. Em 1968, antes mesmo do AI-5, foi envolvido num processo na Justiça Militar, sob a tríplice acusação de ser membro da organização Resistência Armada Nacionalista, trotskista e, ao mesmo tempo, filiado ao Partido Comunista Brasileiro. "Não sei até hoje como conseguiram juntar essas acusações", comenta Edmundo Moniz.

Entre tantas atribuições, esse processo lhe custaria um período de exílio que se estendeu de 1969 a 1976, quando retornou ao Brasil já absolvido e o desaparecimento de várias cartas que lhe foram escritas pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, após 1964.

"Foi logo depois do AI-5. Eu estava com prisão preventiva decretada e eles vieram me procurar em casa. Não me encontraram, mas revistaram tudo e apanharam as cartas. Não sei que fim deram a elas pois não apareceram como peça do processo. Numa das cartas, que me impressionou muito pela visão que Juscelino demonstrou, ele mostrava que não pode haver democracia sem anistia".


*

O "Correio da Manhã", em 1961, liderou uma campanha da grande imprensa pela posse de João Goulart. Três anos depois, o jornal esteve na liderança de outra campanha, pela deposição de Goulart. Não há uma incoerência nessa atitude, da qual os fatos marcantes foram os dois editoriais, o "Fora" e o "Basta" (1)?

Edmundo Moniz
— Eu não vejo nenhuma incoerência nas duas atitudes do "Correio da Manhã". Para mim, uma completa a outra. O "Correio" foi sempre um jornal tradicionalmente favorável à liberdade democrática. Era um jornal conservador mas liberal e, sobretudo, defensor do respeito à Constituição. Isso não quer dizer que esse respeito fosse absoluto porque, muitas vezes, eram as próprias exigências políticas que forçavam a tomada de uma posição que nem sempre constituiu o exato cumprimento da Constituição, quando estava em jogo o regime. Nós temos que examinar os fenômenos políticos não num sentido absoluto, mas num sentido dialético, com as suas contradições. O "Correio da Manhã" defendia o regime democrático, defendia a Constituição, embora não de uma maneira absoluta, não como um dogma. Este era o ponto de vista, historicamente falando, que eu veria na posição do jornal.

O "Correio da Manhã defendeu essa posição e isto lhe custou até o fechamento por dois ou três dias.

Por ordem de quem?

Edmundo
— Por ordem do governo do Estado da Guanabara, do Carlos Lacerda. Pelo menos era a ele que se atribuiu o fechamento na época, porque havia uma espécie de caos, praticamente o país não tinha governo e, na Guanabara, quem governava era o Carlos Lacerda.

Mas, o "Correio da Manhã" reabriu com as mesmas posições e defendeu a posse do Jango. Defendeu o Parlamentarismo, desde quando o Parlamentarismo foi votado pelo Congresso, embora a posição do "Correio da Manhã", teoricamente, fosse antiparlamentarista, ou melhor, o "Correio da Manhã" defendia o presidencialismo.

Recolocada a questão das chamadas Reformas de Base, como se situou o "Correio da Manhã"?

Edmundo
— O "Correio da Manhã" defendeu as Reformas de Base, sobre tudo a reforma agrária. Evidentemente que o "Correio" sendo um órgão liberal, nem sempre as idéias dos colaboradores favoráveis à reforma agrária e as do jornal coincidiam.

Quando se deram divergências entre a direção do jornal e os colaboradores, como foi solucionado o problema?

Edmundo
— Nunca houve divergência entre os colaboradores e o jornal porque o jornal dava liberdade plena aos seus colaboradores, desde que assinassem os artigos e desde que não fosse uma posição frontalmente oposta a do jornal. Quer dizer, se viesse um colaborador pedir a dissolução do Congresso, fechamento da imprensa, evidentemente aí haveria um choque entre os colaboradores e a direção do jornal. Evidentemente, a direção do jornal não consentiria em uma coisa dessas.

Mas, em suas linhas gerais, o "Correio da Manhã" sempre acolheu as colaborações dos mais diversos representantes das ideologias políticas e sociais. Nunca o "Correio" tomou uma posição dogmática contra essa ou aquela tendência. Ao contrário, vários elementos de esquerda colaboraram com o jornal. O José Oiticica (2), durante muitos anos, colaborou, defendendo os seus pontos de vista. E o "Correio" não era anarquista, pelo contrário, era contra o anarquismo, que achava uma utopia. Mas não impedia que um dos seus colaboradores escrevesse defendendo essa utopia.

A partir de quando o "Correio da Manhã" acentua a posição crítica em relação a João Goulart?

Edmundo
— Ele foi sempre um jornal de oposição. Nunca o "Correio da Manhã" se atrelou ao carro do governo. Ele defendeu a posse do Juscelino Kubitschek, em 1955, e, entretanto, não era um jornal que apoiasse o governo do Juscelino. Ele criticou vários pontos desse governo e, muitas vezes, com muita energia e com muita severidade. O fato de ser favorável à posse de Juscelino não queria dizer que fosse o jornal do Juscelino, o jornal do governo.

Mas, há quem diga que essa relação entre o "Correio da Manhã" e o governo JK foi o começo do processo de decadência, porque o "Correio da Manhã" se atrelou e perdeu a combatividade a partir desse momento.

Edmundo
— Ao contrário, o "Correio da Manhã" nessa época manteve a maior independência política. Inclusive, o "Correio" combateu a construção de Brasília, combateu vários ministros do governo de Juscelino. O próprio Lott (3), que o "Correio" tinha apoiado quando depôs o Café Filho e o Carlos Luz, o próprio Lott moveu uma ação judicial contra o "Correio da Manhã", porque ele estava atacando alguns aspectos da administração do Lott, que era a figura forte do governo de JK. Nessa época, o "Correio" acolhia, com muita simpatia, a UDN, que era um partido adversário de Juscelino. E, nas eleições presidenciais, o "Correio" não tomou uma posição ao lado de Juscelino. Ficou numa posição de equidistância, embora simpáticos ao Juscelino, mas não de apoio integral.

Portanto, não há decadência do "Correio da Manhã". Ao contrário, foi uma posição profundamente coerente com as suas tradições e com a sua ideologia natural.

Voltando àquele período do governo João Goulart. A partir do momento em que surge em cena o trabalhador mobilizado, através da CGT (4), surgem as greves. Como o "Correio da Manhã" reagiu a isso?

Edmundo
— Ele reagiu de maneira racional. Apoiou muitas greves e combateu muitas outras. Mas, a posição do "Correio" foi sempre de respeito ao direito de greve.

Sobre a crise de 1961 (5), o "Correio da Manhã" foi surpreendido? Não só o "Correio", mas a grande imprensa foi surpreendida com a renúncia de Jânio?

Edmundo
— Foi. Eu acho que não houve ninguém no Brasil que não se surpreendeu com isso. Até os próprios companheiros do Jânio. Não houve sinais anteriores. Até o José Aparecido (6) se surpreendeu com a renúncia ou com a idéia da renúncia.

O Aparecido era...

Edmundo
— Era o homem mais ligado ao Jânio naquela época, ou um dos mais ligados. E até ele se surpreendeu. Quer dizer, a renúncia do Jânio Quadros representou uma surpresa nacional.


31.jan.61/Acervo UH/Folha Imagem
Jânio Quadros assume a presidência da República. À sua esq., o vice-presidente João Goulart, e à dir., o ex-presidente Juscelino Kubitschek


A posição dos três ministros militares contra a posse de João Goulart, pretextando as vinculações dele com o comunismo, foi surpresa?

Edmundo
— Não poderia ser surpresa nem não surpresa. Foi uma coisa que aconteceu. O "Correio" não imaginava que os ministros militares fossem combater o Jango Goulart porque ele era comunista. Evidentemente, achava isso uma insensatez, porque o Jango podia ser acusado de qualquer coisa, menos de comunista. Era uma manobra militar e política que o "Correio" não poderia aceitar.

Isso não apresentou como uma manifestação de uma minoria que, apesar de estar na cúpula do Exército, utilizava uma manobra para trazer as Forças Armadas para um tipo de golpismo?

Edmundo
— Em primeiro lugar, o "Correio da Manhã" nunca foi um jornal anticomunista. Pelo contrário, defendeu a legalização do Partido Comunista e combateu o Dutra (7), quando ele propôs a ilegalidade do partido. E não só o "Correio da Manhã", a UDN também foi contra. O "Correio" não tinha nenhuma posição preconceitual contra o se chamar fulano de comunista, porque ele sempre encarou isso de um ponto de vista doutrinário.

Durante a crise de 61, a posição dos ministros militares, que era basicamente a do marechal Denis (8), divergia muito da posição do Exército, encarnada pelo marechal Lott.

Edmundo
— Eu acho que havia uma contradição profunda dentro do Exército e dentro do próprio Denis, porque o Denis sustentou a posse do Juscelino e do Jango e, se sustentou a posse do Jango como vice-presidente, sustentou a possibilidade de o Jango ser o presidente, no caso do Juscelino renunciar ou se afastar do governo. Depois, ele voltar-se contra o Jango para impedir sua posse, com a renúncia de Jânio Quadros, é uma contradição.

Sim, mas ele expressava...

Edmundo
— Ele expressava um bloco definido de direita que, mais tarde, cada dia foi mais se aproximando desse golpe. Mas, eu não sei qual foi o processo psicológico ou político que o levou a se tornar um líder anticomunista no sentido militante do termo. Mas, evidentemente, há uma contradição entre a posição dele em 61 e em 55. Há uma contradição profunda, mas dentro do Exército sempre houve tendências. Sempre houve uma tendência democrática e sempre houve uma tendência direitista. Eu não sei como a facção direitista atraiu o general Denis para as suas posições mas, evidentemente, ele acabou se manifestando ao lado da direita do Exército.

Tanto havia uma parte do Exército que era democrática, que muitos militares de real valor, de real significação, foram depostos, reformados e afastados do Exército em 1964. O expurgo nas Forças Armadas, no Exército, na Aeronáutica, na Marinha, demonstra muito bem a divisão existente, a existência de duas posições definidas, uma democrática, outra antidemocrática.

Agora, vamos correr no tempo e chegar ao período 63/64.

Edmundo
— Da mesma forma que o "Correio da Manhã" não se atrelou ao carro do governo do Juscelino, também não se atrelou ao carro do João Goulart.

De uma certa forma, o "Correio" apoiou o plebiscito (9) e a restauração do presidencialismo, que coincidia com os pontos de vista de João Goulart. Defendeu as reformas de base, o que coincidia, também, com os pontos de vista de João Goulart. Mas isso não quer dizer que estivesse atrelado ao carro do governo, que fosse um jornal governista.

O "Correio" combatia os atos administrativos de Jango, os aspectos da sua política econômica, financeira, aquilo que o "Correio" achava que estava errado. E também apoiava o que coincidisse com seu ponto de vista.

Então, houve uma crise muito grande em todo o país, uma crise que atingiu as Forças Armadas, o empresariado, o proletariado. O próprio Goulart viveu horas difíceis, com a insurreição dos sargentos, que não era nem pró, porque era contra ele, e que não era propriamente feita pelos inimigos dele. Ao contrário, os inimigos não aceitavam aquela revolta dos sargentos. Depois do golpe de 64, ainda tinha sargento preso por causa da insurreição que houve em Brasília para depor o governo.

Quando da queda de Goulart, o "Correio da Manhã" não se colocou ao lado de nenhum bloco com a imprensa anti-João Goulart. O "Correio" ficou numa posição independente, sem compromisso com nenhum outro jornal, sem compromisso com o João Goulart, sem compromisso com a UDN, sem compromisso com os militares. O "Correio" estava numa posição definida, de acordo com o que ele sempre seguiu. Estava fiel a si próprio.

Mas, o "Correio da Manhã", de repente, foi surpreendido, ou encontrou-se, diante de uma crise política, diante de uma crise militar. Então, o "Correio" defendeu uma atitude própria, que o Jango tomasse certas medidas como presidente da República, para normalizar a situação, para superar a crise. Que ele, como presidente da República, devia dar um basta àquela situação de crise inequívoca.

Ao mesmo tempo, nesse mesmo artigo, defendia a continuação de João Goulart até o fim do seu mandato.

Sim, mas parece que o "Basta" foi no dia 31 e o "Fora" no dia 1o.

Edmundo
— O "Fora" foi consequente da posição do João Goulart, porque desde que ele abandonou o governo, desde que saiu ou estava disposto a sair, o "Correio da Manhã" passou a defender uma posição legalista, que era a da posse do Ranieri Mazzilli (10).

Mas quando o artigo "Fora" saiu, pela manhã, o João Goulart ainda se encontrava aqui no Palácio Laranjeiras.

Edmundo
— Já estava praticamente deposto...

Conta-se que ele, quando pegou o jornal e viu o artigo, teria comentado com desalento: 'Olha o que o "Correio da Manhã' está dizendo aqui".

Edmundo
— No dia 31, o Jango já se preparava para abandonar o governo. Foi diante de um fato consumado que o "Correio" defendeu a sucessão legal. Porque na véspera ele tinha defendido a continuação de Jango. E se Jango tivesse reagido e defendido o regime, acredito que o "Correio" teria defendido a posição constitucionalista e o próprio Jango. Como mais tarde se manifestou contra o regime que foi instaurado. Porque o jornal tem que se manifestar diariamente diante do acontecimento e tem que ter uma saída para aquela situação.

O que o "Correio da Manhã" propunha ao presidente da República?

Edmundo
— Propunha precisamente uma normalização da situação. Havia uma crise militar, decorrente da Revolta dos Marinheiros, de vários acontecimentos políticos, uma crise que não foi inventada pelo "Correio"; ele também se viu no redemoinho da crise, como todo o País se viu. O próprio "Correio" advertia o Jango para o perigo de uma ditadura militar, de uma vitória da direita.

Você é autor dos dois editoriais "Basta" e "Fora"?

Edmundo
— Não, eu tive conhecimento do jornal, eu só sou autor daquilo que eu assino, quer dizer, defendi essa posição que estou aqui manifestando. O artigo foi feito pela redação e eu não posso dizer o autor dos artigos, eles são de responsabilidade do jornal. Aqueles dois editoriais foram muito alterados, talvez fossem escritos por muita gente. Não escrevi o artigo, mas o alterei. Toda a redação mexeu.

Quando o "Basta" foi escrito, já se sabia da movimentação da coluna do general Mourão Filho (11)?

Edmundo
— Já, já, já. Não sei se já se sabia da movimentação do Mourão, mas havia várias manifestações militares contrárias ao governo. Então chegou o momento em que o jornal lançou o "Basta". E depois o "Fora", defendendo a restauração da legalidade, como o havia feito em 1955. Defendeu a ascensão natural de Mazzilli, que, depois de assumir o governo, baixou as regras das eleições que deveriam ser feitas pelo Congresso. Regras essas que foram modificadas pelo governo militar, porque o Ato Institucional não foi assinado pelo Mazzilli, foi assinado por uma Junta Militar, que se compôs aqui no Rio. E também o ato que criava a desincompatibilização foi insurrecional, porque o Castelo Branco era o chefe do Estado-Maior do Exército, que era inelegível. Então foi anulada a inelegibilidade, para que o Castelo assumisse, fato que o "Correio" combateu.

O "Correio" sabia da existência desses conspiradores, a nível de direção do jornal?

Edmundo
— Evidentemente, mas a direção do jornal estava preocupada com a defesa do regime, da Constituição, do Congresso. O jornal estava temendo elementos extremados, dentro do governo, mais propício para um golpe tipo Estado Novo, e temendo que os militares dessem um golpe para estabelecer uma ditadura. O "Correio" não tinha nenhuma ligação com os conspiradores e manifestava-se contra a insurreição de Mourão, como também não tinha nenhum compromisso com o João Goulart.

Era uma posição isolada até certo ponto; às vezes, a "Última Hora" coincidia com o "Correio". Quando o "Correio" começou a escrever os artigos contra o Ato Institucional, contra o terrorismo do governo, contra a violação das liberdades democráticas, contra as cassações, a "Última Hora" publicava na primeira página os artigos do "Correio" que ela não queria, ou não podia dizer. A "Última Hora" acabava de ser empastelada e, então ameaçada, publicava os artigos do "Correio". Mas o "Correio" não coincidia com a posição de "O Globo" nem com a do "O Estado de São Paulo", ou do "Jornal do Brasil". O "Correio" não entrou em bloco nenhum a favor do movimento de 64, pelo contrário, ele ficou neutro. O desejo era que tudo se realizasse diferente do que aconteceu. Então, às vezes, a aparente imprecisão do jornal. Aparente, porque tinha de examinar os acontecimentos e tomar posições imediatas, às vezes acontecimentos que surgiam fora de qualquer prognóstico.

Nunca o "Correio" acreditou nos compromissos democráticos da chamada Revolução. Tanto assim que, durante muito tempo, o "Correio" só falava em Revolução entre aspas. Porque a posição do jornal é que se tratava simplesmente de um golpe militar. Então, toda a tecnologia do "Correio" é baseada num combate à ditadura militar.

Seus dirigentes sofreram ameaças e pressões, mas a disposição do "Correio", sobretudo a de Niomar (12), era a de manter o jornal de acordo com o que ele sempre havia se mantido: Fiel à memória de Paulo Bittencourt (13).

O governo não se decepcionou com o "Correio da Manhã"?

Edmundo
— Para ele se decepcionar é porque verificou que o "Fora" e o "Basta" tinham uma significação diferente da que ele havia interpretado. E isso levava a uma confusão. Também Jango surpreendeu-se naturalmente com os artigos que ele achou que era contra ele e depois deveria ter-se surpreendido com a posição do "Correio" contra os militares. Mesmo quando eu dirigia o "Correio da Manhã", a minha opinião era divergente, muitas vezes, da posição do "Correio". Ele tinha uma linha, eu outra. Mas isso não quer dizer que eu não compreenda a posição democrática e liberal do jornal.

Um dos diretores foi convocado ao Ministério da Guerra para depor?

Edmundo
— Nunca houve isto, houve visita de militares ao "Correio da Manhã" para conversar sobre a situação política e o jornal sempre os recebeu com toda a cordialidade, porque era um governo constituído legalmente, não vou dizer legitimamente. Eles, naturalmente, queriam que o "Correio" desse um apoio ao governo e que tomasse posições contra a oposição. E o "Correio" não estava disposto a dar um apoio absoluto a esse regime, embora muitas vezes o jornal tivesse elogiado, eu não me lembro agora qual tenha sido, ato do novo governo. Se a ditadura militar teve o apoio, numa ou noutra posição, do "Correio", isto foi causado precisamente pela independência que o jornal sempre teve nas questões políticas.

Quando o "Correio" se tornou um jornal de oposição ao regime, ele aumentou muito a circulação. Às vezes de 50 mil exemplares, enquanto a tiragem normal era de 70 a 80 mil. Nunca houve a queda de assinaturas, sempre em torno de 25 a 30 mil.


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.