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São Paulo, segunda-feira, 8 de janeiro de 1979
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Jornalistas
contam a História 4
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O LEVANTE PAULISTA, EM 1932
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Depoimento
de PAULO DUARTE
ao repórter
Noé Gertel
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Paulo Duarte, jornalista
há 57 anos, "o jornalista mais velho deste País
que ainda não se aposentou", como ele diz, teve
seu primeiro emprego aos 17 anos como revisor do "Jornal
do Comércio", em 1918.
"Foi meu
primeiro emprego, diz. Mas trabalhei pouco tempo, já
que fui demitido por indisciplina. O caso foi porque um
cidadão chamado Ferraz do Amaral (para se saber quem
ele é basta dizer que é hoje membro da Academia
Paulista de Letras...) fazia notas sociais no jornal. Um
dia, uma prima me pediu que eu fizesse o registro de seu
aniversário no jornal. Fiz uma nota meio desenvolvida,
de umas cinco ou seis linhas. O Ferraz do Amaral, sei lá
por quais razões, reduziu aquilo a uma só
linha: "Fulana de tal faz anos hoje". Quando eu
recebi as provas para revisão, mandei distribuir
esta nota e fiz outra, igual aquela que eu já tinha
feito. Saiu a minha, é claro. O "coleguinha"
então foi ao Guastini, que era o diretor e no dia
seguinte o Mário Reis, chefe da revisão, me
disse que eu estava na rua. Mas o Guastini me deu uma carta
de recomendação ao Antônio Figueiredo,
que era da redação de "O Estado de S.
Paulo", irmão do gerente, Ricardo de Figueiredo.
A gripe espanhola estava acabando, estávamos em 1918.
Foi quando eu entrei no "O Estado" e lá
estou até hoje".
O primeiro trabalho
de Paulo Duarte, no seu novo emprego, foi uma reportagem,
uma "pequena cobertura" de um fato. Ele conta:
"Na redação
de "O Estado" fui encontrar o Amadeu Amaral, que
era muito amigo de meu pai. Nos primeiros dias de jornal,
fui chamado pelo Júlio Mesquita, o velho Júlio
Mesquita, que me deu a incumbência de fazer a cobertura
do lançamento da primeira pedra da Faculdade de Medicina,
ali em frente ao cemitério do Araçá.
O dr. Arnaldo Vieira de Carvalho, que era o diretor da Faculdade
de Medicina desde 1912, fez um discurso muito bonito na
ocasião. Tinha perdido o filho num acidente, fazia
poucos dias e improvisou uma oração na qual,
entre outras coisas, dizia que fazia pouco tinha perdido
um de seus mais lindos sonhos, tinha agora a felicidade
de fazer brotar da terra outro sonho, outro filho, que era
a Faculdade de Medicina. Anotei com cuidado o discurso.
Terminada a solenidade, fomos, eu e alguns colegas, entre
os quais o diretor da Agência Americana, o Conceição
Fonseca e um repórter do "Correio Paulistano",
que era o Monteiro Brizola, no café. Eles me pediram
o teor do discurso do dr. Vieira de Carvalho. Eu dei e minha
reportagem para o "Estado" foi a mais completa.
Dali a três dias, fui chamado pelo Júlio ali
na revisão, que ficava na rua 25 de março.
Ele então, com muita simplicidade, como era de seu
feitio, me disse que eu iria substituir, dali por diante,
o redator Otávio de Lima e Castro, que havia saído.
Pode-se imaginar minha alegria: passei de 150 mil réis,
que era o quanto eu ganhava na revisão, para 280
mil réis".
Da redação,
depois de algum tempo, Paulo Duarte passou a ser secretário
de Júlio Mesquita, isso depois de ter escrito uma
boa e bem feita carta que lhe havia sido pedida pelo diretor
de "O Estado".
"Eu sabia
bem português e o Júlio achou que lhe serviria
para a correspondência. Um secretário é
bom quando é discreto. E se for muito bom, acaba
ficando amigo do patrão. Como eu era bom e discreto,
fiquei amigo do Júlio até sua morte. Mas,
embora secretário, eu continuava trabalhando na redação.
Um dia, o Altino Arantes, que era presidente de São
Paulo, me deu o texto do discurso que ele deveria fazer
dali a alguns dias no Congresso Estadual. Pediu-me o presidente
que eu só publicasse o texto, depois da solenidade.
"Não vá "O Estado" me passar
uma rasteira. Olha lá, Paulo, aquela gente é
minha inimiga e é capaz de tudo". Eu lhe respondi:
"Fique tranquilo dr. Altino. Aqui no Palácio,
"l'état c'est moi"...
"Vivi minha vida inteirinha lá no "O Estado",
onde ainda continuo. São 57 anos de atividade e a
verdade é que estou muito bem. Quando rebentou essa
coisa aí de 64, o Julinho me disse: "Olha, Paulo,
você vai ficar muito embrulhado aqui, com esta situação.
E nós também. De modo que vamos é caminhar
juntos para a guilhotina." Eu então sugeri que
tiraria uma licença até essa coisa acabar.
O Julinho aceitou a idéia. E continuo lá,
de licença e tudo".
Antes da Revolução
de 30, Paulo Duarte era do partido Democrático, da
oposição.
"A gente
vivia conspirando. Aconteceu que, antes de 30, o Partido
Democrático resolveu editar um jornal oficial, e
certo dia apareceram lá no "O Estado" o
Joaquim Sampaio Vidal, o Prudente de Morais Neto e o Valdemar
Ferreira para pedirem ao Júlio Mesquita que eu fosse
emprestado a eles, a fim de fundarmos um jornal, que seria
o "Diário Nacional". Lá fiquei até
1929, ano em que o Amadeu Amaral voltou do Rio e eu o indiquei
para redator-chefe do "Diário Nacional".
Foi o Amadeu, um grande jornalista, quem deu ao jornal um
grande descortino e uma nova feição."
"Havia censura,
na época, e muita. Esse negócio de censura
sempre foi o maior inimigo da imprensa. Naquela época,
a matéria era enviada para o censor, em forma de
prova impressa, e ele cortava. Era uma censura exclusivamente
política. Voltava a matéria e nós publicávamos
o que restava, deixando em branco o espaço correspondente
aos trechos cortados. Era assim que os leitores ficavam
sabendo da existência de censura prévia".
"Em outubro de
1930, eu estava preso na Cadeia Pública, ali na avenida
Tiradentes. No mesmo dia da queda do Washington Luiz fui
solto. Era comandante da Força Pública o Joviniano
Brandão, que no dia 24 de outubro daquele ano apareceu
na cadeia para me dizer que o governo havia caído.
E me perguntou o que é que ele deveria fazer. Eu
então sugeri que a primeira coisa a fazer seria soltar
os presos. Foi o que ele fez. Estavam comigo, presos, uns
oito "aliancistas", entre os quais Carlos Morais
de Andrade, irmão do Mário de Andrade, Aureliano
Leite e o diretor do Instituto de Café de Minas Gerais,
cujo nome não me lembro. No mesmo dia voltei para
"O Estado" e ainda ajudei a fazer a edição
do dia seguinte. Da prisão para a redação,
direto, que era a nossa vida".
Paulo Duarte entrou
em contato com a Aliança Liberal, participando efetivamente
do movimento que iria levar Getúlio Vargas ao poder.
Ele conta:
"Foi em Ribeirão
Preto que eu conheci Antônio Carlos. Eu estava lá,
pelo Partido Democrático, juntamente com Joaquim
Sampaio Vidal e Paulo Nogueira Filho, quando chegou Antônio
Carlos de Andrada e Silva, que vinha de Minas, via Triângulo
Mineiro. Fiz um discurso de saudação, num
comício, louvando o voto secreto, que Antônio
Carlos tinha inaugurado em Minas. O homem gostou tanto do
discurso que o fez publicar em Minas. Dias depois fui a
Belo Horizonte, a chamado dele, e acabei me incorporando
às famosas "caravanas" de agitação
da Aliança Liberal, época em que conheci Batista
Luzardo, o grande tribuno político na época,
um orador de extraordinários recursos. De Luzardo,
fiquei amigo e amigo dele sou até hoje. Acompanhei
a minha "caravana" ao norte, fiz comícios
em Terezina e em S. Luiz do Maranhão, acabei preso
em São Paulo, como já disse, fui solto e voltei
a "O Estado". Depois disso começou a Revolução
Constitucionalista de 32 e eu entrei nela".
Paulo Duarte não
acha que o movimento de 32 tenha sido articulado pelas velhas
oligarquias paulistas.
"Não,
não era diz ele O movimento
era muito popular. Na verdade, eu já fazia minhas
restrições, pois nessa época eu começava
a abraçar o socialismo. Sou socialista. Reconheço
que o operariado de São Paulo, respondendo à
sua pergunta, não apoiou a Revolução
de 32. Mas também não sabotou. Os trabalhadores
já estavam bem avançados na época,
graças sobretudo ao trabalho do Edgard Leuenroth,
o velho e admirável anarquista que atuava no seio
da classe operária. As prisões não
estavam cheias, não. Havia alguns presos, no Presídio
do Paraíso, como o pessoal do Miguel Costa, o Maurício
Goulart, e outros. Poucos".
jul.54/Folha
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O
General Euclides de Figueiredo
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"Nessa época tive
que deixar o jornal porque fui para frente de combate. Eu
era do grupo comandado pelo coronel Euclídes de Figueiredo
e comandava o trem blindado, que ficou famoso. Mas acabamos
tendo que ir para o Sul do País, pretendendo chegar
ao Rio Grande, para um trabalho em favor de São Paulo.
Fomos, Euclídes de Figueiredo, eu e mais alguns,
todos disfarçados. Mas em Santa Catarina, numa praia
perto de um forte do Exército, fomos presos. Da prisão
de Florianópolis, num quartel da Força Pública,
onde ficamos uns 15 dias, fomos transferidos para a Casa
de Correção do Rio. Dali fui exilado, acompanhando
os principais dirigentes do Movimento de 32. Fiquei na Europa
cerca de um ano e meio, sempre mandando correspondência
para "O Estado".
"Voltei creio
que em fins de 1934 e reassumi minhas funções
no jornal. Jamais me desliguei. Eu acho que "O Estado"
sempre acertou nas suas concepções políticas,
tendo em vista sua orientação conservadora.
E lá sempre tive a mais ampla liberdade de escrever,
inclusive de defender minhas idéias socialistas.
Nunca recebi qualquer restrição. Eram meus
companheiros, no jornal, Orniz da Silva, Leo Vaz, Caetano
Mieli, Amadeu Amaral, Afonso Schmidt, os Ancona, pai e filho
e Sud Menucci. Fui redator-chefe até 1950."
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1958/Folha
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Plínio
Salgado
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"Durante o chamado Estado
Novo houve, também, violenta censura. Tão
rigorosa, talvez, como durante os anos em que se estabeleceu
a censura depois de 1964. Mas já naquela época
não mais permitiam que se deixassem espaços
brancos no lugar dos trechos censurados. Devo falar sobre
o integralismo. Como se sabe, "O Estado" foi sempre
contra e eu particularmente também, embora fosse
amigo de Plínio Salgado, que trabalhou no "Correio
Paulistano" durante muitos anos, como repórter
e depois redator. Mas essa amizade não impediu que
eu fosse o responsável pelo exílio de Plínio.
Fui eu quem levou o general Dutra, que me chamou por sugestão
do capitão Ferraz, que eu conheci na prisão,
por ser meu carcereiro, vasta documentação
sobre os planos alemães no Brasil e na Argentina.
O ministro do Exterior da Inglaterra, Anthony Eden, havia
prometido a Hitler ampla liberdade para agir na América
do Sul, para seus planos coloniais. Em troca, Hitler deveria
deixar em paz a África. Documentos nesse sentido
eu tinha. Levei ao Dutra, que encarou o assunto a sério.
Mas aconteceu que Ademar de Barros, que era interventor
em São Paulo, fez uma intriga em torno da visita
ao Dutra. Disse ao Getúlio que eu estava conspirando
com o seu ministro de guerra. Era, evidentemente, grossa
mentira. Fui preso e convidado a me retirar do país.
Eu soube que o Dutra, em troca, isso é, como compensação,
exigiu o exílio do Plínio Salgado. Novo exílio.
Depois fui aos Estados Unidos, com a idéia de apresentar
os documentos que possuía ao presidente Roosevelt,
mas não consegui vê-lo. E voltei clandestinamente
para estes lados, num navio, com a intenção
de trabalhar na Argentina. Passando pelo Rio, falei novamente
com o ministro Dutra e lhe disse, concretamente, que se
ele quisesse acabar com a quinta-coluna no Brasil só
tinha uma coisa a fazer: prender os chefes. E os chefes,
eu disse isso a ele, eram Getúlio Vargas e Filinto
Muller. Disse-lhe também que queria ficar no Brasil,
ao que ele me respondeu: "Eu não tenho meios
de evitar sua prisão". Tomei novamente o vapor,
mas em Santos, depois de uma resistência à
prisão, acabei sendo retirado do navio e preso. Mas
logo em seguida solto, dando-me tempo de retomar o vapor
e seguir para Buenos Aires, onde passei a trabalhar".
jul.56/Folha
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O
ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra recebe de
um escoteiro a medalha Tiradentes
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A esta altura,
o mundo já estava na segunda guerra e Paulo Duarte
toma providências para voltar apara a Europa. Embarca
num navio e, em Biscais, quase a embarcação
é torpedeada por um submarino alemão. Passa
pela Alemanha, onde é procurado por um tal de Hermann:
"Ele se apresentou
como um dos secretários de Goebels. Como sabia, disse
ele, que eu representava um jornal que era contra o nazismo,
queria me mostrar a nova Alemanha, a Alemanha de Hitler,
para convencer-me de que não era nada daquilo que
"O Estado" publicava. E assim viajei pela Alemanha
durante um mês inteiro. Mas segui para a França,
onde visitei a linha Maginot e escrevi isso para "O
Estado".
"Entrei em contato
com Gamelin, que já estivera no Brasil, com a missão
militar francesa e conhecera meu pai e segui novamente para
os Estados Unidos, onde fiquei dois anos e fui mobilizado.
É que o governo norte-americano havia determinado
que todo cidadão estrangeiro tinha que voltar para
o país de origem ou ser mobilizado. Apresentei-me
antes da convocação e fui para Portugal, com
uma missão de pesquisa. Aí comecei a viver
bem no exílio pela primeira vez, pois me pagavam
um bom ordenado. Em Portugal, recebi um telegrama de Paul
Rivet me comunicando que os aliados tomariam o norte da
África e me convidando para Paris, para onde fui
e onde fiz amizade com o general Marshall, o primeiro general
inteligente que conheci. O primeiro e único. Eu havia
requerido ao Summer Wells, do Departamento de Estado norte-americano,
licença para regressar ao país e Wells me
negou alegando que eu não era colaborador de Getúlio..."
Paulo Duarte faz
ver, durante a entrevista, que jamais perdeu nem quis perder
sua condição de jornalista, no curso de sua
vida. E de professor, carreira que perdeu por cassação.
Encerra sua entrevista dizendo estar escrevendo uma biografia
de Júlio Mesquita, a quem deve toda formação
intelectual. Será, diz ele, uma biografia subjetiva,
porque a de um homem que sempre admirou. Por fim o repórter
quer saber até que ponto conhece alguns fatos sobre
a recente renúncia, segundo a qual "O Estado"
foi alvo de um atentado terrorista armado propositadamente
por alguns elementos do Exército, com o deliberado
intuito de criar um clima favorável à repressão.
Ele responde:
"Só
sei o que os jornais publicaram. Mas encaixa bem, não?
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