Leia mais sobre
Barreto Leite Filho
Nomes e Datas

Epitácio Pessoa
- Presidente do Brasil no período de 28/07/1919 a 15/11/1922

Artur Bernardes -
Presidente do Brasil no período de 15/11/1922 a 15/11/1926

05/07/1922 - Início do movimento tenentista; revolta dos 18 do Forte

Coluna Prestes - Coluna revolucionária liderada por Luiz Carlos Prestes e Miguel Costa. Percorreu o Brasil como objetivo de buscar adesão popular para o movimento, que pretendia o voto secreto e a punição dos políticos corruptos

Reação Republicana - Coligação de forças políticas brasileiras que sustentou a candidatura presidencial de Nilo Peçanha contra Artur Bernardes. Representou, à época, o movimento da classe média em defesa do liberalismo político e contra as oligarquias republicanas

Lei Adolfo Gordo - Lei nº. 4.743, de 1923, instituindo a censura à imprensa
___________
Leia também os
depoimentos de:


- Raimundo Magalhães
- Paulo Mota Lima
- Paulo Duarte
- Joel Silveira
- Hermínio Sacchetta
- Odylo Costa, filho
- Edmundo Moniz
- Breno Caldas
- Samuel Wainer
 
 

São Paulo, sexta-feira, 5 de janeiro de 1979

Jornalistas contam a História - 1

NA DÉCADA DE 20, A AGONIA DO REGIME

Depoimento de BARRETO LEITE FILHO
ao repórter Gilberto Negreiros

22.set.60-Ismael/Folha Imagem
Luiz Carlos Prestes

O período que se inicia em 1921, com a campanha da sucessão do presidente Epitácio Pessoa, e culmina na Revolução de 1930, tem nesses marcos as referências imediatas do tumultuado processo de decomposição e derrubada da ordem estabelecida pela República Velha. O sinal já fora dado em 1927 e 1919, quando ocorreram as primeiras grandes manifestações do movimento operário sob forma de greves.

Essas manifestações, de tendência predominantemente anarquistas, fariam surgir nas chefaturas de polícia os setores da Ordem Política e Social —órgãos especializados na repressão aos "elementos indesejáveis". Embora debelados pelo governo, os movimentos de 1922 e 1924, seguidos da Coluna Prestes, mostravam a extensão e o agravamento da crise do regime.

Como tentativa de sufocar a onda de inconformismo, surge a primeira lei de imprensa no Brasil, projeto original do senador paulista Adolfo Gordo. Mais conhecida como "lei infame", invocava o lema da liberdade com responsabilidade para encobrir um dos seus propósitos —acabar com a chamada imprensa proletária mantida pelos trabalhadores.

Com o governo de Artur Bernardes, o cerco é apertado e se estende aos grandes jornais, através do instrumento do estado de sítio. "O Estado de S. Paulo" e o "Correio da Manhã" são fechados e as redações assistem, pela primeira vez, a um fato que se repetiria com alguma constância a partir de então: a chegada do censor.

"Nessa época, jornalista e conspirador eram na verdade a mesma coisa", como lembra Barreto Leite Filho, que, em 1923, com 16 anos, iniciou carreira no jornal carioca "A Notícia", como setorista da "Assistência Pública", como era chamado o antigo pronto-socorro do hospital Souza Aguiar.

               jun.75/Folha Imagem
 
 
Oswaldo Cordeiro de Farias
 

Um ano depois, ele se transferia para "O Brasil" onde, pelo fato de falar francês com fluência, era designado para cobrir o setor de Polícia Marítima, tendo por incumbência entrevistar passageiros importantes que desembarcavam dos navios. Isto lhe permitiria sua primeira manchete: uma entrevista com Vitório Emanuele Orlando, delegado da Itália na Conferência de Paz de Versalhes.


Mas o primeiro grande furo só viria em 1930, quando o repórter Barreto Leite Filho, já no "Diário da Noite", recebeu das mãos do hoje marechal Cordeiro de Farias o manifesto pelo qual Luiz Carlos Prestes se declarava convertido ao comunismo.

*


Sobre a liberdade de imprensa, como surgiu a Lei Adolfo Gordo?

BARRETO LEITE FILHO
A Lei Adolfo Gordo foi uma lei antioperária, não foi uma lei contra a liberdade de imprensa. Foi uma lei que resultou das greves, das grandes greves de 1917 e 1919, que foram os maiores movimentos da massa operária que se deram no Brasil até hoje. A de 1917 foi ainda mais forte, mais ampla. Em vários pontos, por exemplo, do Rio Grande e de São Paulo, os anarquistas estiveram eventualmente no poder.

A Lei Adolfo Gordo, portanto, votada contra o movimento operário, que era um movimento puramente sindical, porque não havia comunistas no Brasil naquele tempo, nem socialistas. Só havia anarquistas e sindicalistas livres e independentes.

A lei se destinava a reprimir o movimento operário. Não atingia, ou pelo menos não pretendia e de fato não atingia, a imprensa não-operária, atingia a imprensa liberal.

Naquele tempo. Havia dois tipos de jornais ou publicações no Brasil. Havia os jornais que viviam dos subsídios oficiais, subsídios do governo federal por exemplo. O modelo desses jornais era "O País", do Rio de Janeiro, que tinha sido o grande órgão de propaganda republicana no tempo de Quintino Bocaiúva. Esses eram jornais do governo. Um fator a considerar é que sistematicamente, pelo menos no Rio de Janeiro e grande parte de São Paulo, certamente no Norte mas não no Rio Grande os governos eram, invariavelmente, impopulares. Todo jornal que fosse subvencionado pelos governos federal era automaticamente subvencionado pelos governos estaduais. Havia alguns raríssimos governos estaduais, entre os quais o do Rio Grande do Sul, porque o Borges Medeiros era um homem extremamente austero, que não dava dinheiro a jornal nenhum. Mas, certamente aqui no Rio; em São Paulo, o "Correio Paulistano" era órgão do PRP (Partido Republicano Paulista); em Minas Gerais, não havia jornais, havia um "diário oficial", que se chamava "O Minas Gerais", onde os poetas e escritores mineiros publicavam suas coisas. O Drummond, por exemplo, os primeiros poemas dele apareceram nesse jornal. Não havia jornal em Minas Gerais, quer dizer, pelo menos na Capital. No Interior, é possível que houvesse. Devia haver algum semanário ou outro e tal; mais isso é uma coisa que eu não estou em condições de dizer, porque não é uma coisa que eu tenha estudado, e eu não posso estar a par de tudo.

Mas, além do "O País", que outros jornais havia dessa imprensa subsidiada?

BARRETO
— Aqui no Rio eu poderia citar como mais importantes: "O País", "A Gazeta de Notícias", "A Notícia", do Cândido de Campos, que foi o primeiro jornal onde eu trabalhei; mas eu trabalhei na "A Notícia", quando tinha 16 anos, como repórter de Assistência, de modo que a orientação política do jornal me era inteiramente indiferente, eu não tinha nada que ver com isso. Meu papel era ir à Assistência todo dia, ver listas dos sujeitos que eram feridos, telefonava para os repórteres de Polícia - esse é um dos capítulos que me são mais caros da minha carreira, foi o meu aprendizado, eu tive um grande mestre, que se chamava Mauro de Almeida, e que era um dos maiores repórteres de Polícia do Rio de Janeiro. Para mim ele era o maior, mas diziam que havia um outro, também chamado Mauro Carmo, que era o chefe de reportagem de Polícia de "A Noite". Mas os principais jornais do governo, aqui no Rio era: "O País", "A Gazeta de Notícias" e "A Notícia", e não me lembro, francamente, de mais nenhum. Porque naquele tempo havia muito jornal provisório, jornais que apareciam e desapareciam. Apareciam nas campanhas presidenciais, mas depois desapareciam. Agora, os jornais de oposição, esses tinham os seus próprios meios de vida, porque esses eram jornais...

"Correio da Manhã", então?

BARRETO
— "Correio da Manhã". O "Correio da Manhã" enquanto existiu foi o maior jornal do Rio de Janeiro. Depois, começou a decair a partir da época do Juscelino, mas isso não tem nada que ver. De qualquer maneira foi o grande líder, em primeiro lugar. Era um jornal notável.

E os demais nessa faixa da imprensa independente? "Jornal do Brasil" como...

BARRETO
— O "Jornal do Brasil" não tinha nenhuma expressão naquele tempo. Inclusive, é um fato curioso este, porque o "Jornal do Brasil" só era lido por causa dos pequenos anúncios. Não havia ninguém que comprasse. Havia umas caricaturas do Raul Pederneiras, que saíam na primeira página, então, dava um certo interesse, mas, editorialmente, o "Jornal do Brasil", que tinha mudado de dono, que passou das mãos dos dois irmãos Mendes de Almeida, Fernando e Cândido Mendes de Almeida, depois foi absorvido pelo conde Pereira Carneiro, por motivos financeiros. Mas o "Jornal do Brasil" não tinha nenhuma expressão, eu não poderia dizer, sob tortura, qual era a orientação do "Jornal do Brasil", se era contra ou a favor, mas devia ser muito a favor; agora, o "Jornal do Brasil" era independente, ele vivia dos seus anúncios. O jornal "O País" era pesadamente subvencionado pelo governo federal e pelos governos de São Paulo e vários governos estaduais.

Nessa época qual era o de maior tiragem? Era o "Correio da Manhã"?

BARRETO
— Ah, sem dúvida, de longe. Era o "Correio da Manhã", de manhã, e "A Noite", de tarde. "A Noite" saía em duas edições —estou lhe falando do começo da década de 20. Agora, o "Correio da Manhã" era um grande jornal. O sujeito trabalhar lá era uma honra. Esses jornais tinham vida própria, porque tinham grande circulação, de modo que tinham também muito anúncio. E o Edmundo Bittencourt fez uma fortuna enorme com o "Correio da Manhã".

Até 30, jornal do governo não era lido. Por exemplo, "O País" era uma obra-prima de jornal erudito. Não era muito jornalístico, era mais um jornal assim, vamos dizer, semiliterário; publicava longos artigos, coisas muito leves, era muito bem escrito. Hoje em dia seria um jornal inconcebivelmente atrasado, mas, naquela época publicava artigos notáveis, nacionais e estrangeiros, mas ninguém lia. Tinha três mil exemplares de circulação.

O "Correio da Manhã" devia ter —variava muito, segundo a época, eu não poderia jurar, mas eu tenho uma reminiscência qualquer, que naquele tempo o "Correio da Manhã" tinha uma tiragem de 40 mil exemplares, o que era, para o Rio de Janeiro, uma tiragem muito grande. "A Noite" devia ter uma tiragem maior, porque era um jornal popular e explorava muito essa coisa da reportagem de Polícia, sem ser como "O Dia", ou a "Luta Democrática". Era um grande jornal, um grande vespertino, tinha esplêndidos redatores também e o Irineu Marinho era um grande secretário de jornal, quer dizer, a cozinha do jornal ele fazia admiravelmente, ele era discípulo do homem que introduziu o noticiário na imprensa brasileira, um sujeito chamado Ferreira de Araújo, que já morreu e foi redator da "A Gazeta de Notícias", isso numa época muito anterior.

O Ferreira de Araújo foi o sujeito que deu relevo, porque os jornais antigos eram jornais doutrinários. O sujeito colocava um artigo de fundo —chamava-se artigo de fundo, a palavra editorial existia na língua, mas não era empregada. O artigo de opinião era o artigo de fundo.

Mas essa imprensa independente, como ela fazia para se manter independente na veiculação das opiniões que tinha sobre o regime?

BARRETO -
Não fazia nada. Só em mil novecentos... eu creio que foi em 1922, não poderia jurar, que foi votada ainda portanto no governo do Epitácio, a primeira Lei de Imprensa. Eu me lembro da manchete do "Correio da Manhã" no dia seguinte ao que a Lei foi aprovada pelo Senado. Eu me lembro da manchete do "Correio da Manhã": "Lei infame, lei celerada".

Agora, Artur Bernardes era um homem extremamente impopular no Rio de Janeiro e tornou-se extremamente impopular no Brasil inteiro. Eu era garoto, nessa época, minha opinião não tinha a menor importância, só tem sentido aqui, porque se trata de um depoimento. Eu era muito contra ele, porque era essa coisa de opressão e tal. Ele governou quatro anos sob estado de sítio. Já tendo a Lei de Imprensa, ele governou quatro anos sob estado de sítio. Bernardes era um homem de espírito autoritário.

Eu tinha me esquecido —vale a pena lembrar— um dos grandes campeões jornalísticos da campanha civilista, uma das grandes figuras do jornalismo e que fez a campanha da Reação Republicana, foi o Macedo Soares, que nesse tempo dirigia um jornal chamado "O Imparcial".

O único exclusivamente matutino era o "Correio da Manhã"?

BARRETO
— Não. "O Imparcial" era matutino também. O "Jornal do Commércio" —o "Jornal do Commercio" era um jornal governista. O "Jornal do Brasil" ainda não tinha uma posição muito definida que eu saiba ou que eu me lembre. o "Jornal do Brasil" só passou a ter grande atuação na imprensa brasileira, depois da reforma feita, há anos atrás, pela condessa Pereira carneiro.

Nesse meio tempo, surgiu o "O Jornal". "O Jornal" foi fundado por um sujeito que era político e depois deixou de ser político, fundou o "O Jornal" —estou procurando me lembrar do nome dele agora, um nome famoso, aliás— depois ele entrou para o serviço diplomático, então vendeu o "O Jornal" ao Chateaubriand, que, por sua vez, tinha sido redator do "Correio da Manhã" e redator-chefe do "Jornal do Brasil".

Chateaubriand foi, durante vários anos, redator-chefe do "Jornal do Brasil", inclusive, ele fez uma viagem à Europa, voltou de lá e tal e um dia ele comprou —o sujeito chamava-
se, o fundador de "O Jornal" chamava-se Renato Toledo Lopes, tinha sido político, etc, fez um jornal austero, independente. No "O Jornal" do Chateaubriand eu comecei a trabalhar em 1928. Era um grande jornal, era um jornal de nível, que se chama agora, de qualidade internacional, era um jornal do mais alto nível.

Mas, agora, voltando um pouco a Bernardes, eu queria saber como foi a convivência dessa imprensa independente como o estado de sítio, coincidindo, exatamente, com uma...

BARRETO
— A convivência foi a pior possível. De um lado, você tinha —eu quero dizer, faço questão de assinalar entre parêntesis que eu era menino, mas embora eu tivesse sido adversário do Bernardes, nessa época, eu me tornei admirador dele depois, pela firmeza com que ele entrou para a oposição, ficou na oposição, contra Washington Luís e colaborou energicamente, na campanha em Minas Gerais, a favor do Getúlio, que era presidente do Rio Grande. Um velho analista político, como eu, tende a admirar os sujeitos, não apenas pelas opiniões, isto é que eu chamo de objetividade, pelas opiniões que o sujeito tiver, mas pelas qualidades políticas, de líder político que ele mostrar. Agora, as relações entre ele e a Imprensa não podiam ter sido piores. O Bernardes marcou na imprensa brasileira, um passo - em primeiro lugar ele foi o primeiro beneficiado da Lei de Imprensa. Depois, como você acaba de lembrar, ele governou quase todo o tempo sob estado de sítio.

Ele restabeleceu o estado de sítio por causa da Revolução de São Paulo, revolução chefiada pelo general Isidoro Dias Lopes e pelo, então major, Miguel Costa. Essa Revolução se propagou —como você sabe— até o fim do governo Bernardes. Eu creio que a Coluna Prestes exilou-se na Bolívia em 26, quer dizer, encerrado o governo Bernardes, a Coluna Prestes dirigiu-se para a Bolívia e de lá começou a devolver ao Brasil os soldados, sargentos, sujeitos assim que não eram conhecidos e que, portanto, não iam sofrer perseguições. Depois, outras figuras de oficiais, também, as figuras mais obscuras.

Um fato como esse, a Coluna Prestes, evidentemente, num País sob estado de sítio, ele não era noticiado pela grande imprensa?

BARRETO
— Era. Porque aí havia uma coisa, havia uma diferença, naquela época entre a censura de imprensa daquela época e a censura de imprensa hoje. O Bernardes foi o primeiro sujeito que proibiu a fórmula clássica, até então adotada, de censura à imprensa. Antes acontecia o seguinte: você censurava uma matéria qualquer, ou um parágrafo, uma linha, uma palavra e isso saía em branco. Não sei quem é que teve a idéia, não sei se foi o Bernardes, ou se foi o chefe de Polícia dele, marechal Fontoura, que era um perfeito chefe de Polícia, do tipo mais odioso que você possa imaginar. Não sei quem é que teve essa idéia, ou se foi o ministro da Justiça dele, de proibir deixar em branco o espaço censurado. Se você deixar em branco o espaço censurado, o leitor fica, imediatamente, advertido que aquele pedaço foi cortado. Se você encher aquilo, o leitor não sabe. Este foi o grande passo, foi o primeiro passo importante no sentido de limitação da liberdade de imprensa no Brasil e este passo foi dado sob o governo de Bernardes. Não sei se a iniciativa foi dele, mas, certamente, a responsabilidade é dele, é claro. Se o censor estava sentado na redação, ele passava o lápis vermelho numa matéria, você era obrigado a botar outra matéria no lugar, para que o leitor não percebesse que tal coisa tinha sido censurada. No entanto, era muito comum - isso, aliás, tornou-se uma prática habitual —as matérias importantes, editoriais, e coisas deste gênero— noticiário sobre a Coluna Prestes, por exemplo, note-se que o noticiário era muito vago, porque a Coluna andava lá pelo Interior e não havia nenhum repórter acompanhando a coluna, nem coisa nenhuma, o que a gente ouvia falar da Coluna aqui era um negócio que...

Por que não ocorreu a ninguém mandar um enviado especial atrás da Coluna?

BARRETO
— Ah, bom, isso é interessante. Teria sido muito difícil, porque ninguém, de fato, sabia onde andava a Coluna. Ah, mas uma coisa que eu esqueci de dizer, é muito importante, a matéria que era censurada no jornal você mandava para um dos deputados de oposição, o Amador Pergamini, o Luzardo, Batista Luzardo, que depois tornou-se um salafrário, mas, nesse tempo, era deputado de oposição, eles liam o artigo da tribuna da Câmara e toda matéria lida na tribuna da Câmara não sofria censura —você veja que tempos, comparados a esta época, que tempos admiráveis eram...

Era essa a forma de luta contra a censura?

BARRETO
— É. Quer dizer, então você dizia um negócio, quando era um editorial importante mandava a um deputado de oposição, havia vários, uns cinco mais ou menos. Qualquer coisa dita da tribuna da Câmara era publicada. Apenas se o sujeito insultava, um deputado insultava o outro, a censura era feita pela própria Câmara, porque era contra o regimento da Câmara. Mas, tudo que fosse matéria parlamentar era publicado na íntegra.

De modo que a Marcha da Coluna Prestes teve uma grande repercussão no Brasil, uma repercussão muito mais duradoura e muito mais profunda do que a dos "Dezoito do Forte", porque o Luzardo fazia uns relatórios periódicos de onde andava a Coluna Prestes. Ele devia, ou ele recebia informações por via clandestina, o que eu duvido, aliás, ou então ele inventava, eu sei que ele mantinha em foco, ele mantinha a marcha da Coluna em foco.

Quer dizer, então, ele é que abastecia os jornais do noticiário sobre a Coluna?

BARRETO
— Os jornais, então, publicavam os discursos dele. O Prestes ganhou um imenso prestígio no Brasil.

A "Campanha de Canudos" sem o Euclides da Cunha estaria esquecida, ninguém se lembraria mais hoje que tinha havido uma história em Canudos. Quem colocou Canudos em foco foram "Os Sertões", foi, em primeiro lugar, a reportagem de Euclides da Cunha. Mas, alcançar a Coluna Prestes era muito difícil porque ela estava em permanente deslocamento. E eu digo a você que isto é real por uma razão, o primeiro sujeito que entrevistou Prestes, foi o Rafael Correia de Oliveira —foi um jornalista muito conhecido no Brasil— que era diretor da sucursal do "O Jornal", nesse tempo não havia "Diários Associados", Chateaubriand tinha o "O Jornal", depois, mais tarde, comprou o "Diários Associados", mas, ele depois me disse que tinha mandado o Rafael Correia de Oliveira, porque já estando o Rafael Correia de Oliveira, em São Paulo, ele ganhava um dia - naquele tempo não tinha esse negócio de avião, você tinha que tomar o trem da Noroeste, ir até onde pudesse lá na fronteira do Mato Grosso, da Bolívia e o resto você fazia de barco ou a cavalo.

Agora, o Chateaubriand mandou o Rafael Correia de Oliveira, para ganhar um dia, porque ele temia que outros jornais, inclusive o "O Estado de S. Paulo", o "Correio da Manhã", por exemplo, mandassem um repórter lá. Nenhum teve a idéia de mandar. Durante três anos...

A entrevista foi feita na Bolívia, não?

BARRETO
— Foi feita na Bolívia e publicada no jornal. O sujeito teve de ir lá e escrever uma reportagem, com uma introdução escrita pelo Azevedo Amaral, o segundo jornalista brasileiro. Você não acha isto extraordinário, que só tenha ocorrido isso ao Chateaubriand? Depois de você localizar o Prestes, o Chateaubriand não teve a idéia, talvez, ou se teve não conseguiu executá-la de mandar um sujeito acompanhar a Marcha da Coluna. Aliás, teria sido extremamente difícil, porque a Coluna não tinha comunicações a título de reportagem, assim com o mundo exterior. Poderia ter, mas não tinha. Não tinha um rádio, porque seria um trambolho enorme para transportar, e não havia comunicações telegráficas que não fossem censuradas. Seria possível comunicação postal e tal, mas seria difícil porque a Coluna estava sempre em campo. Mas é curioso que só o Chateaubriand tenha tido a idéia de mandar fazer entrevistas com o Prestes. Depois, eu fui o terceiro, e passei a ser o porta-voz. Eu ia entrevistá-lo toda hora. Um bando "jóia"; primeiro foi em Paso de Los Libres —na Argentina o nome todo é Paso de Los Libres, mas a cidade é conhecida como Libres— eu encontrei o Prestes lá e fiz a primeira entrevista com ele, depois, fiz muitas outras quando veio a campanha de 29, 30 etc.

Agora, depois disso, as entrevistas todas feitas com o Prestes, foram feitas por mim, inclusive o manifesto de Maio —aí não é uma entrevista— em que ele se tornava comunista, ele mandou me entregar em mão, na redação do "Diário da Noite", aqui. E quem me entregou isso em mão foi o, hoje, marechal Cordeiro de Farias e o então tenente Braga Mourinha. Outro dia eu fiz uma referência a esse fato, num artigo para a "Folha".


© Copyright Empresa Folha da Manhã Ltda. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Empresa Folha da Manhã Ltda.