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São Paulo, terça-feira, 9 de janeiro de 1979

Jornalistas contam a História — 5

5 - O ESTADO NOVO E O GETULISMO

Depoimento de JOEL SILVEIRA
ao repórter Gilberto Negreiros


A história das ditaduras é também a da resistência ao arbítrio, à prepotência e à sedução do poder. Nesta verdade elementar, um ensinamento profundo: nem sempre a melhor atitude diante do inevitável é ceder e desfrutar. "É lamentável que o exemplo de "O Estado de S. Paulo" não tenha sido imitado pelos outros jornais. Uma reação geral da imprensa teria apressado a queda da ditadura".

Quem afirma é Joel Silveira, que aos 18 anos chegava ao Rio de Janeiro e ingressava na imprensa carioca 9 meses antes do golpe desfechado por Getúlio no dia 10 de novembro de 1937.

Por paradoxal que tenha sido, o período do Estado Novo permitiu que ele e mais um grupo de jovens jornalistas, em que se destacaram também David Nasser, Edmar Morel e Samuel Wainer, viesse a alcançar a notoriedade na fase da chamada "grande reportagem" dos anos 40. Esta, na realidade, foi a forma encontrada pelos jornais para sobreviver à censura imposta pela ditadura.

O resultado dessa transformação imposta pelas circunstâncias foi a valorização do repórter como principal figura da redação, onde até então pontificavam editorialistas e articulistas.

Para Joel Silveira, a fama viria com a reportagem "Grã-finos em São Paulo", feita em 1943 para o "Diário da Noite", na qual ele um sergipano mais para o tipo rude e de sotaque nordestino inescondível contou suas incursões, disfarçado de "gentleman", pelos salões das famílias quatrocentonas paulistas.

No Palácio do Catete, Getúlio Vargas, que tinha pela burguesia um desprezo especial, conta Joel Silveira, "delirava com a reportagem". Lembrando essa faceta do caráter do "chefe do governo", como era chamado Getúlio pelos áulicos do Estado Novo, observa que "todos os ditadores têm seus caprichos".

Nem mesmo tendo Getúlio como leitor, Joel Silveira ficou imune ao crivo do DIP. "Quando me inscrevi para seguir com a FEB como correspondente de guerra, eles fizeram de tudo para que eu não embarcasse. A acusação era a de sempre: comunista."

*

Proponho que você comece falando sobre como a imprensa recebeu o Estado Novo, o golpe do Estado Novo.

JOEL SILVEIRA —
Cheguei ao Rio de Janeiro no dia 13 de fevereiro de 1937, eu tinha 18 anos. O Estado Novo foi no dia 10 de novembro, de maneira que o peguei logo no começo. Quando o Getúlio deu o golpe, com o apoio das Forças Armadas, eu já estava no Rio. Recebeu apoio do general Dutra, do general Góes Monteiro e do general Milton Cavalcanti, que era integralista; general Dutra e general Góes Monteiro eram simpatizantes do nazismo. O general Góes Monteiro inclusive foi condecorado por Hitler.

Eram simpatizantes.

JOEL —
Sim. O Góes Monteiro não perdia uma recepção na embaixada alemã. Foi condecorado pelo embaixador. E foi ele que, num dos primeiros atos, baixou a censura total e absoluta à imprensa. E a seguir o DIP foi ampliado, quase que com dimensão de Ministério, e controlado por um teórico do fascismo, chamado Lourival Fontes. Homem fabulosamente inteligente, cultíssimo, mas fascista. Ele mesmo me confessou: "Eu sou fascista". Ele já era fascista há muito tempo, desde 1924/25, quando foi diretor de uma revista chamada "Hierarquia", de orientação fascista, inclusive subvencionada pela embaixada italiana. Isso também ficou provado.

Bem, mas ele assumiu o controle total da imprensa. Um ou outro jornal que tentou se rebelar foi imediatamente fechado. Mas a grande imprensa daquele tempo imediatamente aderiu ao Estado Novo. Toda. Com exceção de "O Estado de S. Paulo". É só você pegar as manchetes do dia 28.

Mesmo o "Correio da Manhã"?

JOEL —
O "Correio da Manhã" aderiu, não podia ser contra. Mas os elogios eram magros. O grosso da imprensa ficou do lado do Estado Novo e assim se conservou ou compulsoriamente ou gostosamente. Até que o próprio "Correio da Manhã" rompeu essa asfixia, esse sufoco, com a entrevista do José Américo, feita pelo Carlos Lacerda.

Então, eu era secretário do jornal literário "Dom Casmurro", um jornal de propriedade do Brício de Abreu e do Álvaro Moreira. Depois fui repórter e secretário da revista "Diretrizes", um semanário de propriedade do Samuel Wainer. Então, diariamente a gente recebia, lá pelas nove e meia dez horas, um telefonema com aquela vozinha: "Silveira, olha aqui, está falando fulano (geralmente dava só o primeiro nome), não pode sair aquilo, evite comentários...". Eram as coisas mais desagradáveis. Era a briga do Beijo. Vargas que se embriagava no Cassino da Urca, dava um bofetão em alguém e a vozinha: "nenhum comentário sobre a briga do Beijo, heim".

E essas ordens da censura eram plenamente acatadas?

JOEL —
Ah, claro, plenamente. Se a gente não acatasse, eles fechavam. E você vai ver como fecharam "Diretrizes". Está lá o Samuel na "Folha" e pode dizer isso. Mas a gente dizia: um momentinho. Botava o papel na máquina e pedia para repetir a ordem. Datilografava e pregava numa cartolina. Anos seguidos eu guardei aquilo. Você veja que até esse processo de censurar a imprensa foi copiado do Ministério da Cultura Popular do Mussolini.

A Constituição do Estado Novo, que dizem ser do Chico Campos, não é. Ele apenas traduziu do polaco. Você lê hoje e é exatamente igual, com uns laivos corporativistas, que era o negócio do Mussolini e do Salazar. Todos eles aqui estavam certos de que o Hitler e o Mussolini, o nazi-fascismo, iam ganhar. O Dutra era um nazista fervoroso, admirador, o Góes Monteiro, a mesma coisa.

Ficando por enquanto no DIP, ele exercia também controle sobre a publicidade?

JOEL —
O DIP exercia um duplo controle: um controle autoritário proibitivo, da censura propriamente dita. E tinha o controle através da corrupção. O caso da isenção para a importação do papel da imprensa. Você importava o papel da Finlândia, do Canadá, mas tudo sob o controle do DIP. E tinha o derrame de dinheiro, que era tentador. Por exemplo, o DIP criou uma série de livros pequenos, tudo sobre o Getúlio: "Vargas e o Teatro", "Vargas e o Cinema", "Vargas e a Literatura". Pagavam um dinheirão, em termos de época. Um pobre intelectual que ganhava, vamos dizer, Cr$ 1.500,00 com a edição de um romance, eles botavam dez mil cruzeiros no bolso dele para escrever quarenta páginas sobre a coisa. Isso era um negócio terrível. Poucos resistiram.

Poderia citar alguns nomes?

JOEL —
Não é bom porque a maioria são meus amigos (sic). A fraqueza humana é terrível. Eu sei, por exemplo, que o Graciliano Ramos resistiu. Osório Borba e Carlos Drummond de Andrade também. Resistiram, particularmente, os intelectuais de esquerda, o pessoal ligado ao Partido Comunista, por motivos conhecidos, né?

Sobre essa coisa de corrupção, o Lourival Fontes criou uma revista chamada "Cultura". Uma revista maravilhosamente bem feita, porque ele era muito inteligente, muito culto, escrevia muito bem. Terminou meu amigo, há três ou quatro anos, porque ele é sergipano e eu também. Sergipe tem coisas engraçadíssimas. Veja você, a terra de João Ribeiro, de Tobias Barreto, dois sujeitos liberais, e Silvio Romero, que era um rebelde, deu os dois maiores teóricos do fascismo do Brasil: Lourival Fontes e Jackson Figueiredo. Coisa esquisita, não? Pois bem. O Fontes criou a revista e dava, para cada colaboração, cinco mil cruzeiros, dinheiro da época. E o suplemento literário do "Diário de Notícias", do velho Dantas, pagava duzentos cruzeiros.

O mercado de trabalho era limitadíssimo, porque os jornais tinham tudo pronto da Agência Nacional. Vinha tudo mastigado. As redações tinham quatro ou cinco pessoas que faziam o jornal todo. Vinha tudo pronto, com ordem, inclusive, de publicar em tal página, com tal destaque. O DIP chegava ao ponto de dizer que tipo devia ser usado: negrito, corpo 9, à esquerda. Entendeu? E qualquer sinal de rebeldia cortavam o papel e a publicidade. A publicidade o governo controlava, vamos dizer, 60% e ao mesmo tempo intimidava as empresas privadas. Ninguém queria ficar contra o Banco do Brasil. Sob o ponto de vista da censura, eu considero o Estado Novo mais tenebroso, porque não tinha saída. Hoje existe o recurso de você deixar o espaço em branco. Naquele tempo, se fizesse isso, fechavam o jornal.

Quando o Lourival Fontes saiu, botaram lá um homem chamado Coelho dos Reis, que era coronel. Quando o Brasil declarou guerra, então, os militares acharam que à frente do DIP não poderia ficar um civil. É aquele negócio, sempre o negócio da segurança nacional. Sempre o velho pretexto. O Coelho dos Reis era um homem sério, um coronel burocrata. Mas ficou pouco. Botaram então um capitão chamado Amilcar Dutra de Menezes. Esse era de uma ignorância total e absoluta. Eu tenho a impressão que botaram até como piada. Mas tinha veleidades de literatura.

Mas há registros da história da época que falam da preocupação do governo do Estado Novo com os jornalistas...

JOEL —
Mas isso está no capítulo do suborno; da corrupção. Isentavam o jornalista do Imposto de Renda, o dono do jornal não pagava o papel. Mas tudo isso era o lado corrupto da ditadura.

Mas tinha aquele círculo...

JOEL —
Tinha, mas eram todos de quinta categoria. Tinha, por exemplo, o assessor de imprensa, o que ficava do lado dele, era um homem chamado Hugo Mosca. Está vivo até hoje o pobre do Mosca, bom sujeito, mas era assim uma espécie de "Bobo da Corte" do Getúlio. Era o Gregório de um lado e o Mosca de outro.

Não precisava de lei, não tinha Congresso, não havia justiça, não havia nada. É como o Geisel, se quiser mandar prender a mim e a você, manda. Na maior tranquilidade. Como já me prenderam cinco vezes, me prendem a sexta. E o autocrata, compreendeu, é o dono do poder absoluto. Getúlio fazia isso rindo.

O Conselho Nacional de Imprensa...

JOEL —
O Conselho Nacional de Imprensa era o Roberto Marinho. É isto que eu estou dizendo. O Conselho se reunia uma vez por semana.

Quem mais fazia parte do Conselho?

JOEL —
Que eu me lembro, Oséas Bota e o Chateaubriand. Este nunca ia diretamente. Mandava um. Tenho a impressão que era o Astregésilo de Athayde, que é um velho pau pra toda obra. Mas tomando dinheiro do Banco do Brasil e tudo, aquela coisa.

A distribuição era feita através do Conselho?

JOEL —
Tudo ali no Conselho. O Conselho era formado por diretores de jornais. Você veja o papel da imprensa durante o Estado Novo. Foi o mais escabroso possível. Foi a rendição total.

"Diretrizes" e "Voz Operária", que era dos comunas, aguentaram. O resto se entregou mesmo. E "O Estado de S. Paulo", aquela coisa do Júlio Mesquita, invasão do Estado Novo, compreendeu? E tudo isso não teve graça. Isso precisa ser contado um dia.

Mas, a propósito de "Diretrizes", do Samuel Wainer, por que ele...

JOEL —
Não, a "Diretrizes" fez um papel fabuloso.

Pois é, como ele conseguiu driblar a censura?

JOEL —
Exatamente. Ele conseguiu porque tinha uma grande habilidade. Ele é muito inteligente e chegou um momento que a revista foi fechada. Foi por causa de uma entrevista com o Monteiro Lobato, que não passou pela censura e eu publiquei. Aí fecharam a revista.

Mas houve um momento que todo mundo começou a conspirar, nas vésperas do "Manifesto dos Mineiros". E, logo em seguida, a partir de fins de 42, os mineiros começaram a conspirar contra Getúlio, liderados por Virgílio de Melo Franco. Ele se ligou muito a nós. Praticamente era homem de "Diretrizes". Era o homem que traçava a estratégia recua aqui, avança ali. Ele era muito amigo do Góes Monteiro e estava sempre bem informado.

1960/Folha Imagem
 
 
O senador Filinto Muller
 
Agora, fale sobre os casos de torturas.

JOEL —
A tortura no Brasil começou depois de 35, depois da repressão violenta, depois da burrada do Prestes. Aquela repressão desfechada pelo Filinto Muller. A coisa virou um acordo. Criou-se o primeiro acordo internacional de torturadores: a Alemanha mandou para cá elementos da Gestapo. Então começou a surgir a tortura científica. Porque até aquela época era na base do cassetete mesmo. Logo depois do golpe a coisa foi terrível, vários morreram, tem gente mutilada.

Mas em todo esse episódio, quem ficou com toda a carga, toda apecha da história, foi o Filinto Muller...

JOEL —
Sim. Mas ele era o chefe. Você vai ver no dia em que fizerem um processo contra a Gestapo. Ele realmente empolgava a Polícia. E de tal maneira ele se imaginou um superministro e achava que acima dele só estava o Getúlio. E desacatou o Vasco Leitão da Cunha, que era o ministro da Justiça em 1943. E, para surpresa dele, o Vasco o prendeu e o pôs fora da polícia. Criou um caso para o Getúlio. O Vasco disse: "Sr. major, recolha-se à sua casa, está preso e destituído".

Como é que você vê hoje, já distante, o papel do Exército como sustentáculo do regime?

JOEL —
Eu acho que é o único responsável. Não o Exército. As Forças Armadas. Não há dúvida. Mesmo durante o Estado Novo, o Exército Dutra, Góes, essa gente toda, até mesmo o Milton Cavalcanti, que era um integralista sempre se pôs distante disso, nunca desempenhou um papel policial. Hoje as Forças Armadas estão comprometidas com essa repressão policial. Isso é que é profundamente triste. Porque as classes armadas sempre gozaram da mais alta simpatia junto ao povo, mesmo durante o Estado Novo, devido a sua equidistância, fator de equilíbrio...

Eu digo equidistante das manobras políticas do Getúlio. Elas apoiavam, mas era de maneira mais sutil, não tão ostensiva. Colocavam-se em posição de pouco realce. E então o grosso da população, evidentemente, não notava essa participação. Não era nem ostensiva, nem onipresente, nem onisciente. E hoje é. Você pegue por exemplo: onde é que as Forças Armadas, hoje, em que setor da vida brasileira não há predomínio das Forças Armadas? Até nas empresas privadas, ou seja, 60, 50% das empresas têm um coronel, um general, um brigadeiro da reserva...

Quer dizer, hoje a presença é total e absoluta, para não falar do Serviço Nacional de Informações, que deve saber mais coisas de mim do que eu mesmo. Se eu quiser disputar, amanhã, qualquer coisa, em suma, uma pretensão qualquer, que dependa da aprovação do SNI, evidentemente que eu não serei nada, nunca. Eu me lembro da segunda vez que fui preso, até hoje não sei porquê, estou doido pra saber, não tenho a menor idéia: eu fiz um depoimento, eu mesmo escrevi, entreguei e de repente me tiram fotografias e pela primeira vez sujei o dedo. Eu e o Carlos Heitor Cony...

Quando foi isso?

JOEL —
Isso foi logo depois de 68, 69, no terror.

Voltando um pouco, como foi a questão do Estado Novo, porque hoje em dia se aponta o Exército como o grande beneficiário do Estado Novo, funcionando pelos bastidores...

JOEL —
Mas é evidente que é. Não haveria o Estado Novo sem o apoio do Exército. Naquele tempo não eram nem as Forças Armadas, era o Exército. Hoje, são as Forças Armadas. Tem a Aeronáutica, que tem poder de fogo, tem a Marinha, que tem poder de fogo. Naquele tempo não dava porque praticamente não existia, era o Campo dos Afonsos, uns teco-teco do CAN (Correio Aéreo Nacional). A Aeronáutica só tinha fama de liberal, era o brigadeiro Eduardo Gomes, aquela coisa. Era o Exército. E, sem o Exército, o apoio do Exército, Getúlio não teria dado o golpe, claro.

Houve algum caso de dissidência entre os militares?

JOEL —
Que eu me lembre, não. O Exército em peso apoiou o Getúlio. Se houve, foi caso sem maior relevância. Houve dissidência civil, de gente do governo. O Osvaldo Aranha, por exemplo, ficou violentamente contra o Estado Novo, deixou de ser ministro e foi ser embaixador em Washington.

No caso da censura, como foi que a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) se comportou na época?

JOEL —
A ABI era o Herbert Moses, homem do Getúlio. Era todo paternal quando falava do Getúlio, um áulico. Onde o Getúlio ia, ele ia atrás, não tinha nenhuma expressão.

Bem, quando o Brasil declara guerra, a situação sofre uma mudança radical...

JOEL —
Mudança muito pouca. A única mudança que sofreu, sob o ponto de vista interno, foi a permissão para se falar mal do Hitler, do Mussolini e do Hiroito. Somente.

Esse foi o abrandamento?

JOEL —
Foi o único, o único. Claro, se a gente estava em guerra contra esses cavalheiros, era o mínimo que o governo tinha que permitir, senão era uma fraude. O resto não mudou coisa nenhuma. Abrandou um pouquinho em relação às esquerdas, quando o nosso querido Luís Carlos Prestes, essa cavalgadura, em 1943, depois de o Getúlio declarar guerra ao Eixo, manda um telegrama, da cadeia, onde ele estava confinado desde 36, depois da mulher ter sido exterminada no campo de concentração pelo Himmell, pelo Hitler, ele manda um telegrama de apoio à política - como é que ele chamava? Política, não é realista não - liberal. Apoiar o Getúlio porque tinha declarado guerra. Não foi Getúlio quem declarou. Quem declarou guerra foi o povo na rua, meu Deus do Céu. E tanto assim que no discurso dele ele se virou pro povo e disse assim: "Vocês estão me obrigando a isso". Ele próprio reconheceu. Depois que Prestes passou esse telegrama vergonhosíssimo - uma das coisas mais vergonhosas que eu já vi na minha vida.

18.dez.1964-Acervo UH/Folha Imagem
 
 
O presidente Humberto Castelo Branco
 

Na Itália, acompanhando a FEB, como foi?

JOEL —
Bom, havia duas alas. O comandante da FEB era um homem muito decente, muito honesto, o velho Mascarenhas de Morais, homem sério, compreendeu? Sem grande brilho, mas muito competente, inclusive bom comandante, apesar de um pouco duro. Mas ele era fanaticamente getulista. Ele tinha adoração pessoal pelo Getúlio, era amigo pessoal do Getúlio. Mas havia a ala liberal do Exército. Com essa é que nós correspondentes nos entendíamos melhor. Liberal naquele tempo, né? Era o Cordeiro de Farias, era o Nelson de Melo, o Castelo Branco. Não me lembro do Castelo Branco, apenas que ele procurava a gente pra perguntar se tinha jornal do Rio e gostava de falar com o Rubem Braga sobre Anatole France. Não cheguei a notar o Castelo Branco, não. Talvez lá dentro, mas assim como personalidade, com ponto-de-vista firmado era um homem calado, quieto.

Agora um paralelo entre o regime de 37 e esse de 64.

JOEL —
Bom, eu acho este muito pior. Eu acho este muito pior porque este é consciente. É a ditadura que eles imaginam pra mil anos, porque não é propriamente uma ditadura efêmera. Eles imaginam um Estado, um Reich, que dure eternamente. É o que eles chamam Sistema. É evidente que não vai durar, são os sonhos idiotas. Todo ditador tem desses sonhos: César teve, Napoleão e...

Você admite as reformas?

JOEL —
Ah, as reformas são vigiadas, policiadas e superintendidas, editadas, proclamadas e publicadas pelo Sistema. Nenhuma reforma que arranhe ou que tire um pouco da força centrífuga do Sistema, da força do Poder. Isso não é reforma, bobagens. Reforma de Petrônio Portela, meu Deus do Céu. Eu conheci Petrônio Portela, em 1963, bajulando João Goulart. Ele e Virgílio Távora não saiam daqui do Palácio das Laranjeiras. Na véspera da revolução ele deitou um manifesto e depois recolheu. E eles pensam que a gente perde a memória e não sabe disso. São uns cínicos deslavados. Está aí, eu tenho cópia do manifesto dele. Tenho aí, tenho aqui, guardado, dele e do Lomanto. Fizeram dois manifestos, um contra e outro a favor. Virgílio Távora chamava o Jango Goulart de meu compadre.

Como você está vendo o papel da imprensa nessa fase que nós estamos vivendo?

JOEL —
Está muito bom. Eu estou achando formidável. Não tem dúvida, está perfeito, porque é toda. Quem é que não está contra? Mas a imprensa tem que ter inteligência, a imprensa não vai ficar contra os leitores. Um jornal que apareça aí pra defender o governo não vende 500 exemplares. E, se não vende 500 exemplares, não tem anúncio nem da Coca-Cola, que dá pra todo mundo. Tem que estar, é evidente, não tem saída.


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