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Alguém, neste final do século dezenove, tem nítida
noção daquilo que os poetas de épocas fortes
denominavam inspiração? Se não, eu o descreverei.
- Havendo o menor resquício de superstição
dentro de si, dificilmente se saberia afastar a idéia de
ser mera encarnação, mero porta-voz, mero medium
de forças poderosíssimas. A idéia de revelação,
no sentido de que subitamente, com inefável certeza e sutileza,
algo se torna visível, audível, algo que comove
e transtorna no mais fundo, descreve simplesmente o estado de
fato. Ouve-se, não se procura; toma-se, não se pergunta
quem dá; um pensamento reluz como relâmpago, com
necessidade, sem hesitação na forma - jamais tive
opção. Um êxtase cuja tremenda tensão
desata-se por vezes em torrente de lágrimas, no qual o
passo involuntariamente ora se precipita, ora se arrasta; um completo
estar fora de si, com a claríssima consciência de
um sem-número de delicados tremores e calafrios que chegam
às pontas dos pés; um abismo de felicidade, onde
o que é mais doloroso e sombrio não atua como contrário,
mas como algo condicionado, exigido, como uma cor necessária
em meio a tal profusão de luz; um instinto para relações
rítmicas que abarca imensos espaços de formas -
e longitude, a necessidade de um ritmo amplo é quase a
medida para a potência da inspiração, uma
espécie de compensação para sua pressão
e tensão
Tudo ocorre de modo sumamente involuntário,
mas como que em um turbilhão de sensação
de liberdade, de incondicionalidade, de poder, de divindade
A involuntariedade da imagem, do símbolo, é o mais
notável; já não se tem noção
do que é imagem, do que é símbolo, tudo se
oferece como a mais próxima, mais correta, mais simples
expressão. Parece realmente, para lembrar uma palavra de
Zaratustra, como se as coisas mesmas se acercassem e se oferecessem
como símbolos (aqui todas as coisas vêm afagantes
ao encontro da tua palavra, e te lisonjeiam: pois querem cavalgar
no teu dorso. Em cada símbolo cavalgas aqui até
cada verdade. Aqui se abrem para ti as palavras e arcas de palavras
de todo o ser; todo o ser quer vir a ser palavra, todo o vir a
ser quer contigo aprender a falar). Esta é a minha
experiência da inspiração; não duvido
que seja preciso retroceder milênios para encontrar alguém
que me possa dizer: é também a minha.
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