|
|
|
|
|
São
Paulo, sábado, 30 de novembro de 1991
|
|
|
|
|
|
|
|
|
CRÍTICA JORNALÍSTICA DEVE SER
ESTRIDENTE E OPINATIVA
|
|
|
|
|
|
Nelson Ascher
Da equipe de articulistas
|
|
|
|
|
|
Para
que serve um artigo de, digamos, 60 linhas sobre um livro ou outro
assunto literário, quando um comentário especializado
de um único verso difícil pode ocupar páginas
e páginas? A síntese cada vez mais requerida pelo
jornal não seria uma maneira sintética de perder tempo?
A reivindicação maximalista dos críticos fiéis
a seus princípios não deveria ser a de que, se não
há espaço para dizer tudo, o melhor é não
dizer nada? Acatar normas jornalísticas para uma atividade
paralela mas distinta não é, em última instância,
um compromisso espúrio e condenável?
Não. A crítica veiculada pelo jornal é uma
atividade com suas próprias regras e objetivos. É
um gênero, quase uma forma à parte. Pelo seu próprio
tamanho, ela deve ser mais opinativa do que explicativa - o que
não quer dizer que as opiniões que expressa não
precisem ser, caso necessário, prontamente explicáveis.
Por não ser veiculada a sós, mas embalsamada numa
pilha de informações de toda ordem, ela não
pode se dar ao luxo de "speak softly and carry a big stick";
não pode falar mansamente carregada de autoridade; ela é
obrigada a gritar para chamar a atenção do leitor
que se aproxima anestesiado de tanta informação. Não
se trata de ser polêmica a toda hora: atacar é a maneira
mais fácil e barata de chamar sobre si a atenção
- qualquer principiante pode fazê-lo.
Trata-se, isso sim, de ter opiniões fortes ("Strong
Opinions" é o título e de um livro de entrevistas
de Nabokov, que era sempre capaz de ser um adversário assustador;
basta ver como, na polêmica sobre sua tradução
de Púchkin, ele reduziu a picadinho ninguém menos
que Edmundo Wilson). Trata-se de fazer essas opiniões saltarem
como um músculo ao contato da eletricidade. Trata-se de não
ter medo de cometer pequenas injustiças em prol de uma justiça
mais relevante.
Num país como o Brasil, essa crítica, infelizmente,
tem que ser didática. Mas não para levar alguém
pela mão até um livro ou afastar de um outro, dizendo-lhe:
cuidado, filhinho, isso não vai lhe fazer bem. Não
há tempo nem espaço para tais delicadezas. Sua propedêutica
é a terapia de choque. Seus inimigos principais são
a letargia, a sonolência, a inércia intelectual e o
bom-mocismo. Para esse tipo de crítica, nenhuma obra ganha
respeitabilidade por antiguidade ou decurso de prazo, nem por qualquer
tipo de autoridade de que esteja investido seu autor. Nenhuma obra,
aliás, é respeitável ou merecedora de considerações
atenuantes. As obras são boas ou ruins. E mesmo quando ruins,
elas o são de modos e em graus diferentes. Um crítico
que se preze, por obrigação de ofício, deve
saber distinguir entre o ruim e o pior. Nivelar por baixo ou por
cima não passa de preguiça e irresponsabilidade.
O verdadeiro patrono da crítica atual é Cid, o Campeador.
Sua tarefa, como a do espanhol, é a reconquista - no caso,
de um público perdido. A crise dos valores culturais - que,
entre nós, nunca foram lá muito vigorosos - aliada
à premeditada destruição do sistema educacional
brasileiro, resultou na terra devastada que é nosso habitat.
As chances de reconstruir um autêntico meio literário
não são necessariamente menores do que as de elevar
a renda per capita do país aos níveis da Suíça.
O trabalho que se apresenta não é obrigatoriamente
mais difícil que a reconstituição do Iraque
- quando ele mesmo interromper sua autodestruição.
Há causas que merecem ser compradas e que, a longo prazo,
justificam todos os excessos da contenda. Num Brasil onde frequentemente
a camada mais atrasada é a intelectualidade, a grande causa
ainda é a defesa e consolidação do alto modernismo
internacional. Neste fim de mundo, há muito o que fazer pela
recepção de Bártok e Webern, Mondrian e Malévitch,
Joyce e Borges, Oswald e Pound. Atacados pela esquerda e pela direita
(independentemente do que sejam essas entidades pré-históricas),
tudo o que representam ainda não se enraizou devidamente
no solo pátrio. No entanto, é só sobre sua
conquistas que novos valores poderão um dia ser forjados. |
|
|
| |