São Paulo, terça-feira, 14 de julho de 1970
Neste texto foi mantida a grafia original

NAVIO AO EMBALO DE JAZZ E UISQUE

Lenita Miranda de Figueiredo

Ninguem melhor do que Sam "Squashie", Manning, comico da fase revivalista dos famosos "Ministral Show", para contar a historia de Marcus Manasseh Garvey, o "Moisés Negro" do Harlem.

O episodio em que se viu envolvido Garvey confunde-se sobremaneira com a epoca em que o jazz tomava conta dos Estados Unidos, e transformava-se na boa dos jazz-man da chamada primeira linha, em saborosa piada.

"Squashie", com seu terno branco de linho curto, e sua inseparavel bengala, arrancaria vaias da criançada nas ruas mas teria empolgado os musicos da epoca com seu talento, e, principalmente, com a historia musicada do "Moises Negro".

Foi por volta de 1917, quando o Harlem florescia como um recanto encantado, apesar das lutas segregacionistas e problemas economicos. As peças musicais "Kikukor" e "Bassa Moone", escritas, representadas e dirigidas por africanos, já havia enriquecido a vida cultural da comunidade.

Duke Ellington e Cab Calloway começariam a ganhar reputação como chefes de orquestras e o pugilista Batting Siki, após derrotar o boxador Georges Charpentier, embasbacaria Paris dentro de um poderoso automovel, com um leão atrelado. Centenas de "Hong Tonks" prosperavam e Bessie Smith estaria destinada a ser idolatrada pela raça negra. Exatamente quando o ritmo da vida do Harlem parecia estar sendo marcado pelo jazz, aconteceu.

Roi Ottley, na sua obra sobre os negros da America, relata o aparecimento e o fim de "Moises Negro". Mas há musicologos e sociologos que põem a historia na boca de "Squashie" a fim de que alcance a verdadeira dimensão anedotica dentro da sua veracidade.

Marcus Manasseh Garvey, preto tempestuoso, nascido nas Indias Ocidentais, criado em regime de casta de cor - brancos e negros e mulatos - teria se ressentido e alimentado um odio surdo contra os mulatos. Isto teria levado a fundar a "Universal Negro Improvement Association", que pregava a volta dos homens negros à Afriea.

Feio, baixo e gordo, de olhos inteligentes e cabeça grande, após liderar a malfadada greve de tipografos, começou a pregar suas idéias em grandes discursos para os vagabundos, de Lenox Avenue. O Harlem ignorava suas pregações e o tachava de "imigrante" indesejavel. Mas quando um louco entrou no seu quarto e o baleou, Marcus saiu ensanguentado pela rua a correr e a gritar. A verdade é que o fato tomou proporções heroicas. Em pouco tempo, Marcus liderava nucleos negros até fazer do Harlem o seu quartel-general. Ali construiu um barracão coberto de zinco, o "Liberty Hall", e começou a editar "The Negro World" e a mobilizar a opinião publica através de circulação mundial.

Sem esmorecer nos seus propositos de fazer com que os negros retornassem à Africa, fundou uma marinha mercante e batizou-a com o nome de "Black Star Line", anunciando que a soma necessaria para a sua capitalização seria de dez milhões de dolares. Após a venda de ações anunciou a compra do primeiro navio chamado "Yarmouth" e o rebatizou de "Frederik Douglas". Os negros empolgaram-se. Permaneciam aos milhares nas margens do Hudson e até pagavam um dolar para subir a bordo e apertar a mão da tripulação negra.

O lançamento do navio foi algo de indescritivel, bandeirolas, especiarias, culinarias, danças e jazz de primeira continuaram por muitos dias mesmo quando o barco largou amarras e iniciou sua primeira viagem sob as cores da "Black Star Line".

Com um carregamento de quinhentas caixas de uisque caro que deveria ser entregue em Cuba, o navio começou a afundar logo depois de New-port News. Ottley conta que tiveram que jogar ao mar o uisque para não afundar. Mas "Squashie" teria contado que a tripulação resolvera beber todo o carregamento de uisque, uma vez que teria de jogá-lo ao mar para evitar naufragio. E que depois de bebedeira, é claro, caberia um bom jogo de dados, um lamento africano e uma boa seção de jazz, enquanto o navio viajava ao sabor das ondas por muitos dias.

A história do jazz registrou "em varios blues", alem dos "Ministhel show", essas passagens pitorescas da luta dos negros pela liberdade e direitos humanos. Mas os proprios homens do jazz divertem-se com a versão de "Squashie" e encontram sempre no velho tema um motivo para fazer jazz.
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