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São
Paulo, domingo, 6 de agosto de 1978
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A OPOSIÇÃO TEM QUE DAR AS CARTAS
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Entrevista
a Jefferson Del Rios |
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O vulto magro saiu da casa iluminada e avançou pelo jardim
sem iluminação, numa casa de campo localizada com
certa dificuldade a 70 quilômetros de São Paulo:
- Quem é?
- Professor Fernando Henrique?
- Ele mesmo!
- Vou incorrer na sua ira, mas é a imprensa que está
chegando.
- E vai! Mas pode entrar...
Entramos e ele avisa a mulher, fazendo graça: Ruth, fomos
descobertos!
Fernando Henrique Cardoso não precisou mais de dois anos
para se refazer da campanha eleitoral.
É um homem que transmite uma clara sensação
de vitória.
Está convencido de que o resultado das urnas terá
desdobramentos e espera exercer um papel de destaque dentro do
MDB.
Ao observá-lo durante uma entrevista, não é
dificil reconhecer suas características e trunfos mais
evidentes.
Ele é brilhante e apaixonado na exposição
de suas idéias, qualidade que se juntam a sua fina habilidade
no tratar de assuntos controversos. Com uma presença física
convincente e uma oratória moderna, despida de teatralismos,
Fernando Henrique Cardoso sabe que conquistou um espaço
de atuação política e vai usá-lo.
O professor veio para ficar.
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FOLHETIM - O senhor estava entre aqueles que defendiam a criação
de um partido popular. Ocorre que o resultado da última eleição
reativou a tese da necessidade de se manter o MDB coeso. Qual a
sua posição diante desse fato novo?
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO - Nós começamos a conversar
sobre a criação de novos partidos há algum
tempo atrás, na expectativa que houvesse uma abertura, que
não houve. Houve uma frestazinha. A nova lei eleitoral é
ainda muito restritiva. Mas o problema maior não é
este, é político.
Todo mundo sabe que, como disse Ulisses Guimarães, o MDB
é uma confederação de oposições
e, como tal, um instrumento para um momento, precário para
o momento seguinte. A questão é saber em que momento
estamos: neste ou no seguinte. Eu noto agora um grande empenho do
governo de criar novos partidos, empenho por um lado elitista e
autoritário e por outro equivocado. De repente, todo homem
de governo, a começar por esse Lembo que, vamos ser claros,
só tem dito coisas sem sentido como, por exemplo, pega a
minha vitória e em vez de reconhecê-la e analisá-la
fica tentando minimizar, pois bem, esse mesmo Lembo fica insistindo
que é preciso partidos ideológicos. O que que é
isso? Acho que o partido não é só uma questão
ideológica, o partido são grupos de homens que têm
certos interesses e estão lutando em função
de certas posições políticas e a ideologia
vai junto disso. Não acho que seja o momento em que se possa
preencher abstratamente os vazios ideológicos.
FOLHETIM - Em que momento estamos então?
FERNANDO - Estamos numa luta concreta cujo principal inimigo
continua sendo esse regime que está aí. Essas eleições
não foram livres, foram feitas sob a égide da Lei
Falcão. Em segundo lugar, não temos eleições
diretas para governador e presidente da República. Terceiro:
desnaturaram o sistema representativo dando um peso maior à
votação no Norte-Nordeste do que no Centro-Sul e fizeramos
deputados proporcionais não número de eleitores mas
ao número de habitantes. Por outro lado ainda temos o pacote
de abril, as leis de exceção e a lei anti-greve. Então
a pergunta concreta é a seguinte: nesse contexto o que nos
cabe fazer? Eu acho que o futuro da democracia no Brasil depende
da nossa capacidade de criar partidos, não ponho isso de
lado não. Ao contrário, acho muito importante. Mas
no momento em que o governo insiste tanto em criar partidos, eu
desconfio.
FOLHETIM - Então, o que os senhores pretendem fazer com
o MDB?
FERNANDO - Se der para ter mais nitidez de posições,
nós já estamos preparando futuros novos partidos dentro
do MDB para uma etapa seguinte. Se Não der para ter uma nitidez
de posições, acho que então o MDB deixará
de cumprir sua função. Acho que nós não
estamos mais em 1974. Acho muito importante distinguir entre a vitória
de 74 e a de 78 porque a primeira foi uma explosão, mas agora
não. Desta vez foi uma mudança dentro do MDB. O setor
autêntico, progressista, à esquerda do partido, saiu
vitorioso. Está mais nítida a existência de
um setor que vai pesar mais. Então, o partido terá
de dar (cabimento, cabida) a esse grupo, o que não significa
que vai alijar os outros grupos. Nas circunstâncias atuais,
caberá a nós concentrar mais o peso da crítica
dentro do MDB. Eu li vários artigos nos últimos dias
e o Perseu Abramo escreveu um artigo muito sensato na "Folha"
onde ele diz exatamente isso, ou seja, já há um partido
novo, não um novo partido. Nós precisamos não
é de um novo partido, mas de um partido novo.
FOLHETIM - Como o senhor espera liderar ou articular dentro
do MDB o leque ideológico que se formou em torno da sua candidatura?
FERNANDO - Seria um pouco pretensioso eu dizer que pretendo
liderar. Eu pretendo exercer o papel que tenho podido exercer, agora
de certa forma com mais ressonância por ter passado por um
teste eleitoral. O meu papel é de aglutinação
das várias tendências do setor autêntico, incluindo
o setor liberal do partido. Um partido é a capacidade que
você tem de agrupar interesses que podem ser às vezes
diversificados mas que se unem em função de inimigos
maiores. É o que tenho feito continuamente aqui em São
Paulo. Acho que posso exercer um trabalho desse tipo, por um lado
com a ligação direta e pessoal que eu tenho com uma
boa parte da bancada recém-eleita. Posso porque eu escrevo
e vou continuar escrevendo, principalmente na "Folha".
Posso porque eu tenho uma ligação direta muito boa
com a liderança nacional do MDB. É assim que vou ajudar
aqueles que pensam da mesma maneira. Você disse que durante
a minha campanha se juntaram em torno do meu nome pessoas de tendências
diversas. É verdade e eu acho importante porque é
assim que se forma um partido.
FOLHETIM - Em uma das suas últimas entrevistas, o senhor
explica o que é a esquerda do MDB, salientando que ela tem
determinadas características que não seriam necessariamente
"marxistas e etc". Mas dentro dessa aglutinação
pretendida como ficariam os "marxistas e etc"?
FERNANDO - Ficam dentro do mesmo jeito. Acho que qualquer tentativa
de isolar os marxistas e etc seria uma manobra intolerável
e antidemocrática. O que você não pode querer
é ter dentro do MDB a predominância de uma ideologia
estruturada, porque aí estouraria. Acho mesmo que a predominância
dessa ideologia estruturada, mesmo fora do MDB, levaria a uma seita.
Deve haver uma compreensão da situação política
mais do que da situação ideológica.
FOLHETIM - O tom das suas últimas entrevistas é
agressivo, o que alguns setores interpretaram como arrogância
e vontade de ditar normas ao partido. O senhor realmente pretendeu
alguma coisa além de enviar recados ao grupo fisiológico?
FERNANDO - Não. Os recados são para os fisiológicos.
Com relação ao resto eu não tenho nenhuma agressividade.
Ao contrário, o papel que posso cumprir é o oposto
disso. Se eu sair por aí com um tacape na mão eu vou
simplesmente derrapar. Talvez num dado momento, no calor da luta,
de repente você se esquenta um pouco mais, mas eu não
quero, de maneira nenhuma, dar uma imagem de alguém que vai
se arrogar a isso ou aquilo em função de uma votação.
Não, não vou.
FOLHETIM - Fora da área do MDB, o senhor também
disse que não receberá ordens de Brizola. É
um tipo de agressividade que provou certo mal estar pois, afinal,
Brizola não está aqui e não pode participar
do debate político.
FERNANDO - Não, não. Com relação
ao Brizola foi um mero exemplo. Eu quis dizer que um partido democrático,
não aceita um caudilho. Podia ser Brizola, Quércia,
Arrais, Ulisses, quem fosse. Na situação brasileira
não cabe mais um partido de caudilhos. O que Brizola tem
declarado não é distante do que eu estou dizendo.
Ele tem declarado que está disposto a conversar. Mas, por
outro lado, acho que algumas pessoas, brizolistas, vem com uma conversa
como se a brizolismo fosse alguma coisa suficiente para esclarecer
o que é um programa de partido. Agora, de maneira nenhuma
eu excluiria o Brizola por ele estar fora. Ao contrário,
eu tive uma excelente conversa com ele em Nova York, e se eu for
aos Estados Unidos novamente, se ele estiver lá, conversaremos
novamente. Acho que Brizola deveria estar no Brasil, acho correto
e legítimo que ele volte. Seria bom vê-lo situado no
Brasil. Se aqui, na prática, demonstrar o mesmo bom-senso
que tem demonstrado nas entrevistas, ele vai ajudar a construir
um movimento democrático no País.
FOLHETIM - Já que estamos tratando de questões
delicadas envolvendo suas posições, declarações
e a sua campanha, gostaria de saber se o senhor tem ciência
de que há dentro de alguns setores do MDB críticas
à atuação da sua assessoria direta, acusada
de intolerância, arrogância e elitismo, o que teria
dificultado certos contatos e combinações políticas?
FERNANDO - Não sei, é possível mas não
sei disso. Na hora da política eleitoral todo mundo fica
muito sensível, difícil de conversar. Alguns comitês
ficam, algumas equipes ficam. Eu não. Acho que se passar
a limpo o que está acontecendo ficará mais maledicência
do que algo real. E não há ninguém que tenha
influência direta sobre mim, não sou levado por essas
coisas. Converso com todo mundo, faço o maior esforço
possível para ser aberto. Não creio que tenha sido
intolerante com alguém em particular.
FOLHETIM - Mas houve um problema na ligação entre
a sua campanha com a de alguns deputados. Concretamente, o Alberto
Goldman enfrentou um problema de cédulas comuns. O seu comitê,
na última hora, não forneceu cédulas na quantia
prometida à campanha do Goldman.
FERNANDO - Isso aí são coisas menores. Todo mundo
sabe que eu tive enormes dificuldades financeiras e de organização,
posto que não havia realmente essa organização.
Ao contrário, se alguém recebeu quantidade razoável
de cédula foi Alberto Goldman, por determinação
minha. Acho mesmo que as coisas ocorreram ao contrário. Todos
sabem que o Goldman, na boca da urna, abriu e colocou a minha cédula
e a cédula do Franco Montoro juntas. É certo que houve
atraso na entrega do material, mas não contra o Goldman,
houve atraso no geral. E devo dizer que não creio que isso
tenha maior gravidade. Na hora do vamos ver; o pessoal fica nervoso,
quer ter uma votação grande, é normal que aconteça.
O que não é correto é imaginar coisas do meu
comitê.
FOLHETIM - Os mesmos setores que o criticavam alegam que o senhor
não pode se queixar dos que abriram, ou seja, fizeram campanha
com Franco Montoro porque o senhor, por sua vez, abriu com candidatos
que não são exatamente autênticos, como é
o caso de José Camargo.
FERNANDO - Não foi bem assim não. O José
Camargo abriu também. Eu não trabalhei com ele, trabalhei
com todo mundo. Acontece que um candidato local, de Guaratinguetá,
trabalhou com o José Camargo e comigo. Então, o que
se vai fazer? Por essa mesma razão não estou cobrando
ninguém o fato de ter aberto. A minha luta na verdade não
é com o Montoro, é com a Arena, com o Lembo. Acho
que, como eu tive mais de um milhão de votos, daria para
eleger 20 deputados se tivéssemos uma estratégia mais
unificada. Teria sido melhor para os autênticos em geral.
Não digo isso com mágoa ou com queixa. Muitos não
tinham condições de ficar só comigo. E se o
tribunal não registra a minha candidatura? Muitos não
ficaram por isso, o que eu vou fazer? E um dado objetivo. Outros
não ficaram porque realmente tinham medo de ficar só
comigo. Desde o início definimos a sublegenda e que haveria
permeabilidade entre os grupos. Muita gente que trabalhou com o
Montoro trabalhou comigo. Logo, eu não posso que queixar
da recíproca. Não é tão grave. Eu e
o Montoro somos do mesmo partido.
FOLHETIM - Delineou-se, em todo caso, durante a campanha um
confronto entre o seu grupo e o do senador Franco Montoro. Há
um interesse de neutralização de parte a parte. Como,
então, o senhor pretende trabalhar dentro do MDB existindo
essa disputa latente?
FERNANDO - Exatamente como vou agir como os outros grupos do
partido. Em princípio, não há nada que nos
separe contra o inimigo comum, o autoritarismo. Se por algum caso
concreto nós nos dividirmos, eu e o Ulisses, o Quércia
ou o Montoro, nós nos dividiremos. Mas em tese não
tem por que haver uma relação armada, de forma nenhuma.
Eu acho que é preciso dar passos adiante. Por que mais de
1 milhão de pessoas votaram em mim? Porque acharam que é
o momento de diferençar. A diferença entre nós
dois na campanha é que o Montoro restringiu sua luta basicamente
aos temas institucionais: eleições diretas, etc. Eu
fui pelos temas sociais. O Montoro pegou no fim os temas sociais
porque viu que eu estava crescendo. E o discurso unificou-se. Você
nota que os primeiros discursos meus e os últimos do Montoro
dizem a mesma coisa. Isso é bom. Na visão que eu tenho,
que não é personalística, o importante não
é o que eu tenha feito, mas que o partido tenha caminhado
numa dada direção.
FOLHETIM - Quais são os seus planos imediatos de trabalho
dentro do MDB?
FERNANDO - Vou ter que conversar, primeiro com o pessoal que
trabalhou comigo e os que foram eleitos. A questão é
essa, muitos dos que estavam comigo não são do MDB.
Por exemplo, o Lula não é do MDB. Uma boa parte da
liderança sindical não só não é
do partido como é crítica em relação
a ele. Boa parte dos artistas e dos estudantes é a mesma
coisa, dos antigos deputados cassados, como Almino Afonso e Plínio
de Arruda Sampaio é a mesma coisa. Então, eu vou ter
de conversar com eles. Eu vou expressar os meus pontos de vista,
que são os que exponho aqui, mas imaginemos que eles tenham
uma visão mais radical com relação do MDB,
que não dá. Vamos ter de discutir. Imaginemos, por
outro lado, que eles digam que sim, então vou ter que conversar
com o MDB porque essa gente tem de ser incorporada pelo partido.
E incorporada como quem tem vez.
FOLHETIM - O ex-ministro Almino Afonso foi um dos mentores da
sua campanha e é sabido que ele pretende lançar um
movimento para a formação de um partido popular. Agora,
porém, prevalece a idéia de fortalecer o MDB. O senhor
acha que poderá trazê-lo para o atual partido da oposição?
FERNANDO - Eu tenho que conversar com o Almino, como tenho de
conversar com o Lula, com o Plínio de Arruda Sampaio, uma
porção de gente. O Almino quando colocou a questão
de um partido popular estava imaginando também que a democracia
brasileira avançasse mais do que avançou. Não
sei qual é o ponto de vista do Almino hoje. Conversar sobre
política é medir forças. Nós não
podemos fazer um partido sectário nem local. É preciso
ver o que pensa o Jarbas Vasconcelos e o Marcos Freire em Pernambuco,
o Lisâneas Maciel e o Roberto Saturnino no Rio, o Pedro Simon
e o pessoal que está à sua esquerda, no Rio Grande
do Sul. Não é? O que pensa o Airton Soares, o Alberto
Goldman, o Flávio Bierrembach, o Eduardo Suplicy. O que pensa
o Brizola, o Arrais, o que pensam as lideranças que estão
marginalizadas e que têm algum efeito no Brasil.
FOLHETIM - Quer dizer que - prioritariamente o senhor pensa
em se avistar com esse pessoal e chegar a um consenso?
FERNANDO - Não tem dúvida nenhuma, temos que caminhar
juntos. Como eu não sou individualista, nem voluntarista,
acho que temos que conversar e articular tudo isso. O Almino está
nesse quadro, como está o Mário Covas. Quem mais me
deu a mão nessa campanha foi o Covas. Não estou dando
nenhum passo precipitado porque seria vedetismo inutil. O que o
Almino Afonso defende é um partido democrático, popular
e que tenha uma visão socialista. O MDB não tem essa
visão socialista. Como vamos compatibilizar essa visão
com o MDB? É possível um partido com tendência
socialista hoje no Brasil?
FOLHETIM - Comenta-se que o senhor, tendo ao seu lado uma parte
da liderança sindical, que atua paralela ao MDB, poderia
romper com o partido e criar outro movimento com certa base operária.
FERNANDO - Talvez eu tenho força para isso. Agora, eu
também tenho responsabilidade política. Eu não
farei nada em termos pessoais, não tenho ambição
de ser o dono da bola. Eu tenho realmente intenção
de influir dentro de um contexto mais amplo. Não estou dizendo
que isso não ocorra no futuro, mas para que pré-julgar
o futuro? No momento tenho que saborear a vitória e foi uma
vitória do MDB, e das forças democráticas contra
o regime que está aí. Não usarei a minha voz
para fazer coro ao Golbery. Eu sou de vida política previsível.
Basta ver o que eu fui no passado. Nunca tive uma política
personalista, nada disso, não é o meu jeito. Não
sou um homem de jogadas. Eu concordo com o Perseu Abramo; há
um partido novo no Brasil. Esse partido novo está em parte
no MDB e em parte fora. Dá para fazer um ponto de união
entre eles?
FOLHETIM - E se não for possível?
FERNANDO - Imaginemos que o MDB não tenha um comportamento
à altura do momento; que a massa fisiológica e o adesismo
pesem mais do que a gente está imaginando. Então eu
saio e não é que saio sozinho. Nós, o grupo
todo, que não é uma coisa pequena e sectária,
sairemos. Outra coisa é o PTB que está sendo lançado
aí. Quem está fazendo partido é o PTB.
FOLHETIM - Existem duas correntes pensando em PTB. Uma é
a do Brizola, a outra é a da Ivete Vargas. A qual delas o
senhor se refere?
FERNANDO - O PTB mesmo, que pesaria seria o do Brizola. Então,
se é constituído o PTB, como é que fica?
FOLHETIM - Exatamente o que eu gostaria de saber. Como é
que o Senhor fica se surgir o PTB?
FERNANDO - Eu acho que depende de ver se as forças novas
do Brasil topam ou não topam. O Lula topa? O setor mais avançado
da Igreja topa? O setor estudantil e autêntico do MDB topam?
Se toparem é o MDB dos nossos sonhos. Se não toparem
é o passado e eu não compro o passado.
FOLHETIM - O senhor já declarou guerra aos fisiológicos
e adesistas do MDB. Falta saber agora qual é o seu plano
de combate.
FERNANDO - Eu acho que deveremos enrijecer as posições.
A situação exige uma posição mais firme
com o governo. O MDB foi maioria na Assembléia em 74 e o
Paulo Egídio não teve problemas. Agora vem o Maluf
aí pela frente e eu acho que ele tem que ter problemas. Vem
o Figueiredo aí pela frente e ele tem que ter problemas.
O MDB não pode conceder em questões essenciais. Temos
que dar ênfase maior à política econômica
e social, principalmente a redistribuição de renda.
Nós vamos ter na Câmara quase o mesmo número
de deputados da Arena. Nós vamos ter, no Senado, a oportunidade
de fazer comissões de inquérito.
FOLHETIM - Sim, mas eu gostaria de saber como, objetivamente,
o senhor vai atacar os fisiológicos.
FERNANDO - A única atuação possível
é com a bancada estadual e federal e com a direção
nacional. E eu vou continuar atuando junto a direção
nacional como sempre tenho feito, só que agora tenho mais
força política. Não vou usar isso para fazer
ameaças. Não vou dizer se fizerem isso, faremos tal
coisa. Mas isso está virtual. Eu representei nesse momento
uma ampliação do partido. Se o MDB quiser marchar
nessa direção, vai ter que dar mais espaço
para todos nós.
FOLHETIM - O senhor já entrou em contato com a alta direção
do MDB?
FERNANDO - Conversei só pelo telefone com o deputado
Ulisses Guimarães e encontrei nele, como sempre, a melhor
disposição. Conversei com o Quércia também
pelo telefone. Conversei pessoalmente com o Montoro e vamos ter
que conversar mais. Essa campanha toda foi feita sem arranhões
pessoais.
FOLHETIM - O senhor encontrou dentro do MDB alguma resistência
declarada à sua atuação?
FERNANDO - Encontrei resistência na convenção,
onde muita gente não queria que eu fosse candidato. É
normal, um partido é isso mesmo. Depois encontrei não
resistência ativa, mas descrença, especialmente porque
há esse preconceito antiintelectualista, essa bobagem de
que o intelectual não pode participar com o povo, esquecendo-se
que o Montoro é professor, todo mundo é professor.
Acho que os dados demonstraram o contrário. Tive uma votação
ampla no interior e na capital. O percentual mais alto foi alcançado
em São Caetano e na Baixada Santista, acima da média
em todo ABC e na Grande São Paulo, o que mostra que a votação
foi espalhada e foi mais quando há mais industrialização,
mais setor popular. Onde tive votação relativamente
menor foi na periferia, mas bem maior que a do Lembo. A razão
é óbvia porque na periferia o Montoro é mais
conhecido. Então, o que era uma resistência passiva
dentro do MDB passou a ser um certo espanto no fim.
FOLHETIM - O MDB não estaria incorrendo no risco do triunfalismo
quando alguns dos eleitos começam a fazer pronunciamentos
agressivos, com relação às áreas estadual
e federal?
FERNANDO - É possível, mas você tem que
fazer um pouco isso porque senão você não mobiliza.
O MDB tem que dar as cartas, tem que cantar grosso. Eu acho que
esse triunfalismo está respaldado por um triunfo real. Nós
temos uma diferença de 5 milhões de votos sobre o
governo no cômputo global. O setor autêntico tem que
avançar, o que não significa liquidar o setor liberal
do partido, mas sim atrair a ala liberal para essas posições
e isolar o setor adesista.
FOLHETIM - Como o senhor está interpretando o quadro
nacional no momento da transição para o governo do
general João Batista Figueiredo?
FERNANDO - O dado mais importante na conjuntura é a falta
de credibilidade do governo. Você não governa sem credibilidade.
Maluf e Figueiredo é uma dupla que está sob mira.
Não tem credibilidade na própria classe dominante,
entre os empresários, não tem credibilidade na Igreja,
entre os operários. Isso ao mesmo tempo em que pode facilitar
uma transição é um problema difícil
porque um governo sem credibilidade se torna um governo errático,
capaz de dar golpes a esmo.
FOLHETIM - Diante desse perigo qual será, na sua opinião,
o papel do MDB ou do seu grupo dentro do partido?
FERNANDO - Cabe a nós constituirmos alternativas. Acho
que esse governo historicamente está esvaziado. Nosso papel
é o de dar uma força político-moral ao partido
da oposição.
FOLHETIM - A sua alternativa passaria por alguma espécie
de composição com os militares?
FERNANDO - No Brasil não há uma alternativa de
poder sem os militares. O MDB, ao meu ver, tem que ter uma política
para os militares. Assim como o governo perde credibilidade, nós
temos que ganhar credibilidade. É preciso ganhar a confiança
de que seremos capazes de mudar o Brasil, não só governar.
A coisa é simples em linhas gerais e muito difícil
na prática. É preciso mudar essa sociedade, que é
basicamente elitista, de superexploração assimétrica
socialmente. É preciso estabelecer igualdade entre regiões,
diminuir a diferença entre grupos. Isso só se faz
com democracia, que significa o reconhecimento da legitimidade do
conflito. Isso inclui a greve, a pluralidade partidária,
a liberdade de falar. Se eu pudesse imaginar qual é o partido
ideal para mim, acho que deveria ser um isto de PTB com PS. Quero
dizer com isso, um PTB sem caudilho e sem ligações
com o Estado, enraizado nas massas e com democracia interna, que
tivesse o objetivo claro de diminuir as diferenças sociais
e aumentar a capacidade da população de participar
das decisões econômicas.
FOLHETIM - O senhor parece sintonizado com os projetos da Internacional
Socialista para toda Europa e ultimamente para a América
Latina.
FERNANDO - Eu não sei, nem acompanho na verdade. Você
pode dizer que o Partido Comunista Italiano pensa a mesma coisa
e no entanto não faz parte da Internacional Socialista. Outros
partidos que não estão em nenhuma dessas tendências
pensam a mesma coisa.
FOLHETIM - O senhor não tem ou teve alguma ligação
com a direção da Internacional Socialista?
FERNANDO - Nem conheço. Não tenho nenhuma ligação
e não quero ter. Seria colocar o carro diante dos bois, só
serviria para uma exploração interna dessas comuns,
em paises provincianos como é o nosso. Eu acho normal ligações
assim, o Brizola tem ligações, mas é usada
aqui no Brasil como instrumento de baixa política. Não
creio que seja interessante, o pensamento da Internacional Socialista
na Europa não vai mudar nada aqui.
FOLHETIM - O senhor tem algum plano para tentar mudar o comportamento
das lideranças sindicais que atuam mais como franco-atiradores,
como parece ser o caso do Lula, sem compromissos partidários?
FERNANDO - Eu não creio que o Lula corra como franco
atirador. Tenho estado bastante próximo, não só
ao Lula mas a muitos dirigentes sindicais e estou convencido hoje
que existe uma equipe grande desses dirigentes que estão
afinados. Se eles não tocam na mesma partitura, eles são
bons de ouvido e tocam no diapasão correto. Eles querem ter
um certo peso na decisão sindical e nacional. Não
acredito que o movimento sindical isolado possa levar a uma transformação
da sociedade, mas acho que sem ele não se faz nada. Tem que
haver uma relação entre o movimento sindical e o movimento
político. Nunca pretendi nem pretendo exercer nenhum papel
específico com relação aos sindicatos. Não
creio que seja a minha tarefa. Seria desnaturar o que é o
movimento sindical e o que é a relação correta
entre um político e o movimento sindical. Acho que nós
devemos ajudar a dar um espaço para o movimento sindical
e prestar muita atenção porque ele vai ser importante
no Brasil.
FOLHETIM - Na área partidária, existem brigas
dentro do MDB, perigosas para a sua unidade. O senhor pretende atuar
para que não se alastrem esses atritos surgidos no período
eleitoral?
FERNANDO - Nos setores próximos a mim, certamente.
FOLHETIM - Seria interessante traçar agora o seu perfil
acadêmico pois a grande maioria dos seus eleitores não
conhece direito a sua carreira até ser candidato. Como começou
a sua vida universitária?
FERNANDO - Começou em São Paulo. Fiz todo o meu
curso na USP e quando estava no 4o ano de Ciências Sociais
fui nomeado, em 1952, assistente de história econômica
na Faculdade de Economia. A titular era a Alice Canabrava. Fiquei
dois anos lá e depois passei para a Faculdade de Filosofia,
onde fui auxiliar de ensino do professor Roger Bastide. O prof.
Florestan Fernandes era o 1o assistente. Depois fiz a minha carreira
na cadeira de sociologia, primeiro com o Bastide e depois com Florestan.
Fiz mestrado, doutoramento e livre-docência em sociologia,
sempre na USP.
FOLHETIM - O que o senhor estava fazendo em 64?
FERNANDO - Quando veio o golpe de 1964 eu estava me preparando
para fazer o concurso de cátedra em sociologia. Nessa altura
eu estava muito envolvido na vida universitária. Fui representante
no Conselho Universitário, primeiro de ex-alunos, depois
de doutores, depois de livre docentes. No Conselho esteve em choques
com várias outras pessoas, especialmente com o, como é
que chama? O Gama e Silva - que veio a ser ministro da Justiça
e que propôs a minha aposentadoria. No Conselho Universitário
eu trabalhei muito próximo do reitor Ulhoa Cintra e tive
talvez uma certa influência, junto com vários outros
professores, no movimento de modernização da Universidade.
Por exemplo, a criação da FAPESP (Fundação
de Amparo à Pesquisa no Estado de S. Paulo).
FOLHETIM - Com 1964 todo o seu trabalho foi suspenso?
FERNANDO - Com o golpe, eu me afastei com a ilusão de
que a Universidade me fosse conceder o afastamento, coisa que tinha
sido combinada com o reitor em exercício, Mário Guimarães
Ferri, que não cumpriu a palavra. Não me deram o afastamento
e fiquei numa situação difícil porque eu saí
do Brasil, havia perseguição aqui. Fui desligado da
USP e fiquei quatro anos no exterior. Fui primeiro para a CEPAL
(Comissão Econômica para a América Latina),
no Chile, que é um órgão da ONU, onde fui diretor
da divisão social enquanto lecionava na Universidade do Chile.
Depois, dei aulas em vários países da América
Latina.
FOLHETIM - Além de ter sido desligado da USP, o senhor
foi processado.
FERNANDO - Sim, foi um processo contra mim, Mário Schemberg,
Florestan Fernandes e contra o professor João Cruz Costa.
O processo foi de 1964 a 1967 mas eu ganhei.
FOLHETIM - Quais eram as acusações que pesavam
sobre os senhores?
FERNANDO - Cada um tinha as suas acusações. Eu
nunca cheguei a ver de perto a denúncia mas eu fui acusado,
por exemplo, de ter sido favorável à Petrobrás,
coisa que eu fui efetivamente, e outra coisas ridículas.
O processo foi trancado no Supremo Tribunal Militar depois do voto
do general Pery Beviláqua, que protestou energicamente pelo
fato de terem determinado prisão preventiva em função
disso. Nessa época eu estava fora, na América Latina,
escrevendo trabalhos. Eu tenho mais livros fora que dentro do Brasil,
especialmente sobre a dependência e desenvolvimento na América
Latina, traduzidos em inglês, francês, alemão,
sairá em japonês brevemente. Provavelmente ajudei a
formação de toda uma geração na América
Latina com esses trabalhos. Daí fui para a França,
em 1967, como professor da Universidade de Paris, em Naterre. Em
seguida me readmitiram na Universidade de São Paulo, depois
de trancado o processo. Devo a minha readmissão ao professor
Florestan Fernandes. Vagou-se uma cátedra de ciência
política com a morte de seu titular, Lourival Gomes Machado.
Vim da França para fazer o concurso e ganhei o lugar, em
outubro de 1968.
FOLHETIM - Mas a cassação ocorreu em seguida.
FERNANDO - Em dezembro veio o AI-5 e em abril fui aposentado
compulsoriamente. Então, você vê que estou fora
da USP desde 1963, quando ministrei o último curso regular.
A parte mais conhecida da minha carreira foi feita fora do Brasil.
Depois que me aposentaram participei da fundação do
CEBRAP (Centro Brasileiro de Pesquisa) junto com outros colegas.
Continuamos trabalhando aqui, mas uma parte desse tempo, quase 10
anos, eu dei aula em toda parte no estrangeiro, os últimos
postos foram em Cambridge, na Inglaterra, onde fui titular, e em
Princeton, nos Estados Unidos.
FOLHETIM - Em que circunstâncias se processou a sua cassação
na USP?
FERNANDO - Não teve circunstância nenhuma. Eu ouvi
pela "Hora do Brasil" que estava cassado. Aposentado.
Fui nomeado em outubro e cheguei a dar um mês e meio de aulas
e já fui afastado. Não deu nem tempo de fazer alguma
coisa que fosse contrária a qualquer coisa da universidade.
Foi arbítrio puro.
FOLHETIM - O senhor fez uma referência à participação
de Gama e Silva no caso.
FERNANDO - Ah, sem dúvida. Foi ele quem articulou esse
negócio todo. No mínimo não fez o que deveria
ter feito, defender a Universidade. Ao contrário, na verdade,
desde 64, criaram uma comissão dentro da Universidade que
indicou os nomes dos que deveriam ser cassados. Não foram.
Os militares não seguiram a vontade sanguinária de
cassar gente em 1964. É preciso dizer que há professores
na Universidade que dedaram os seus colegas. Assumiram a tarefa
repressora com o entusiasmo na alma. Do meu ponto de vista estritamente
pessoal, foi bom, eu fiquei com projeção internacional,
andei pelo mundo afora. Agora, do ponto de vista brasileiro, foi
lamentável.
FOLHETIM - O senhor vai lutar para recuperar a sua cadeira na
Universidade?
FERNANDO - Não creio que seja o caso de eu me lançar
à luta. A situação ficou anômala porque
eu posso ser senador, é só o Montoro pedir licença:
assumir o cargo, fazer discursos, votar, mas não posso dar
aula na USP. É um fato objetivo e a partir daí cabe
uma ação popular, os próprios professores da
Universidade creio que já estão se mexendo, não
em função de mim, mas como um exemplo. Isso serve
para todos os outros porque o fundamento pelo qual fui afastado
é igual para o Florestan Fernandes, Mário Schemberg,
Jaime Tiomo, o Leite Lopes e outros. Então, foi importante
a luta que travei nos tribunais pela minha candidatura. Muito pouca
gente acreditava que eu pudesse vencer. Só a direção
do MDB comprou a briga, isso precisa ser dito. Foi uma luta democrática
pelo restabelecimento de direitos. Foi a primeira vez que um caso
de AI-5 foi derrotado pelo tribunal. Só isso para mim já
valeu a candidatura.
FOLHETIM -- Como se processou a sua entrada na política
mais direta?
FERNANDO - Quando eu voltei para o Brasil, quem nos procurou
no CEBRAP foi o Ulisses Guimarães que, em companhia do deputado
Pacheco Chaves, foi várias vezes lá. O Ulisses foi
persistente, queria uma colaboração nossa. Ele tinha
sido anticandidato e achava que ia haver uma virada e pensava em
um passo adiante na programação do MDB. Queria a nossa
ajuda para isso. Eu, junto com dois ou três companheiros,
- o CEBRAP nunca porque não pode - aceitamos dar uma colaboração,
que foi dada, à executiva nacional do MDB. A idéia
era uma só, tomar as teses de democratização
e dar a elas um conteúdo social. Quer dizer, a intersecção
entre liberdade e lutas sociais, salários, deveria ser o
tema do MDB. Fizemos o livrinho da campanha de 74 que foi distribuído
em todo o Brasil. Depois, em 76, de novo. Mas, antes disso, em 70/71
eu ia muito ao Rio Grande do Sul, com o Pedro Simon, onde fazia
conferências e já dizia que o regime é autoritário,
tem base militar, se mantém pela violência e com uma
política salarial repressiva. Era isso que nós dizíamos
nos anos do "milagre". Havia o milagre e a repressão.
Assumi uma posição clara de um professor que resolveu
ficar no Brasil mas que não queria pagar o preço de
calar a boca por estar aqui. O Pedro Simon sempre me apoiou, eu
tenho muito respeito por ele, foi uma boa coisa sua eleição
para senador. Ele fazia o equilíbrio, é um homem do
centro mas um centro que sabe valorizar as coisas, sólido.
FOLHETIM - Quando se começou a falar na sua candidatura?
FERNANDO - Muita gente havia falado da necessidade de uma abertura
do MDB para setores mais combativos e falou-se na possibilidade
de eu ser senador. Eu achei que era inelegível. Em todo caso,
tive uma conversa com o Ulisses Guimarães sobre isso e ele
achou que valeria a pena. Eles sondaram a questão da inelegibilidade.
Devo dizer também que o Orestes Quércia, no momento
decisivo, não fechou as portas do MDB. Ele entendeu que era
necessário abrir um espaço. Depois foram os deputados,
o Goldman, o Freitas Nobre, o Airton Soares e vários outros.
Não estavam contra o Montoro, nem era a minha proposição.
O Montoro no primeiro momento resistiu mas viu que era assim mesmo
e pronto. Teve um comportamento correto durante a campanha.
FOLHETIM - Comentou-se bastante, mas sempre de passagem, o passado
político da sua família, principalmente do seu pai.
O senhor guarda lembranças fortes desse período de
política doméstica?
FERNANDO - Meu pai, Leônidas Cardoso, era militar e advogado
e foi um homem muito ligado aos movimentos populares. Foi um dos
chefes da famosa passeata das panelas vazias em São Paulo,
em 1953, tinha muita ligação com o meio sindical,
a periferia, e era do PTB. Foi eleito deputado e teve um papel bastante
ativo na época. Assisti tudo isso, não muito de perto,
estava na carreira universitária que, em várias fases,
é exclusiva. Mas não fiquei alheio à transa
política. Meu pai foi tenente em 22 e meu avô Joaquim
Inácio Batista Cardoso foi um dos poucos generais solidários
com os tenentes. Todo esse pessoal, Cordeio de Farias, Juarez de
Távora e o Prestes conheceram o meu avô e meu pai.
FOLHETIM - O general Golbery, que é tido como um homem
habilíssimo, na cooptação de pessoas nunca
o chamou para uma conversa sobre os velhos tempos militares dos
seus parentes?
FERNANDO - Não. Estive uma única vez com o general
Golbery, em 1974, a pedido meu, por causa da censura na revista
"Argumento". Esgotados todos os recursos, pedimos uma
entrevista com ele.
FOLHETIM - Como foi o encontro?
FERNANDO - Foi uma entrevista durante a qual discutimos a censura.
Ele fez ainda perguntas sobre torturas, ele era contra. Perguntou
se o pessoal do CEBRAP havia sido torturado, citou alguns nomes.
Disse que eles estavam dispostos a acabar com aquilo. Respondi que
era muito difícil porque era um sistema.
FOLHETIM - Como o senhor acha que será o governo do general
Figueiredo?
FERNANDO - Desastrado. Falta ao general Figueiredo aquela força
que não se pode negar ao general Geisel. O atual presidente
tem uma vontade firme, uma certa linha, que eu não concordo
mas reconheço que ele tem. O general Figueiredo não.
Diz que vai ser democrata na marra, não se vê uma coerência.
FOLHETIM - O senhor se alinha entre aqueles que crêem
que ele não chegará ao final do mandato?
FERNANDO - Dadas as circunstâncias da mudança da
sociedade brasileira e se for verdade o que estou comentando, que
falta a ele essa linha, acho que vai ser difícil porque ele
terá um Congresso combativo, uma opinião pública
hostil, uma imprensa hostil, uma Igreja hostil, um operariado hostil.
Só se demonstrar que não é o que a gente pensa
que ele é.
FOLHETIM - Como o senhor vê a transição
final do Brasil para o pleno estado de direito?
FERNANDO - O pleno estado de direito supõe uma Assembléia
Nacional Constituinte, é fundamental. Agora, tão importante
quanto isso é nós passarmos por um período
de exercício de liberdades. Por isso eu acho que é
um pouco precipitado tudo com relação a partidos.
Você precisa ter um momento em que a sociedade se repense,
se reorganize e se reestruture. Acho que deveríamos ter um
período de convocação dessa Assembléia
em que as forças políticas pudessem se rearticular
em função disso. Para tanto é preciso haver
anistia, acabar o pacote de abril e as leis restritivas. É
claro que não teremos uma democracia que perdure se não
formos capazes de usar esses instrumentos todos de uma maneira coerente.
Então eu digo que é preciso ter um momento de exercício
de liberdade e tudo isso tem de ser cercado com uma Assembléia
Constituinte, que é a tese do MDB. |
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