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O
que é a liberdade como experiência humana? É
algo inerente à natureza humana? É uma experiência
idêntica, independente do tipo da cultura em que a pessoa
vive, ou difere de acordo com o grau de individualismo atingido
em uma determinada sociedade? É a liberdade apenas a ausência
da pressão externa ou é também a presença
de algo? Quais os fatores sócio-econômicos que contribuem
para o anelo da liberdade? Pode a liberdade tornar-se um fardo por
demais pesado? Por que, então, a liberdade é, para
muitos, objetivo cobiçado e para outros ameaça? Não
haverá igualmente, paralela ao desejo de liberdade, uma aspiração
instintiva à submissão? O que é no homem uma
sede de poder insaciável? Será o vigor de uma energia
vital ou uma incapacidade fundamental para experimentar a vida amorosamente?
A análise do aspecto humano da liberdade e do autoritarismo
obriga-nos a encarar um problema geral, qual seja o papel que os
fatores psicológicos desempenham como forças ativas
no processo social. A imagem familiar do homem nos últimos
séculos era a de um ser racional cujas ações
eram determinadas por seu interesse próprio e pela capacidade
de agir em conformidade com este. As forças obscuras e diabólicas
da natureza humana haviam sido relegadas para a Idade Média
e explicadas pela falta de conhecimentos.
A gente voltava os olhos para esses períodos com se faria
com um vulcão extinto. Sentíamos confiança
e segurança nas realizações da democracia moderna
exterminando as forças sinistras. O mundo parecia brilhante
e seguro, como as ruas bem iluminadas de uma cidade moderna.
Quando o fascismo subiu ao poder, a maioria das pessoas estava despreparada,
teórica como praticamente. Não foi capaz de crer que
os homens pudessem exibir aquelas pretensões para o mal,
aquela ânsia de poder, aquele desprezo pelos direitos dos
fracos ou aquele anelo de submissão. Nietzsche havia perturbado
o otimismo enfatuado do século XIX, o mesmo fez Marx, de
maneira diferente. Outro alerta veio mais tarde por parte de Freud,
indo mais além que qualquer outro no atentar para a observação
e análise das forças irracionais e inconscientes que
determinam certas partes do comportamento humano.
O homem tem de comer, beber, dormir, proteger-se dos inimigos, etc.
A fim de fazer tudo isto ele tem de trabalhar e produzir. Este trabalho
é determinado pelo sistema econômico. Cada espécie
de trabalho exige traços de personalidade inteiramente diferentes
e contribui para o estabelecimento de tipos diferentes de relacionamento
com as demais pessoas. A necessidade de viver o sistema social são
fatores que não podem ser modificados por ele como indivíduo
e determinam o desenvolvimento dos outros traços que revelam
maior plasticidade. O estilo de vida - demarcado pelo sistema econômico
- torna-se fator primordial na determinação da estrutura
do seu caráter. Existe um outro condicionante irresistível
a demarcar personalidades: a necessidade de relacionar-se e ser
aceito pelo mundo exterior. O homem pode viver em solidão
física mas não em solidão moral.
A função da ideologia e da prática autoritária
pode ser comparada à dos sintomas neuróticos. Estes
sintomas são fabricados por condições psicológicas
insustentáveis e, ao mesmo tempo, apresentam soluções
que permitem viver. O dinamismo da natureza humana tende a procurar
soluções satisfatórias desde que haja possibilidade
de alcança-las, quaisquer sejam elas. A solidão e
a impotência do indivíduo, sua busca de realização
de potencialidades, a capacidade ilimitada da industria moderna
são estímulos que constituem a base para uma procura
cada vez maior da liberdade e da felicidade.
A história da humanidade é a história da busca
da individuação e da aspiração de liberdade.
A busca da liberdade não é um processo metafísico,
é a resultante necessária do processo de individuação
e da expansão da cultura. Os sistemas autoritários
não podem extinguir as condições que dão
lugar à individuação, nem exterminar a busca
da liberdade que surge nestas condições.
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Erich Fromm (1900 - 1980),
um dos mais destacados teóricos da psicanálise contemporânea,
alemão, tornou-se cidadão norte-americano em 1938.
Sua formação sociológica, aliada à
visão psicanalista, conformou suas doutrinas de que o homem
é fruto de fatores psicológicos, intrínsecos,
acrescidos de outros, extrínsecos, sociais. Pode-se dizer
que Fromm foi o primeiro pensador a estabelecer um ponte entre
Freud e Marx, sem contudo abandonar os pressupostos psicanalíticos
sobre o mecanismo de formação das personalidades.
Sua visão psicos-social , profundamente humanista, permitiu
avaliações políticas originais, como nos
casos dos regimes autoritários, examinados num contexto
amplo em que se mesclam observações sobre a origem
das neuroses autoritárias com outras sobre os fatores sociais
que as estimulam. Autor fértil, Fromm tem grande aceitação
nos meios universitários da Europa, EUA e Brasil. Sua obra
mais famosa é a trilogia constituída de "O
Medo à Liberdade", "Análise do Homem"
e "Psicanálise da Sociedade Contemporânea",
traduzida para grande número de línguas, inclusive
para o português, e impressa em sucessivas edições.
O texto acima foi extraído de "O Medo à Liberdade"
(Zahar Ed. 10ª. Edição), com tradução
de O. Alves Velho.
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