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São
Paulo, domingo, 21 de maio de 1978
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QUE PAÍS É ESTE?
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Caio
Prado Jr. responde |
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Deste tema já se ocuparam ultimamente, no Folhetim, o antropólogo
Roberto da Matta ("O Autoritarismo"), o historiador José
Honório Rodrigues ("Que História é essa?")
e o professor Sérgio Buarque de Holanda. E agora, o historiador
Caio Prado Jr., 71 anos, "aposentado" pelo AI-5, em 1969,
no título de livre-docente da Faculdade de Direito da USP.
Publicou "Evolução Política do Brasil"
em 1933, "Formação do Brasil Contemporâneo
(Colônia)" em 1942, "História Econômica
do Brasil" em 1945, e "A Revolução Brasileira",
em 1966 entre outros livros. Por essa última publicação
recebeu, na época, o título de "Intelectual do
Ano" - o prêmio Juca Pato, instituto pela "Folha".
Um dos fundadores da Editora Brasiliense, nesta entrevista informal
ele faz algumas críticas do nosso passado e de seus reflexos
no presente. Mas não critica por criticar: "é
a superação de nossos problemas que me interessa".
Por Jary Cardoso
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I
- O Brasil chegou atrasado |
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"O
problema brasileiro é esse: o Brasil perdeu o bonde do capitalismo.
Não há dúvida nenhuma que chegou atrasado.
O capitalismo realmente transformou o mundo, quer dizer, criou um
progresso notável desde o século XVIII, e no século
XIX deu um impulso enorme.
Os Estados Unidos são uma presença à parte,
criaram uma civilização nova que tem também
aspectos negativos, que estão aparecendo mais agora. Mas
é um grande país e eu tenho uma enorme admiração
pelos Estados Unidos. Eu acho extraordinário o que eles realizaram,
o que está feito lá. Porque na realidade o que são
os Estados Unidos? Os Estados Unidos são uma Europa que tem
um território riquíssimo, com condições
e um clima mais ou menos iguais à Europa. E os europeus se
transportaram para lá, deixaram na Europa os preconceitos
e todas aquelas coisas que prendiam ao passado, e criaram um país
moderno, mas europeu. A parte dos Estados Unidos diferente é
o sul, que teve uma formação igual à brasileira,
não é? Agora, acontece que o sul, na Guerra de Secessão,
foi esmagado, destruído, acabou aquele negócio e foi
absorvido dentro do conjunto.
A história brasileira é completamente diferente, não
tem relação nenhuma com isso. Os portugueses vieram
pra cá para explorar isto aqui, como um negócio. Trouxeram
os africanos pra trabalhar pra eles e com isso se fez o Brasil.
Os nossos problemas profundos estão dentro disso. Nós
não somos um País que teve a evolução
que tiveram os Estados Unidos, em continuação da Europa
e em melhores condições.
Esse capitalismo criou um mundo novo, completamente diferente do
anterior, o que realmente significou um grande passo no progresso
da humanidade. Mas agora ele já é negativo, ele já
fez o que tinha que fazer, acabou. Porque, na verdade, o que é
que foi o capitalismo? O capitalismo, fundamentalmente, é
a iniciativa privada, essa busca do lucro, esse impulso: todo mundo
trabalhando, querendo ganhar dinheiro e se esforçando pra
isso, usando sua inteligência, sua capacidade, sua cultura.
Claro, deu um grande resultado.
Agora, tem o aspecto negativo: essa iniciativa privada virou todo
um sistema que já não funciona mais. O mecanismo de
uma economia no que é que consiste? É produzir pra
satisfazer necessidades. Então, de modo geral, é preciso
haver um entrosamento entre as necessidades e a produção.
Isso se fazia com a iniciativa privada e a concorrência, que
selecionava o melhor e aquela coisa toda. Hoje em dia não
há concorrentes, há concorrência de grupos enormes,
não existe mais a iniciativa privada.
Isso é uma história muito comprida que não
se pode resumir assim, em duas palavras. Mas, evidentemente, o capitalismo
acabou, não tem mais condições de existência.
Ele está se decompondo, se mantém porque a inércia
tem uma função muito grande na economia e na história.
Mas não tem mais consistência: mais dia, menos dia
está acabado, disso não pode haver a menor dúvida.
Recompor essa coisa não é possível. Então,
quem atingiu o apogeu, na época do crescimento do capitalismo,
ficou lá em cima. Agora, quem chegou atrasado vai pegar o
rabo do rojão. Não tem mais jeito, é impossível
construir um país capitalista agora.
Nós estamos mais atrasados do que 50 anos atrás, porque
a indústria que havia naquele tempo, de tecidos, tinha lá
uns técnicos e a coisa funcionava. Mas hoje em dia a industrialização
exige um nível de cultura que no Brasil não tem, e
como é que vai ser? Não adianta só a elite
estudar. A formação de técnicos depende de
um nível cultural que vem de baixo. Numa massa muito grande,
vai selecionando, selecionando e vai subindo. Aqui não acontece
assim essa massa brasileira você sabe o que é, não
é? Você vai transformar isso de repente, de uma hora
para outra?
A Inglaterra, no século XVIII, era um mundo que tinha tudo
por fazer, tudo por construir. Eles eram pioneiros e também
estavam criando isso, puxando o negócio pra adiante. Agora
está cheio de gente na frente, nós temos que vencer
essa gente toda? Como? Nós aqui vamos fabricar aviões
e automóveis melhor do que eles, pra fazer concorrência
e dominá-los como fez o Japão? Por que é que
o Japão conseguiu isso? Porque o Japão tem toda uma
história atrás dele que preparou pra isso, né?
E o Brasil não tem essas condições.
A gente sempre olhava o Japão, anos atrás, e imaginava
que o Japão fosse também um terceiro mundo. E ninguém
dava muita bola pro Japão. Mas, não, é falso.
O Japão, embora não tivesse ainda aquele desenvolvimento,
era uma população que tinha um nível muito
alto. Desde o século passado a população inteira
era alfabetizada. Quer dizer, eles têm um lastro cultural
muito grande, uma coisa que vem de longe. Então, é
claro, quando chegou na hora eles quiseram fazer computadores, fazer
automóveis e fizeram muito bem, não é? Porque
tinham condições pra isso. Nós não temos,
e não se improvisa isso.
É claro que nós temos a eternidade na nossa frente.
Em 200, 300 anos podemos conseguir, mas isso é uma coisa
imprevisível, pode ser. Mas da forma que está não
é possível, porque, antes de acontecer isso, esse
capitalismo vai se decompor e vem outro regime depois. E a história
do mundo, uma transformação contínua, né?
Então vem essa mudança, é difícil de
se marcar data, mas evidente que vem.
Hoje em dia não tem mais nem moeda, aquilo é uma desorientação
total. Antigamente havia um padrão, era o ouro. Havia uma
organização financeira internacional, agora não
há mais nada. Agora cada um faz o que quer. O Jimmy Carter
desvaloriza o dólar e atrapalha a vida de todo mundo, porque
os Estados Unidos não podem mais importar produtos, acham
muito caro. EnFim, é uma desorganização total.
Há pouco, há questão de um mês, houve
a reunião de todas as sumidades da economia do mundo, representados
todos os grandes países. Isso foi na Capital do México.
E eles estiveram reunidos lá uma porção de
tempo, e no fim saíram sem dar solução absolutamente
para nada. As revistas econômicas reconheceram que foi um
fracasso total. Vão resolvendo um probleminha aqui, outro
acolá e tal, e vão resolvendo assim, desorientados,
sem saber o que fazer."
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II
- Metade da população é doente |
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"A
massa brasileira foi formada como? Foi formada por africanos trazidos
pra cá, que perderam a cultura de lá que eles tinham.
Cultura no sentido geral. Perderam porque foram jogados aqui como
escravos, não tinham vida de família, não tinham
nada. Quer dizer, eram animais dentro de uma estrebaria. Era a massa
brasileira, formada assim.
Na Itália houve medidas governamentais dificultando, embaraçando
a imigração pro Brasil. Porque achavam que os trabalhadores
italianos eram maltratados aqui. E eram mesmo, não podiam
deixar de ser. Quer dizer, todo mundo estava habituando a lidar
com escravo, vinha um homem livre, não estava habituado àquilo,
claro, sofria com aquilo né?
Como é que você quer que se transforme isso de um dia
para outro? Precisa ver a realidade como ela é. Eu não
estou criticando o meu País por criticar. Eu estou reconhecendo,
e não fiz outra coisa na minha vida senão isso, me
interessar pelo Brasil. E compreender e conhecer este País.
Mas não tenho esse patriotismo idiota de pensar que patriotismo
é falar das grandezas do Brasil.
A formação do Brasil foi aquela, e para se sair disso
a primeira coisa é a elevação do nível
da massa da população, não só cultural,
mas tudo: educação, saúde. Outro dia eu li
no jornal o resultado de uma pesquisa feita pelo Ministério
da Saúde, e que diz que 50% dos brasileiros são doentes.
Você já imaginou uma coisa dessas? Quer dizer, é
um País de um nível muito baixo, da massa da população.
A elevação desse nível é um benefício
para o País inteiro né? Porque ele terá então
essa base. Esse é que é o problema brasileiro. E não
se cuida disso.
Esse programa brasileiro é uma aparência. Na realidade
o que conta num País não são as estatísticas,
é o indivíduo. Então você tem que pegar
o homem e ver o que representa a média do homem brasileiro.
Você não vai dizer que é uma coisa admirável,
né?
Fazer grandes empreendimentos, grandes empresas, claro, impressionam
à primeira vista, não é? Mas o homem que está
trabalhando lá, o que é que ele está ganhando
com isso? outro dia um conferencista falava assim: "O padrão
de vida aumentou", quer dizer, há um consumo maior.
Mas é muito ilustroso isso, porque São Paulo, que
tinha 40% da população urbana, tem 80% hoje. E isso
aconteceu no Brasil todo, houve uma concentração urbana.
O indivíduo que vem morar na cidade, ele fatalmente tem que
gastar mais, comprar mais coisas. No campo você tem outras
condições. Ele pode até viver melhor no campo
e gastando muito menos do que gasta na cidade. Na cidade tem uma
porção de despesas que não tem no campo. Então
dá a impressão que aumentou o consumo, mas não
significou o essencial, que é aumentar a qualidade do indivíduo.
Esses economistas têm esse grande defeito, de deixarem completamente
de lado o aspecto humano das coisas, né? Não tomam
em consideração isso. Consideram só o número.
Então o sujeito que consumia 10 passou a consumir 20, dobrou.
Não, pode até ter piorado a situação
dele."
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III
- A mentalidade que faltou |
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"Portugal
é um País que teve uma história toda especial.
Em matéria de cultura, por exemplo. Portugal e Espanha são
os dois países da Europa que tiveram isso, mas Portugal muito
mais do que a Espanha: eles marcharam com a Contra-Reforma. A Reforma
foi o reflexo na religião de toda uma transformação
social e econômica na Europa, foi o Renascimento. Então,
a cultura moderna começa praticamente aí, no século
XVI, com a destruição da cultura antiga - o aristotelismo,
a escolástica, enfim toda essa coisa, né?
Portugal não teve isso, por que? Porque os jesuítas
dominaram Portugal. Você sabe que a Ordem dos jesuítas
foi organizada pra lutar contra a Reforma, e manteve Portugal dentro
daquele sistema antigo, daquela feitura antiga. Pombal foi o homem
que tentou a transformação dessa cultura e que reformou
o ensino, a Universidade de Coimbra. Mas ele não aguentou,
ficou nos propósitos, foi excluído. E foi excluído
precisamente porque essas forças retrógradas não
aceitavam e conseguiram dominar de novo. Então, em matéria
de cultura foi isso, Portugal se atrasou no mundo. E um país
que ficou à margem da Europa, não é um país
europeu. E a Espanha também, em grande parte, mas menos que
Portugal.
A História tem que se interpretada assim, não é
dizer que o único fator de vida humana é ganhar dinheiro
- esse materialismo vulgar, se diz até que "o marxismo
é isso", mas isso é falso, né? Tem que
se considerar o conjunto do indivíduo, a sua formação
no seu conjunto. Evidentemente, a primeira coisa que se vê
são as condições de vida dele, né? E
nessa parte é que tem ser analisada a História das
várias civilizações.
O caso do Japão é típico. O Japão evidentemente,
tem um passado completamente diferente da Europa. O Japão
é diferente em mentalidade, tudo muito diferente, não
é? Mas vá conversar com um homem de negócios
japonês, é como um americano, senão melhor.
É a mesma coisa. Até a tradicional revista "Fortune",
uma revista americana que é uma espécie de Diário
Oficial da burguesia americana, ultimamente tem se interessado muito
pelo Japão. Porque o Japão, hoje em dia, é
um concorrente terrível, né? Cria problemas para os
Estados Unidos muito sérios. Então, frequentemente
há trabalhos, estudos sobre o Japão. Em matéria
de habilidade como homens de negócios como organizadores
do negócio, os japoneses superam o americano, criaram coisas
novas que os americanos ficam assim meio espantados. Evidentemente,
os japoneses não tinham uma mentalidade capitalista há
100 anos.
Quer dizer, há circunstâncias favoráveis ao
capitalismo e outras que não há. Então, não
é questão de "ah nós temos jeito pra isso".
eu não aceito essa interpretação, né?
Não aceito também o determinismo, essa idéia
de que existe uma causa e um efeito, nada disso. Nem na Mecânica
existe isso. Não existe uma causa existe um processo, que
é um conjunto de circunstâncias que estão se
desenvolvendo. Uma coisa cria a outra e aquela volta a atuar sobre
isso. Então as condições de vida criam uma
mentalidade e a mentalidade depois reinflui sobre as condições
de vida. E aquilo vai se transformando. É um processo contínuo,
não cessa, está sempre se modificando. É um
conjunto de circunstâncias e qualquer indivíduo analisando
a sua própria vida está vendo isso. Quer dizer, a
vida transforma, ele se transforma e também transforma a
vida. Vai orientando a sua vida e modificando-se, assim também
a história de um País.
E no Brasil acontece isso. Com relação ao capitalismo,
nós não tivemos uma formação, não
porque fossem os portugueses, mas tudo isso influiu, não
é? O fato do Brasil ser um negócio... O português
é essencialmente um comerciante, não é um industrial.
Aliás, a gente vê aqui: o português dá
o Pão de Açúcar, uma empresa formidável.
De gente que começou aqui com um armazenzinho muito vagabundo,
e hoje em dia tem um empreendimento que se estende pelo Brasil,
em Portugal, na África, na Espanha também. Agora,
onde é que eles estão na indústria? Muito poucos,
é raríssimo você ver um português que
fez um grande empreendimento industrial.
Tudo influiu nas pessoas, a gente não pode dizer que é
isso ou aquilo, é um conjunto de fatores, né? E o
conjunto de fatores, no Brasil, é desfavorável a esse
desenvolvimento capitalista."
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IV
- "Casa que não tem pão..." |
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"Hoje
não há mais censura prévia, mas corre-se risco
de uma censura posterior. Daí o medo, a auto censura - que
é a pior censura que existe: o hábito de escolher
as palavras e a maneira de dizer para evitar qualquer suspeita.
O terror tem diminuído, entre outro fatores devido às
pressões internacionais, como a campanha de Carter pelos
direitos humanos. Esse é um fator favorável, independentemente
da sinceridade ou não de Carter. E também - outro
fator - porque o governo está se enfraquecendo. Há
alguns anos atrás o governo se baseava numa posição
de ilusões : "o Brasil grande potência".
Agora a divida externa ultrapassa 30 bilhões de dólares
e há déficit na balança comercial. A crise
econômica levou os empresários a protestarem também.
É como se diz: "Casa que não tem pão,
todos brigam, e ninguém tem razão".
Ao mesmo tempo ocorre uma coisa realmente espantosa: a escolha do
futuro presidente e dos governadores é feita sem dar satisfação
a ninguém. Se o Figueiredo não for capaz de governar
o Brasil, não será por incompetência, mas por
não ter prestígio, por ser inteiramente desconhecido
como homem público."
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V
- O bate boca de todo dia |
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"A
vida num país de classes, capitalista, é uma discussão
constante. Na realidade o que é que é o trabalho?
É força de trabalho que um está vendendo pro
outro. E da mesma forma que se discute preço de mercadoria,
a gente discute também o preço dessa mercadoria que
é a força do trabalho. Então, é uma
discussão constante de todo dia.
Eu já dirigi empresa e senti os problemas que surgem. E não
são devidos à maldade de um e à bondade do
outro, não é isso. Não é nesse sentido
romântico que tem que ser colocado, é na vida concreta.
É uma discussão em que vence o mais forte, e não
tem outra maneira de resolver. Eu me lembro um problema muito comum
que surgia na indústria: chegava um operário atrasado...
Uma indústria, pra funcionar, tem que todo mundo chegar ao
mesmo tempo. Tudo tem que começar naquela hora, bateu o relógio,
acabou. Não deixa mais entrar. E uma questão absolutamente
necessária, a disciplina exige uma coisa dessa.
O sujeito chega atrasado, vai lá e diz assim: "Ah, não
sei o que, imagine que minha mulher ficou doente, se sentiu mal
e não sei o que tive que chamar médico, foi uma luta
tremenda". Bom, está certo, então você
fica com pena, porque se você não deixa entrar, o sujeito
perde o dia. No dia seguinte todo mundo chega atrasado: um é
o filho, outro "porque o pai, porque a mãe..."
É claro, não é? O patrão não
pode ser o detetive, acompanhando a vida de cada um, e ver o que
ele está fazendo, se ele está sendo sincero ou não.
Então tem que estabelecer certas normas rígidas. É
maldade? Não. O mal não está nas pessoas, mas
no regime que leva cada um a se indispor com o outro."
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VI
- Como conhecer este País |
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História
e Geografia são duas coisas que, infelizmente, sempre foram
desleixadas no Brasil, sobretudo a Geografia. Geografia é
fundamental. Geografia não é dizer que tem um rio
de tantos quilômetros de comprimento. Geografia é compreender
as condições naturais, humanas da vida, as relações,
a distribuição, a maneira de viver. É uma coisa
muito ampla.
Eu estudei as duas coisas, História e Geografia, por isso,
porque eu me interessei pelo Brasil, quis conhecer o Brasil. Então
estudei Geografia e História, que era a teoria. E a prática:
viajei este País de alto a baixo, a minha vida inteira. E
conheço o Brasil todo.
A Geografia foi que me abriu a perspectiva, e foi com o Defontaine
- o maior professor que eu conheci na minha vida. Olha que eu conheci
muito professor na minha vida, mas nenhum, de longe... o Defontaine
batia todo mundo. Não que ele tivesse assim uma erudição,
ele não tinha. Mas é porque é um homem que
vivia o assunto. Para todo mundo que assistia às aulas dele
era um divertimento, era um prazer, primeiro pelo entusiasmo dele.
Ele tinha um amor, tem até hoje, está vivo, idoso,
e continua trabalhando nisso. Grande professor, né? Professor
não é o sujeito que sabe muito. Tem muita gente que
sabe muito, mas não tem jeito nenhum pra ensinar. Ensinar
tem toda uma comunicação, não?
Então, como é que você vai conhecer um País,
se você não conhece os meios e as condições
de vida? Tem que se saber essas duas coisas: tem que saber Geografia,
que é o lugar; e tem que saber História, que é
a evolução.
Existe no Brasil um grupo grande de estudiosos de Geografia, e não
há dúvida nenhuma de que, como grupo, é aquele
que conhece melhor o Brasil. No entretanto, eles não são
tomados em consideração. Ninguém sabe nem da
existência deles. Então fazem aí estradas e
o diabo, mas não consultam os geógrafos. É
preciso criar a mentalidade do geógrafo, que não se
tem aqui. Então você vê o desastre que é
São Paulo, é a falta disso.
Em História, o que é preciso, é relacionar,
não ver o que as coisas são. É o que se passa,
é o relacionamento entre as coisas, né? "Agora
vamos estudar capitalismo". Isso não, História
é ver as relações, é ver como é
que funciona o negócio. O mais importante da História
é a vida das pessoas, como é que se vive.
Por exemplo, eu compreendi grande parte da História lendo
os anais da Câmara de São Paulo, desde o começo.
Começa quando ainda era Santo André da Borda do Campo,
eu li aquilo página por página, inteirinho. E não
uma vez. Porque você lê uma coisa e só começa
a perceber a importância depois que você leu. Então,
você tem que voltar para rever. Porque aí você
compreende a vida da gente, como se vivia."
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VII
- Democracia não é sexo de anjo |
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"Uma
das coisas características desse resto de aristotelismo metafísico
que existe no brasileiro: a gente discute, não os fatos,
discute os conceitos. Hoje em dia tá todo mundo discutindo
democracia. Agora, ninguém vai aos fatos, à significação
prática da democracia, o que ela tem de positivo e negativo
nos fatos, não é? Fica-se discutindo qual é
o conceito. Isso é uma tradição, é a
maneira escolástica, é a especulação.
Então gira em torno das idéias, não vêem
os fatos. Não procuram ver as coisas como elas são,
mesmo que sejam contra a gente, né?
"Quando eu vejo essas falhas que têm no Brasil, eu vejo
em função da maneira de corrigir isso, e dediquei
minha vida a isso. A crítica é o reconhecimento de
uma situação que necessita uma correção.
Olho pro Brasil assim." |
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