São Paulo, domingo, 1º de março de 1981



O MAIOR E MAIS RÁPIDO ESPETÁCULO DA TERRA

"João de Barro" ou Carlos Alberto Ferreira Braga, o "Braguinha" como é carinhoso e popularmente chamado, está completando agora seu 50º Carnaval, sem que tenha passado sequer um ano em que não haja lançado uma nova música. Ele não diz nunca sua idade, limitando-se a afirmar com bom humor: "Nasci há muito tempo, num dia de Áries, numa sexta-feira da Paixão, na Gávea, Rio de Janeiro". Nestes 50 anos, fez músicas em parceria com Lamartine Babo, Pixinguinha, Alberto Ribeiro, Noel Rosa e muitos outros, além de muitas sozinho. Embora um compositor da chamada velha guarda, Braguinha não considera que o Carnaval tenha piorado ou se degenerado. Ao contrário, em entrevista a Helena Salem, ele observou que o Carnaval na realidade "mudou, evoluiu, como tudo nesta vida muda e evolui, senão morre".

FOLHETIM - O que aconteceu com a marcha-rancho, Braguinha? Ela acabou, perdeu a vez no Carnaval?

BRAGUINHA -
Não, ela continua a ser o que sempre foi. Alguns ranchos propriamente ditos acabaram. Hoje, há muito poucos, assim como acabaram os desfiles das sociedades, e só restam mesmo as escolas de samba. Agora, a verdade é que as marchas-rancho que pegaram no passado não foram aquelas cantadas pelos ranchos, mas as feitas pelos compositores daqui de baixo, como Paulo Soledade, Lamartine, eu próprio. E, mesmo hoje, todo Carnaval sempre toca algumas dessas marchas-rancho que pegaram. Só não tem aparecido novas.

A marcha-rancho nunca foi o forte do Carnaval. Sempre é tocada mais ou menos como descanso. É o caso de "Pastorinha", de minha autoria, "Máscara Negra", "Bandeira Branca", etc.

FOLHETIM - Por que terminaram os ranchos?

BRAGUINHA -
O interesse pelas escolas de samba é tão grande que os outros foram desaparecendo. O rancho parou, a escola de samba evoluiu. Muita gente diz que as escolas estão fugindo das raízes. É gente contra a evolução que tem ocorrido. Mas acho que as escolas só fazem sucesso até hoje porque mudaram e evoluiram, senão tinham morrido também. O que não evolui, morre.

Hoje, considero a escola de samba o maior espetáculo do mundo, e o mais caro também. Gastam um dinheirão para apenas um dia, e não uma temporada, etc. E se levarmos em consideração o número de pessoas que desfilam nas escolas de samba, acho que não há espetáculo no mundo também que reúna tanta gente. E tudo para apenas um dia.


Música é música

FOLHETIM - Em alguns períodos da nossa história, as músicas de Carnaval eram críticas. Focalizando personagens da vida pública, etc. Isso acabou? Por quê?

BRAGUINHA -
Não, não acabou. Talvez a política na música tenha diminuido em determinado momento, quando eles andaram proibindo os exageros. Aliás, eu sou contra a política em música. Música é música.

Agora, continuam aparecendo músicas com temas atuais. Eu, por exemplo, fiz "Bebê de Proveta", há dois anos. E, em 1980, "O Pacote de Mulheres", que era até uma música com referências políticas. Hoje, na verdade, as músicas políticas não interessam muito mais. O povo prefere as músicas que tratam mais do sexo do que de política. O povo e os compositores não se interessam por política, o sexo é mais importante. Assim, há um desinteresse da parte dos autores em fazer música política. Eles querem fazer aquilo que pode ter mais sucesso, que vai vender mais, não é que alguém proiba. Antigamente havia mesmo muitas músicas políticas, hoje não.

FOLHETIM - Quer dizer que, na sua opinião, não foi uma questão de censura?

BRAGUINHA -
Acho que não. Como disse, houve determinado tempo que talvez tenham proibido os exageros, mas não foi por isso que essas músicas políticas desapareceram. Hoje, aparecem algumas de novo, e, embora não sejam proibidas, não fazem sucesso nenhum. Qual foi o sucesso de "O Pacote de Mulheres"? Nenhum. Para este ano, tenho uma música muito mais "sexy" que política: "O Passo do Jegue".

FOLHETIM - No passado, as músicas de Carnaval faziam enorme sucesso, eram cantadas por todos na rua, etc. Hoje, isso já não ocorre. Por quê?

BRAGUINHA -
É preciso divulgação maciça para que o povo possa cantar. E as estações de rádio, não sei por quê, não têm interesse em divulgar as músicas de Carnaval. É por isso que, hoje, pegam poucas músicas.

FOLHETIM - Então, não se trata de falta ou diminuição da produção de músicas de qualidade?...

BRAGUINHA -
Não há muitas músicas boas. Embora, é verdade, os grandes compositores estejam fazendo poucas músicas de Carnaval, na medida em que sabem de antemão que elas não vão pegar, visto que não são divulgadas.

FOLHETIM - O sr. também não vê relação entre este fenômeno e o que se poderia chamar, talvez, de "elitização" do Carnaval?

BRAGUINHA -
Não, de jeito algum. O Carnaval continua ligado ao povo. O desfile de escolas de samba é notável. Os bailes Carnavalescos estão sempre cheios. Talvez não haja muito mais Carnaval de rua. Uma coisa que animava muito o Carnaval do passado era o corso, que acabou, porque não há mais carros abertos. Hoje, são todos fechados.


Tudo muda

FOLHETIM - Mas o povo mesmo não pode assistir aos desfiles nem ir aos bailes do Municipal, etc...

BRAGUINHA -
Antes havia muita concentração na avenida Rio Branco. Hoje, cada um pula nos seus bairros. Há muitos blocos que desfilam nos bairros, etc.. O Carnaval mudou muito, mas não está acabando como dizem. Tudo mudou, a moda, a pintura, a música, tudo. Por que o Carnaval não iria mudar?

E tem mais: antigamente, o Carnaval era ansiosamente esperado pelas mocinhas para vestir uma saia mais curta, namorar um rapaz proibido, etc. Era uma válvula de escape. Hoje, essas mocinhas têm muito mais liberdade o ano inteiro do que tinham no Carnaval naquela época. Você acha que a mulher que tem um Carnaval despido, nu, vai querer de novo se fantasiar de Colombina, Maria Antonieta, etc.? Nunca! Machado de Assis se perguntava: "Mudou o Natal ou mudei eu?" E eu me pergunto: "Mudou o Carnaval ou mudamos nós?".

FOLHETIM - Portanto o sr. não vê nenhuma necessidade de se voltar às raízes do Carnaval?

BRAGUINHA -
Não vejo não. Escola de samba no pé não vinga mais. O povo não está querendo saber de raiz nenhuma, isso é conversa para boi dormir. Nada de conservar o que os nossos ancestrais faziam. O negócio é evoluir, mudar. Isso de raízes é só para os críticos, os estudiosos, etc. Não é para o povo. Se conservássemos o que se fazia há 30 anos nas escolas de samba, elas seriam absolutamente iguais. E acabariam morrendo. Isso de pé descalço, samba no chão, etc. não interessa mais a ninguém não. Faça um desfile à antiga na avenida Rio Branco e, do lado, um outro como é feito hoje. E me diga quem vai querer ver o antigo? Ninguém. O povo quer ver o espetáculo, sobretudo o estrangeiro, que não entende nada.

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