São Paulo, domingo, 25 de novembro de 1979



O REPÓRTER DE UM TEMPO MAU


Entrevista com Plínio Marcos

FOLHETIM - Você que é considerado o dramaturgo da violência, como define a violência?

PLÍNIO MARCOS -
"Bom, eu acho que toda violência na sociedade moderna tem origem na egoistica distribuição de renda que leva à quebra de identidade cultural do homem comum, tornando-o incapaz de se defender politicamente. Então ele parte para a violência física. Para a prostituição, para a migração, porque a miséria é a grande geradora de tudo isso. Quando uma sociedade é formada nas bases em que é a nossa, ela acaba, por exclusão, marginalizando a maioria. E essa maioria acaba perdendo sua identidade operária já que os poderosos impedem que ela recupere a sua identidade. E por quê? Porque se ela recupera a sua identidade, passa a reivindicar. E, não recuperando, ela parte para os assaltos, os roubos. Nesses grupos marginalizados tendem a surgir as lideranças patológicas, algumas psicóticas, estimuladas pelos detentores do poder: são as quadrilhas. E estar associações de marginais têm a seguinte tendência: na medida em que eles evoluem, se transformam ou em organizações guerrilheiras, tipo Brigadas Vermelhas, ou se aliam ao Estado dando origem às máfias."

FOLHETIM - Se a violência é estimulada pelo Estado por que em determinadas circunstâncias o Estado proíbe a violência nos meios de comunicação.

PLÍNIO MARCOS -
"Veja, o Estado não proíbe a violência, mesmo porque ela justifica a repressão. Ele proíbe que se vá às raizes das causas da violência. Quem começou a campanha de descrédito da polícia? Os jornais mais reacionários que recebem verbas do governo. Quem começou a apregoar que a violência estava atingindo limites grandes? Quem foi que reuniu os secretários de segurança no País em Brasília, para chegar à conclusão de que a polícia não tem formas de conter a violência? Foi o próprio governo. Então, veja que, de repente, foi criado um pavor na classe média, quase um terror, ao ponto de um cidadão, que teve o irmão assassinado, vir a público dizer que o que está acontecendo no país é uma guerra entre os bandidos e a sociedade, e que o Exército tinha que sair do quartel para conter a violência. Essa opinião teve uma tamanha repercussão. Os jornais deram manchete, os deputados falaram, o Exército veio a público dizer que esta não era a sua função, etc. E tem muita gente achando que o Exército deve assumir esse papel porque a polícia não dá conta.

"Então, indo direto à sua questão: as minhas peças não foram proibidas porque são violentas, mas porque discutem às causas da violência. Não foi porque um bate no outro. Isto nunca foi proibido. Se você pegar, por exemplom, os 172 filmes estrangeiros que passam semanalmente na televisão, vai ver que eles apresentam, segundo o último levantamento feito, dois mil atos de agressão, sendo 600 crimes de morte. Um professor da USP fez um levantamento no qual calculava que se uma criança de três anos de idade ficasse metida na frente da televisão, aos onze anos essa criança teria assistido a 18 mil assassinatos! Então, a violência não é proibida."

FOLHETIM - Para escrever suas peças, você capta a violência do cotidiano. E como você a viu na década de 70?

PLÍNIO MARCOS -
"Eu sou um pacifista e a violência me choca. Então, eu comecei a usar a minha forma de expressão, o teatro, para denunciar a crescente violência. E nos anos 70, evidentemente, a violência aumentou na mesma medida em que aumentou a migração, cresceu o desemprego, agravou-se a crise econômica, acentuou-se a falta de perspectiva da sociedade, que pasma de espanto ao ver a Justiça envolvida em palhaçadas tremendas como os julgamentos de Mariel Mariscot, Doca Street e outros. Então nós vamos ver uma sociedade que está linchando pessoas todas as semanas, resultado da falta de perspectiva da sociedade."

FOLHETIM - Dentro desse quadro, como você coloca a violência do sistema autoritário?

PLÍNIO MARCOS -
"A violência do sistema autoritário começa exatamente quando os detentores do poder se julgam iluminados, impedindo que o povo participe de sua própria história e influa no seu próprio destino. Então, por exemplo, eles são quem fazem a distribuição de rendas, que provocam a miséria, que geram a violência justificando a repressão. Nós todos temos consciência de que a Polícia existe para proteger os que têm contra os que não têm; no momento em que você é assaltado, sua primeira reação é chamar a polícia. Então, eles é que geram a inflação, o desemprego, essas coisas todas; e, por outro lado, quando o desespero leva a gente a praticar a violência, eles acabam justificados pela classe média, pela burguesia, no uso da violência física. Mas a maior violência não é a física, é aquela que gera a miséria."

FOLHETIM - Já falam até em conceder maioridade aos 16 anos...

PLÍNIO MARCOS -
"Pois é. Eles têm tanta possibilidade de combater a violência, que já estão abrindo a possibilidade de praticarem a violência, que já estão praticando, de maneira legal. Já existem campos para tortura de menores. A "Folha" fez a denúncia do hospital que cuida de menores. Tudo isso que eles querem legalizar é praticado pelo poder: o massacre de menores. O que nunca ocorre a eles é que não será com essa violência que vamos acabar com a violência. Na medida em que eles são violentos o povo vai aprendendo a se organizar. E a marginalidade é violenta na exata medida da miséria. O problema social não é um problema de polícia, dizem os sensatos."

FOLHETIM - Você está aí, novamente, com a "Navalha na Carne", uma peça proibida durante muitos anos. A que você atribuiu a possibilidade de retomar a discussão sobre as causas de miséria?

PLÍNIO MARCOS -
"A reorganização popular. Tanto é que estou voltando. E vejo pasmado que peças-reportagens como "Navalha na Carne", escrita há dez anos, "Barrela", que foi escrita há 20 anos, valem ainda hoje. E vejo isso lamentando, sabe? Porque eu gostaria de ver essas peças superadas. E elas não estão superadas, não por méritos do autor, mas por culpa do País que não evoluiu. Por que "Barrela" ainda vale hoje? Porque o problema dos presídios não foi resolvido. Por que "Navalha na Carne" vale ainda hoje? Porque nesses dez anos apenas se agravaram os problemas da solidão e da prostituição. Faz pouco tempo, a ONU veio a público para dizer que nas vilas do Nordeste, 50 mil meninas estão se prostituindo!"

FOLHETIM - "Navalha na Carne", que volta a ser encenada, teve alguma alteração?

PLÍNIO MARCOS -
"Teve sim. No que se refere aos preços da prostituição, da droga. Porque a inflação foi tanta que nós tivermos que nos adaptar à realidade. Unicamente isto."

FOLHETIM - Dentro do modelo adotado pelo Brasil, você acha que a violência pode ser superada?

PLÍNIO MARCOS -
"A tendência do homem não é a violência. A tendência do homem é a dignidade. E o quadro capitalista tende a ser superado. Claro, a gente tem que atuar para que esse estado de coisas se acabe. As forças populares têm de lutar para que haja uma distribuição de riquezas, para que o Pais se desenvolva por igual. Ninguém quer ver São Paulo como o bolsão econômico do Brasil. Isso é coisa de político demagogo. As forças populares querem que sejam dadas condições para que o homem viva dignamente na lavoura, querem a reforma agrária. Agora, para se fazer isso tudo é preciso que o governo tenha o apoio popular. Esse não é o nosso caso, o caso do nosso governo."
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