"Rio, 16 (de Américo Mendes, enviado especial das Folhas) - Terminou
o título mundial de 1950 nas mãos de quem mais o merecia. Procurar
desculpas para atenuar o revés desta tarde no Maracanã seria incorrer
em ridículo. O Uruguai sagrou-se, com toda a justiça e com o maior
merecimento, campeão do mundo. Enquanto os orientais nasceram com
alma de campeões, os nossos jogadores, esta é a grande verdade,
possuem apenas a de artistas da pelota, malabaristas impressionantes,
mas sem a indispensável vibração, sem a coragem, sem o entusiasmo
e muito menos sem o espírito de luta que leva e move qualquer equipe
às grandes conquistas. Se pelo bamburrio da sorte, nos últimos minutos
de peleja, lograsse o Brasil empatar o marcador, teríamos a Taça
Jules Rimet guardada numa frágil redoma, suscetível de quebrar à
menor brisa, enquanto que, indo para Montevidéu, ela será guardada
no cofre mais forte, de resistência incomparável, que é o coração
do homem, quando este homem sabe querer e não mede sacrifícios para
conquistar aquilo que quer.
"Sejamos
grandes na derrota, embora ela nos tenha furtado tudo quanto existe
em matéria de futebol, e constitua para nós uma autêntica vergonha.
Rendamos as nossas homenagens aos campeões do mundo, aos esportistas
que, contra tudo e contra todos, inferiores em técnica, inferiores
em padrão de jogo, inferiores em valores individuais, venceram tudo
isso com méritos de sobra, e com a outra qualidade que nos falta:
coragem. É preferível confessarmo-nos pusilânimes do que tentar
enlamear com desculpas esfarrapadas uma vitória vibrante, uma vitória
máscula e impressionante. Salve o Uruguai, digno campeão do mundo
e que, mais do que os nossos, saberá defender e honrar o título
que tão sem fibra e tão sem vibração deixamos escapar, para não
conquistá-lo jamais, a não ser que os nossos deixem de jogar tanto
e passem a ter um pouco mais de sangue." (Transcrito da Folha da
Tarde de 17 de julho de 1950).
*
"Rio,
19 - A cidade ainda continua vivendo momentos de vibração em conseqüência
do inesperado revés da seleção brasileira. Em todos os cantos vêem
-se grupos e, nas paredes de muitos prédios do centro da cidade,
aparecem fixados cartazes, dísticos, artigos de populares e recortes
de jornais comentando amargamente o fracasso da equipe nacional.
Mas, a revolta aparece melhor exteriorizada na tentativa de agressão,
por parte de populares, de que foram alvos os vascaínos Chico e
Barbosa, o primeiro, na Praça Tiradentes, e o segundo, na Galeria
Cruzeiro. Todavia, conseguiram eles refugiar-se em estabelecimentos
comerciais, evitando o desforro pessoal dos exaltados." (Transcrito
da Folha da Tarde de 20 de julho de 1950).
*
"Rio,
19 - As primeiras horas da tarde de ontem correu pela cidade a versão
de que a partida decisiva do Campeonato do Mundo seria anulada,
visto que os uruguaios haviam incluído em sua equipe dois jogadores
em situação irregular. Tratavam-se de Gigghia e Moran, sob quem
pesava a denúncia de serem de nacionalidade argentina. Patenteada
a anomalia, a C.B.D. recorreria da validade da partida, implicando
assim, em nova disputa do título ou então em ser atribuído aos brasileiros
o título de campeões, se procedente a acusação. A reportagem, todavia,
apurou que a notícia era destituída de fundamento. Tanto o sr. Mário
Polo como o sr. Castelo branco, presidente interino e presidente
do Conselho Técnico da entidade, respectivamente, tiveram a oportunidade
de contestar de modo categórico a notícia. E isto mesmo, porque
a esta altura não haveria prazo legal para o recurso, de vez que
ele só teria cabimento até cinco dias antes da primeira rodada das
semifinais, conforme preceitua o parágrafo terceiro do artigo décimo
do regulamento." (Transcrito da Folha da Tarde de 20 de julho de
1950).
*
"Rio,
21 - Ao invés do que se esperava, não se reuniu ontem à tarde a
Comissão Técnica a fim de apreciar a campanha dos brasileiros no
Campeonato do Mundo e remeter relatório à diretoria da C.B.D.
Tal
fato se verificou porque o treinador Flávio Costa ainda não redigiu
a sua exposição. Desta forma, na próxima e talvez derradeira sessão
daquele órgã0 - de vez que suas funções por assim dizer se restringiram
à participação do brasil na Copa - só poderá ser marcada quando
o referido treinador apresentar o trabalho aguardado.
*
A propósito
devemos informar que Flávio esteve na C.B.D., tendo oportunidade
de palestrar longamente com os jogadores. Interpelado sobre a acusação
que fizera, atribuindo à imprensa grande parcela do fracasso do
onze cebedense na decisiva contenda do certame máximo, informou
que suas palavras, na ocasião, foram mal interpretadas. Dissera,
na verdade, que os jornais - parte deles - antecipando a vitória
dos nacionais no campeonato, apenas veicularam um sintoma geral,
um sintoma do próprio público. Com respeito à deficiência de nosso
quadro, principalmente na fase complementar, Flávio ponderou que
a circunstância se verificara não por falta de instruções aos jogadores
no intervalo da partida, mas sim pelos azares comuns do futebol.
Nem sempre as ordens do técnico são obedecidas ante o nervosismo
dos atletas, nervosismo esse que tem sua razão na responsabilidade
que lhes pesa sobre os ombros.
- "No
vestiário - esclareceu - jamais ordenei que Bigode marcasse Gigghia
a distância. A intranqüilidade de espírito traiu os jogadores e,
consequentemente, a obtenção do título." (Transcrito da Folha da
Tarde de 18 de julho de 1950).
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