1950 - Um grande desastre


Publicado na Folha da Tarde, domingo, 29 de junho de 1958

Neste texto foi mantida a grafia original

"Rio, 16 (de Américo Mendes, enviado especial das Folhas) - Terminou o título mundial de 1950 nas mãos de quem mais o merecia. Procurar desculpas para atenuar o revés desta tarde no Maracanã seria incorrer em ridículo. O Uruguai sagrou-se, com toda a justiça e com o maior merecimento, campeão do mundo. Enquanto os orientais nasceram com alma de campeões, os nossos jogadores, esta é a grande verdade, possuem apenas a de artistas da pelota, malabaristas impressionantes, mas sem a indispensável vibração, sem a coragem, sem o entusiasmo e muito menos sem o espírito de luta que leva e move qualquer equipe às grandes conquistas. Se pelo bamburrio da sorte, nos últimos minutos de peleja, lograsse o Brasil empatar o marcador, teríamos a Taça Jules Rimet guardada numa frágil redoma, suscetível de quebrar à menor brisa, enquanto que, indo para Montevidéu, ela será guardada no cofre mais forte, de resistência incomparável, que é o coração do homem, quando este homem sabe querer e não mede sacrifícios para conquistar aquilo que quer.

"Sejamos grandes na derrota, embora ela nos tenha furtado tudo quanto existe em matéria de futebol, e constitua para nós uma autêntica vergonha. Rendamos as nossas homenagens aos campeões do mundo, aos esportistas que, contra tudo e contra todos, inferiores em técnica, inferiores em padrão de jogo, inferiores em valores individuais, venceram tudo isso com méritos de sobra, e com a outra qualidade que nos falta: coragem. É preferível confessarmo-nos pusilânimes do que tentar enlamear com desculpas esfarrapadas uma vitória vibrante, uma vitória máscula e impressionante. Salve o Uruguai, digno campeão do mundo e que, mais do que os nossos, saberá defender e honrar o título que tão sem fibra e tão sem vibração deixamos escapar, para não conquistá-lo jamais, a não ser que os nossos deixem de jogar tanto e passem a ter um pouco mais de sangue." (Transcrito da Folha da Tarde de 17 de julho de 1950).

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"Rio, 19 - A cidade ainda continua vivendo momentos de vibração em conseqüência do inesperado revés da seleção brasileira. Em todos os cantos vêem -se grupos e, nas paredes de muitos prédios do centro da cidade, aparecem fixados cartazes, dísticos, artigos de populares e recortes de jornais comentando amargamente o fracasso da equipe nacional. Mas, a revolta aparece melhor exteriorizada na tentativa de agressão, por parte de populares, de que foram alvos os vascaínos Chico e Barbosa, o primeiro, na Praça Tiradentes, e o segundo, na Galeria Cruzeiro. Todavia, conseguiram eles refugiar-se em estabelecimentos comerciais, evitando o desforro pessoal dos exaltados." (Transcrito da Folha da Tarde de 20 de julho de 1950).

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"Rio, 19 - As primeiras horas da tarde de ontem correu pela cidade a versão de que a partida decisiva do Campeonato do Mundo seria anulada, visto que os uruguaios haviam incluído em sua equipe dois jogadores em situação irregular. Tratavam-se de Gigghia e Moran, sob quem pesava a denúncia de serem de nacionalidade argentina. Patenteada a anomalia, a C.B.D. recorreria da validade da partida, implicando assim, em nova disputa do título ou então em ser atribuído aos brasileiros o título de campeões, se procedente a acusação. A reportagem, todavia, apurou que a notícia era destituída de fundamento. Tanto o sr. Mário Polo como o sr. Castelo branco, presidente interino e presidente do Conselho Técnico da entidade, respectivamente, tiveram a oportunidade de contestar de modo categórico a notícia. E isto mesmo, porque a esta altura não haveria prazo legal para o recurso, de vez que ele só teria cabimento até cinco dias antes da primeira rodada das semifinais, conforme preceitua o parágrafo terceiro do artigo décimo do regulamento." (Transcrito da Folha da Tarde de 20 de julho de 1950).

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"Rio, 21 - Ao invés do que se esperava, não se reuniu ontem à tarde a Comissão Técnica a fim de apreciar a campanha dos brasileiros no Campeonato do Mundo e remeter relatório à diretoria da C.B.D.

Tal fato se verificou porque o treinador Flávio Costa ainda não redigiu a sua exposição. Desta forma, na próxima e talvez derradeira sessão daquele órgã0 - de vez que suas funções por assim dizer se restringiram à participação do brasil na Copa - só poderá ser marcada quando o referido treinador apresentar o trabalho aguardado.

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A propósito devemos informar que Flávio esteve na C.B.D., tendo oportunidade de palestrar longamente com os jogadores. Interpelado sobre a acusação que fizera, atribuindo à imprensa grande parcela do fracasso do onze cebedense na decisiva contenda do certame máximo, informou que suas palavras, na ocasião, foram mal interpretadas. Dissera, na verdade, que os jornais - parte deles - antecipando a vitória dos nacionais no campeonato, apenas veicularam um sintoma geral, um sintoma do próprio público. Com respeito à deficiência de nosso quadro, principalmente na fase complementar, Flávio ponderou que a circunstância se verificara não por falta de instruções aos jogadores no intervalo da partida, mas sim pelos azares comuns do futebol. Nem sempre as ordens do técnico são obedecidas ante o nervosismo dos atletas, nervosismo esse que tem sua razão na responsabilidade que lhes pesa sobre os ombros.

- "No vestiário - esclareceu - jamais ordenei que Bigode marcasse Gigghia a distância. A intranqüilidade de espírito traiu os jogadores e, consequentemente, a obtenção do título." (Transcrito da Folha da Tarde de 18 de julho de 1950).

 

 

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