O JULGAMENTO DE GREGORIO
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Publicado
na Folha da Tarde, sexta-feira, 12 de outubro de 1956
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Neste texto foi mantida a grafia original
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RIO 11 (FOLHAS) - O julgamento de Gregorio Fortunato, indigitado mandante
do crime da rua Toneleros, teve inicio às 9h10 de hoje. A despeito
da grande multidão que se acotovelava diante dos portões do Foro Criminal,
o número de pessoas que ocupava as dependências do Tribunal não era
muito grande, graças às providências tomadas pelo presidente Sousa
Neto para limitar a assistência através da expedição de convites numerados,
correspondendo essa numeração à das cadeiras existentes no salão.
Como nos julgamentos anteriores desta sessão, o policiamento era abundante
e de grande eficiência, feito por elementos da Polícia Militar, Guarda
Judiciária e Guarda Civil.
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O
CONSELHO DA SENTENÇA |
Mediante o sorteio, foram escolhidos os seguintes jurados para compor
o conselho de segurança: Francisco Gallotti, Joaquim Teixeira Mendes,
Radagasio Tovar, Arlindo Ribeiro, Jorge Dutra de Sousa Gomes, Pedro
Ening Cardoso e Otavio Augusto Lins Pereira. A defesa havia recusado
a sra. Derly Schasfit Freitas e o sr. José Borges Macedo. A acusação
não fez impugnações.
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BEM
DISPOSTO E CALMO |
Gregorio Fortunato chegou ao Tribunal sob forte escolta da Polícia
Militar. Mostrava-se bem disposto, parecia calmo e estava impecavelmente
trajado com um costume de gabardine creme. Não assumiu a atitude
humilde nem a postura cabisbaixa preferida pelos seus dois companheiros
de empreitada que o antecederam no banco dos réus. Ao contrário,
sentou-se com o busto erecto e a cabeça erguida. Portando-se com
toda a naturalidade e desembaraço, como se estivesse num banco de
bonde ou de jardim casualmente entre dois soldados.
A acusação
tem a mesma composição dos dois julgamentos anteriores, isto é,
o promotor Araújo Jorge auxiliado pelo deputado Adauto Lucio Cardoso
e pelo criminalista Hugo Baldessarini. A defesa está a cargo dos
advogados Romeiro Neto e Carlos de Araujo Lima.
Como
se vê, o Tribunal que está julgando Gregorio é praticamente o mesmo
que juizou Climerio e Alcino, condenando-os a 32 anos de reclusão.
O juiz, o promotor e seus auxiliares são os mesmos, assim como pelo
menos 4 dos 7 jurados funcionaram nos julgamentos anteriores.
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MANDOU
CLIMERIO "DAR UM JEITO" |
Gregorio Fortunato ergueu-se com dignidade ao ser chamado para depor.
Seu falar típico de gaúcho não era facilmente captado da bancada
de Imprensa, mas num grande esforço íamos anotando as declarações
do "anjo negro". Negou que houvesse mandado matar Carlos Lacerda
para receber dinheiro.
Em
suas declarações depois de ouvir a acusação de que havia colaborado
para que outrem fizesse disparos contra o major Rubens Vaz, respondeu
imediatamente: "Não é verdade! Não mandei isso! Não conhecia o major".
E prosseguiu em suas declarações afirmando que fora instigado pelo
general Mendes de Morais, o qual afirmara que a pregação de Carlos
Lacerda vinha pondo em perigo o presidente Getulio Vargas e poderia
levar o país a guerra civil e que, portanto, cabia a ele, Gregorio,
conjurar esse perigo para salvar Getulio e a nação. Pensou durante
três dias sobre as palavras do general Mendes de Morais. Lodi também
falou no assunto, declara Gregorio, porém foi repelido porque falou
em dinheiro. Disse que, não sendo assassino e tendo mulher e filhos,
não mataria ninguém por dinheiro. Matou sim, porém "peleando". E
acrescentou que não queria mentir, referindo então o episódio em
que acusa coronel Adil de haver tentado matá-lo na Base Aérea porque
se recusava a transferir a culpa do general Mendes de Morais para
o presidente Vargas. Disse que o coronel sacou de um revolver para
ameaçá-lo sendo obstado pelo coronel Scaffa, resultando daí a qualidade
de "pai branco", que foi tão comentada.
Disse
que o coronel João Adil de Oliveira, vendo que com ameaças não conseguia
que Gregorio acusasse Getulio Vargas, tentou fazer com que ele acusasse
qualquer pessoa da família Vargas ou que lhe fosse muito chegada,
como o comandante Amaral Peixoto, o deputado Danton Coelho ou o
sr. João Goulart, prometendo que modificaria tudo a seu favor se
fizesse tal declaração. Ante suas negativas, afirma Gregorio, o
coronel Adil espumava de raiva.
Declarou
que não conhecia Alcino antes de ir ao Galeão. Mas conhecia Soares
e supõe fosse homem de bem e trabalhador. Quando no entanto, viu
sua ficha no Galeão ficou apavorado. Declarou também que nunca foi
processado. Não reconheceu a arma do crime.
Voltando
a falar do general, disse textualmente: "Fui procurado pelo general
Mendes de Morais no Rio Negro para que desse um jeito no jornalista
Carlos Lacerda para evitar que o país caísse numa guerra civil.
Nunca me passou pela cabeça mandar matar ninguém, mas o general
me falou de tal maneira que acabei me convencendo que era preciso
matar Carlos Lacerda. Falei com Climerio, que fazia parte da guarda,
e mandei que ele desse um jeito no jornalista. Climerio aceitou
e depois eu soube que ele chamou para ajudar Soares, Alcino e João
do Nascimento."
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"LODI
IA MATAR LACERDA" |
O acusado prosseguiu dizendo que poucos dias antes do crime Mendes
de Morais lhe dissera que já tinha outra pessoa para fazer o "serviço".
Por isso, quando o delegado Brandão Filho lhe telefonou, informando-o
do crime, pensou que tivesse sido praticado pelo homem mandado por
Mendes de Morais. Nunca imaginou que a vítima de tudo viesse a ser
o major Vaz. Disse que o deputado Euvaldo Lodi insistira dias antes
do crime, dizendo que se ele, Gregorio, não tivesse quem praticasse
o crime, o próprio Lodi faria o serviço.
Logo
depois de reduzidas a termo as declarações do acusado, o juiz Sousa
Neto iniciou a leitura do seu relatório, que se prolongou até às
17h40, em virtude do número de documentos cuja leitura foi pedida
pela defesa.
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BLOCO
DE CONSTRANGIMENTO |
Com a palavra o promotor Araujo Jorge, leu o libelo expresso em
15 itens, acusando Gregorio Fortunato de haver contribuído de algum
modo para que outrem fizesse disparos de arma de fogo contra o jornalista
Carlos Lacerda na noite de 4 para 5 de agosto de 1954, de que resultaram
ferimentos na pessoa do jornalista e do guarda municipal Salvio
Romeiro e a morte do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz.
Em
seguida, o promotor disse que era chegado o ponto culminante do
processo, não pelo reflexo que podem ter na opinião pública mas
pela maior culpabilidade do réu. Voltou a falar na "cadeia de constrangimento"
já aludida nos julgamentos anteriores e disse que os acusados constituíam
um verdadeiro bloco de constrangidos. Dizendo, a seguir: "...vimos
Alcino transferir sua culpa para Climerio e este procurar transferir
um pouco da sua pesada carga para Soares. Hoje vemos Gregorio transferir
para os ombros agaloados do sr. general Mendes de Morais a sua culpa.
Veremos que esse "preto de alma branca" procura passar a culpa para
os "brancos de alma preta". Assim habilmente conduzida, a defesa
coloca a acusação em posição difícil, pois transferindo sucessivamente
a culpa de cada um é ela diminuída".
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O
GENERAL NÃO ESTÁ LIVRE |
Prosseguindo, o sr. Araujo Jorge declarou que se disse e de certo
é verdade que o general está livre do processo. Sim, está livre
em virtude do pronunciamento do ex-senador Ivo de Aquino, que promoveu
o arquivamento de denúncia na justiça militar. Mas todos se esquecem
de que há o pronunciamento do Supremo Tribunal pelo qual os crimes
contra o jornalista Carlos Lacerda e o guarda são crimes comuns
e o cometido contra o major é crime militar. A defesa embargou a
decisão do Supremo, porém, para honra do Brasil e do general acusado,
a decisão será mantida porque se ele proclama sua inocência deve
desejar um julgamento que ponha termo à acusação. O general, portanto,
deverá ser julgado aqui mesmo neste tribunal.
Passou
depois a criticar o fato haver sido feita uma longa leitura de documentos
por artes da defesa. Leitura que considerou afrontosa ao júri, dizendo
que tinha o fito de cacetear os jurados. Admitiu que o processo
suscitou uma onda de agitação no país e que realmente houve muita
exploração política em torno dele, porém, o que se explorava era
um fato concreto.
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O
REPORTER E A LANTERNA |
Durante o discurso do promotor, por duas vezes faltou luz no Tribunal,
durante alguns minutos, mas os trabalhos não chegaram a ser suspensos.
O repórter das FOLHAS, que casualmente tinha em seu poder uma lanterna
elétrica, acendeu-a, continuando a anotar as palavras do orador,
o que provocou ligeira hilaridade de que participou o próprio juiz
Sousa Neto. Restabelecida a iluminação, o promotor, que não se perturbara
com a falta de luz, prosseguiu sem se abalar, passando a criticar
o sr. Tancredo Neves que à época do crime era ministro da Justiça,
por haver pronunciado uma frase que o promotor disse ser umas das
mais infelizes da nossa história. Referia-se ao fato de haver o
então ministro declarado que o crime não era mais que um incidente
de rua. Segundo o promotor, essa frase provocou viva revolta no
seio das classes armadas, e que daí por diante os chefes militares
tiveram dificuldades de conter os ânimos exaltados da juventude
militar, que sentia a declaração do ministro como uma bofetada.
Depois
passou a rememorar os fatos que precederam o crime e as providências
tomadas pelo general Caiado de Castro para que Gregorio não conseguisse
fugir. Aí o promotor, em hábil golpe, passou a fazer o elogio do
general Caiado de Castro, dizendo-o um grande patriota e homem de
bem, para depois criticá-lo sutilmente, afirmando que não tivera
a coragem de dar pessoalmente ordem a Gregorio para que não deixasse
o Catete.
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CINDIDA
A DEFESA? |
O promotor se alongou em seu discurso, ocupando quase todo o tempo
reservado à acusação, e que parecia confirmar rumores insistentes,
que corriam desde cedo, de que a acusação se desentendera e se cindira
gravemente. Quando o sr. Araujo Jorge deixou a tribuna, restavam para
seus auxiliares apenas 50 minutos. O sr. Baldessarini pouco pôde falar.
No seu estilo habitual saiu da tribuna, aproximou-se do corpo de jurados
e falando baixo, passou a ler jurisprudência e trechos de filosofia
do Direito Penal, que trazia condensados em pequenas fichas de cartão.
Em seguida, por 30 minutos, o sr. Adauto Lucio Cardoso falou da colaboração
de Gregorio e do incentivo por ele oferecido aos desfalecimentos de
Climerio, para que o crime fosse executado.
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VEEMENTE
ATAQUE AO SR. LACERDA |
A defesa iniciou seu trabalho com o discurso pronunciado pelo advogado
Carlos de Araujo Lima, que principiou dizendo:
"Lacerda
não é brasileiro senão por nascimento pois é um agente dos "trusts"
e de interesses estrangeiros. Suas campanhas contra a honra alheia
levam ao crime". Depois, prosseguiu demonstrando a opinião de personalidades
ilustres sobre o jornalista Carlos Lacerda. Citou palavras do sr.
Seabra Fagundes em defesa do jornalista Carlos Lacerda, em certa
ocasião, quando aquele homem público, entre outras coisas reconhece
que Lacerda "... é o inimigo da paz pública e da ordem constituída,
genial na manipulação do ódio como fator de perturbação".
Em
seguida, disse que a acusação considerou a leitura dos autos como
uma afronta ao Júri, mas que ela é uma necessidade processual, mesmo
porque era preciso que se conhecessem os documentos em que a defesa
iria se basear. Depois, citou a carta escrita por d. Helder Câmara
ao jornalista Carlos Lacerda, em que o prelado adverte, como amigo
e conselheiro, contra o perigo de incidir no erro de colocar suas
paixões acima dos interesses nacionais e lhe dizia que não se entristecesse
quando recebesse notícia de atos acertados. Fazia-lhe ver o perigo
do panfletismo, do jornalismo violento e perturbador... No discurso
em que o sr. Carlos de Araujo Lima defendeu Gregorio Fortunato,
foi duramente atacado o jornalista Carlos Lacerda. "Lacerda é o
crime, é a calunia, é o ódio e a violência em pessoa", disse o advogado,
a certa altura. Afirmou que no seu afã de atacar, vilipendiar, injuriar,
não mede conseqüências o terrível panfletário. Afirmou que o arquivo
de Gregorio fora divulgado de maneira unilateral e justificou a
juntada de documentos que tornaram mais longa a leitura dos autos,
pois visavam ao restabelecimento da verdade, apresentada de um só
lado, como o que foi feito na apresentação de propostas indecorosas
feitas a Gregorio, sem que se publicassem as respostas que dera,
repelindo-as. Aludiu ao fato de que o coronel Adil de Oliveira privava
da intimidade dos falsários internacionais Malfussi e Cordero, relembrando
o episódio da carta Brandi.
À 23h30
a sessão foi suspensa para ligeiro repouso, prosseguindo após a
defesa com a palavra, na pessoa do criminalista Romeiro Neto. Ele
continuava na tribuna à hora em que encerrávamos o expediente.
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