DIA R

Um romance que narrasse a história do futebol brasileiro nos últimos quatro anos começaria e terminaria com a odisséia de Ronaldo, anjo caído de 98, herói em 2002. Após o fracasso de Ronaldo Nazário de Lima, 25, na Copa da França, seguiu-se a maior crise do time verde-amarelo. Mas a saga de Ronaldo é uma obra aberta. Ontem, ele escreveu apenas o último capítulo de um tomo. E foi um final feliz.

Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 1º de julho de 2002

Neste texto foi mantida a grafia original

Logo após marcar na vitória sobre a Turquia, com a vaga garantida na final da Copa do Mundo, Ronaldo afirmou que o pesadelo havia acabado. Ele estava recuperado para o futebol.

Mas faltava algo. Sobre seus ombros ainda restavam 170 milhões de brasileiros que esperavam dele um título do Mundial, já que em 1994, no triunfo da seleção nos Estados Unidos, Ronaldo não saiu da reserva. "Não era dívida. Havia um peso na consciência", declarou o atacante após o término da partida contra a Alemanha, ao ser questionado sobre a relação entre as duas finais que efetivamente disputou, a de 1998, na França, e a redentora, no Japão.

Ronaldo fez ontem os dois gols da vitória brasileira e surpreendeu-se. "Nem no melhor dos meus sonhos aconteceu assim", disse o jogador da Inter de Milão.

Pudera, o atacante foi artilheiro do Mundial, com oito gols, igualou Pelé em gols anotados em Copas: 12 cada um no mesmo número de jogos, 14 _média de 0,86 gol por partida.

A marca de Ronaldo neste Mundial é a melhor de um artilheiro desde 1974. Desde então, nenhum dos goleadores do torneio havia feito mais do que sete gols em cada edição do torneio.

Surpreendente para quem quatro anos atrás deixava o gramado da partida decisiva do Mundial contra a França abatido, sob o estigma de ter "amarelado" na final.

Na ocasião, antes do jogo decisivo, Ronaldo, já então o maior astro brasileiro, teve uma crise nervosa que o levou a um hospital de Paris. "Acho que o destino já havia reservado para a gente 2002", afirmou o atacante ontem.

Depois do vice-campeonato de 1998, o atacante sofreu duas cirurgias no joelho direito e ficou quase três anos parado.

Até os títulos de melhor jogador do mundo, conferidos pela Fifa em 1996 e em 1997, foram colocados em questão. "O título da Copa veio coroar a minha luta, a minha recuperação", disse Ronaldo.

Com um corte de cabelo de gosto no mínimo duvidoso, que lhe valeu o apelido de "Cascão" (personagem das HQs de Maurício de Souza), o jogador foi enfático ao dedicar a vitória a seu fisioterapeuta particular, Nílton Petrone, o Filé. "Ele me acompanhou em todos os momentos, não me abandonou", disse. Em seguida, Ronaldo enfatizou também a importância de sua mulher, Milene Domingues, e de seu filho, Ronald. "Família é tudo."

Com apenas 25 anos _dois títulos de Copa do Mundo, como Pelé na mesma idade_, Ronaldo promete mais para o futuro. "Sou ambicioso." Contudo evita falar sobre um curto prazo. "Hoje quero apenas comemorar. Estou muito feliz, foi duro. Fizemos um grande trabalho."

Amanhã, o brasileiro deve ser anunciado o melhor jogador da Copa-2002 pela Fifa. Seu maior adversário na disputa é Rivaldo, autor do chute a gol que propiciou o rebote aproveitado por Ronaldo para marcar o primeiro da vitória sobre a Alemanha _ao lado dele, Ronaldo forma a dupla que mais gols fez na história do Brasil em Mundiais: 19. A participação do artilheiro na jogada não se resumiu "apenas" ao toque final, já que foi ele quem roubou a bola que deu início à trama.

A Copa da Coréia do Sul e do Japão também marcou o amadurecimento do jogador, que se incorporou ao esquema de trabalho do técnico Luiz Felipe Scolari como se fosse um novato.

"Não existe conquista individual alguma que supere a importância do grupo", disse.

Sob o rígido comando de Scolari, Ronaldo foi enquadrado nas regras do treinador quanto à privação de sexo, já que as mulheres dos jogadores foram proibidas de visitar a concentração.

Questionado sobre o que havia sido mais difícil, ganhar a Copa do Mundo ou ficar quase 50 dias sem sexo, Ronaldo não se intimidou. "Acho que a Copa foi mais difícil. Sexo daqui a pouco a gente vai fazer. Além disso, o Mundial só existe de quatro em quatro anos", afirmou o atacante.

 

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