| ANTON 
              TCHEKHOV Sacha 
              Sminorf, filho unico de sua mãe, entrou no consultorio do dr. Cochelkof 
              levando debaixo do braço um embrulho de jornal. "Olá, amiguinho! 
              - saudou o doutor. Como vai passando? Está bem?"  Sacha, 
              virando os olhos, a mão colocada sobre o peito, respondeu-lhe com 
              voz agitada:  "Minha 
              mãe manda-lhe suas saudações... Sou filho unico de minha mãe e o 
              senhor salvou-me a vida, curando-me de uma molestia perigosa... 
              Não sabemos como demonstrar nosso agradecimento."  "Está 
              bem, está bem, amiguinho! - interrompeu o doutor satisfeito. Fiz 
              o que qualquer outro teria feito em meu lugar."  "Sou 
              filho unico de minha mãe... Somos gente pobre e não dispomos de 
              meios suficientes para remunerá-lo pelo trabalho... Estamos muito 
              envergonhados... Todavia... mamãe e eu... filho unico e minha mãe... 
              rogamos aceitar este objeto como testemunho de nosso agradecimento... 
              É um objeto caro... de bronze antigo... uma obra de arte..."  "Para 
              que? Não é preciso" - interrompeu o doutor.  "O 
              senhor não pode negar-nos este favor - replicou Sacha, desfazendo 
              o embrulho. Seria desgostar mamãe e a mim... É uma coisa linda... 
              uma antiguidade... Herdamo-la de papai e ficou guardada como recordação... 
              Meu pai comprava antiguidades, revendendo-as a colecionadores... 
              Minha mãe e eu trabalhamos com isso agora."  Sacha 
              desembrulhou o objeto, colocando-o triunfalmente sobre a mesa. Era 
              uma candelabro de bronze antigo e trabalhado artisticamente, apresentando 
              duas mulherzinhas, completamente despidas, em umas posturas que 
              não posso descrever por falta de engenho e arte. As mulherzinhas 
              sorriam e pareciam, não fosse a obrigação de sustentar as palmas, 
              querer saltar do pedestal e armar um escandalo superior a qualquer 
              imaginação.  O 
              doutor lançou um olhar ao presente e coçou a cabeça:  "É, 
              na realidade, uma obra de arte, mas... é demais. A expressão destas 
              mulheres é licenciosa ao extremo..."  "Por 
              que o entende assim, senhor?"  "O 
              diabo em pessoa não teria executado tal coisa. Colocar isto em cima 
              de uma mesa é macular toda a casa."  "Que 
              maneira de julgar a arte, doutor? - replicou Sacha. É elevadamente 
              artistico, repare bem. Tem tanta beleza, que a alma se eleva às 
              regiões da imortalidade... Contemplando semelhante obra de arte 
              esquece-se tudo que é terrestre... Olhe, olhe quanta vida, quanta 
              expressão!..."  "Tudo 
              isto compreendo e vejo perfeitamente - interrompeu o doutor. Porem, 
              meu amigo, alem de ser pai de familia, aqui vêm crianças, entram 
              senhoras..."  "Naturalmente. 
              Para o povo talvez esta obra de arte tenha outra significação. Mas 
              o senhor, doutor, deve considerá-la acima do vulgar; alem disso, 
              recusando este presente, ofenderá minha mãe e eu. Sou filho unico 
              de minha mãe... O senhor salvou-me a vida... Entregamos-lhe o objeto 
              mais precioso que temos, lamentando ainda faltar-nos o outro par..." 
               "Agradecido, 
              meu amigo; Muito obrigado mesmo... Meus respeitos à sua mãe. Contudo, 
              na realidade, ponha-se na minha situação: os meninos brincam aqui, 
              as senhoras vêm... Bem, deixe-o!... Você não compreende..."  "Muito 
              bem - exclamou Sacha satisfeito. Ponha o candelabro aqui, ao lado 
              deste jarro. Que pena faltar o par! Que lastima! Adeus, doutor!" 
               Ao 
              ficar só, o doutor permaneceu longo tempo, passando a mão pela fronte, 
              a refletir.  "Não 
              há duvida de que é uma obra de arte. Seria uma pena levá-la... Hum!... 
              É um problema... A quem a darei?"  Depois 
              de muito pensar, lembrou-se de seu amigo, o advogado Uhof, a quem 
              devia por lhe haver ganho um processo.  "Ótimo! 
              - exclamou. Não quererá, como amigo, cobrar em dinheiro e seria 
              acertado presenteá-lo com isto. Levar-lhe-ei agora mesmo essa diabrura. 
              Com ele ficará a proposito, pois é solteiro e malandro..."  O 
              doutor vestiu-se imediatamente, embrulhou o candelabro e dirigiu-se 
              para a casa do amigo.  "Olá! 
              - disse ao entrar. Alegro-me de o haver encontrado em casa... Vinha 
              agradecer-lhe pelo trabalho... e, já que não quer receber honorarios, 
              aceite este objeto. Tome!... É admiravel!...  Uhof 
              ficou encantado com o presente.  "Uma 
              jóia! - disse rindo. Que demonios! Quem inventou isto? Magnifico! 
              Soberbo! Onde o encontrou?"  Depois 
              de se haver extasiado, Uhof olhou medrosamente a porta, acrescentando: 
               "É 
              admiravel, mas não posso ficar com o seu presente. Não posso aceitá-lo." 
               "Por 
              quê?"- inquiriu assustado o doutor.  "Porque... 
              minha mãe vem aqui... vêm clientes... e, alem do mais, envergonhar-me-ia 
              até perto dos criados."  "Oh!... 
              Você não pode me fazer uma coisa destas! - exclamou o doutor agitando 
              os braços. Uma obra de arte!... Veja que movimento... que expressão!... 
              Recusando, ficarei ofendido..."  "Se 
              elas tivessem, ao menos, umas folhinhas..."  Mas 
              o doutor não o escutava. Moveu a mão em sinal de despedida e, satisfeito, 
              deixou o advogado. Voltou para casa encantado por livrar-se do presente. 
              Ao encontrar-se só, o advogado contemplou o candelabro pelos quatro 
              lados; tocou-o e, como o doutor, ficou longo tempo pensando no que 
              faria com aquilo.  "É 
              uma magnifica obra de arte! Como sinto não ficar com ela! Mas, como 
              vou guardá-la? O melhor seria dá-la a alguem... Já encontrei. Já 
              encontrei! À noite dá-la-ei de presente ao comico Chachkin, que 
              estreará hoje."  Naquela 
              mesma noite o candelabro foi entregue ao comico Chachkin, cujo camarim 
              foi tomado de assalto pelos espectadores, que vinham felicitá-lo 
              pela interpretação da peça, em murmurios e risos semelhantes a relinchos 
              de cavalos. Quando alguma das artistas se aproximava e batia na 
              porta, perguntando se podia entrar, o comico invariavelmente respondia: 
              "Não, menina, não! Estou me vestindo..."  Depois 
              do espetaculo o comico esfregava as mãos e encolhia os ombros, perguntando-se: 
               "Que 
              farei com esta droga? Vivo em uma casa particular e recebo artistas. 
              Se fosse uma fotografia, seria possivel ocultá-la numa das gavetas 
              da escrivaninha..."  "Venda-a, 
              senhor!" - Aconselhou o barbeiro ajudando-o a vestir-se. Aqui 
              perto mora uma velha que compra antiguidades... pergunte por Smirnova: 
              é muito conhecida."  Assim 
              fez o comico. Dois dias depois, o doutor Cochelkof estava em seu 
              consultorio a reflexionar sobre os acidos biliosos, quando a porta 
              se abriu com estrondo, dando passagem a Sacha Smirnof. Toda sua 
              figura resplandecia de felicidade... Em uma das mãos trazia alguma 
              coisa embrulhada em jornais:  "Doutor! 
              - disse radiante. Imagine a minha alegria! Encontramos o par do 
              seu candelabro. Minha mãe está absolutamente feliz... Sou filho 
              unico de minha mãe... O senhor salvou-se a vida."  Sacha, 
              cheio de agradecimento, colocou o candelabro diante do doutor, boquiaberto. 
              Quis dizer alguma coisa, mas não pôde pronunciar sequer uma palavra: 
              aturdira-se por completo, paralisado.
 
 |