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Publicado
na Folha da Manhã, quarta-feira 06 de junho de 1951
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Nesse
texto foi mantida a grafia original
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Sérgio Buarque de Holanda
A melhor parte do programa projetado e empreendido pelo Clube
de Poesia de São Paulo tem sido, provavelmente, revelar,
através dos seus Cadernos, como a ação renovadora
dos novos poetas justificaria amplamente a campanha polemica e publicitaria
que frequentemente a tem acompanhado.
Não há negar que aquela ação vem sendo
desencadeada, por outro lado, com uma seriedade que talvez faltasse,
no mesmo grau, a algumas gerações anteriores. E é
significativo que, em muitos casos, ela não se abala sequer
nos pontos onde a seriedade tende a confundir-se com a suficiencia,
com o dogmatismo um tanto canhestro, com o brilho erudito e finalmente
com a incapacidade de malicia que podendo ser uma inclita virtude
equivale, não raro, à incapacidade fundamental de
autocritica.
Seus defeitos são aqui, e bem claramente, os defeitos de
suas qualidade. Eu não hesitaria, contudo, em situar no mesmo
nivel o zelo transparente com que alguns parecem, ao mesmo tempo,
organizar-se meticulosamente para a gloria. Que outro sentido pode
ter, por exemplo, a impaciencia com que já falam, por exemplo,
numa suposta "geração de 1945"? Pois existirá
fenomeno mais estranho do que este de uma geração
ainda em gatinhas, que, para evitar duvidas futuras, já insiste
em exibir a propria certidão de nascimento?
Mas ainda aqui eu preferiria colocar todo esse zelo na conta da
gravidade dos propostos com que todo um grupo de escritores novos,
dispersos pelo país inteiro, vai enfrentando suas responsabilidades.
Nessa ostentação continua das proprias ambições,
no exemplo mal disfarçado de fazer-se valer, de ganhar notoriedade
e merito ante os contemporaneos e os posteros, não se encontra
a menor traço, sequer, dos que distinguem o vulgar cabotinismo.
Encontra-se, isto sim, uma surda confiança no valor das proprias
convicções e das proprias vocações.
O perigo de semelhante atitude estaria - talvez numa estabilidade
forçada, numa especie de esclerose da poesia, dentro dos
formularios em que tendem a aprisioná-la, às vezes
inconscientemente, é certo, os mentores e monitores do chamado
"Pós-modernismo". Um indicio de que a poesia nova
tem apesar disso, vitalidade bastante para esquivar-se aos roteiros
prefixados e escolher os proprios caminhos, provam-no justamente
alguns dos Cadernos mencionados no começo deste artigo.
A coleção constitui um espelho, não das correntes
já manifestas e atuantes, mas das direções
incipientes da poesia nova. Numa plausivel variedade, reune em sua
meia duzia de fasciculos impressos, autores de tendencias por vezes
contratantes. E não faltam nela sequer os poetas do interior,
em particular da cidade paulista de Atibaia (como os srs. André
Carneiro e Cesar Memolo), que parece hoje desempenhar papel semelhante
ao que teve durante o movimento de 22, a cidade mineira de Cataguases.
É uma homenagem aos organizadores da coleção
frisar a imparcialidade com que se houveram na escolha dos autores
representados, alguns deles traindo tendencias que parecem contrastar
vivamente com os postulados do "pós-modernismo".
Para o comentador de livros constitui, ao mesmo tempo, um puro prazer
intelectual o poder vislumbrar, através daquela variedade,
os caminhos de um inconformismo promissor.
Não é, aqui, meu proposito examinar toda a gama de
tendencias muitas vezes dispares que se oferecem nesta coletanea
de "novissimos". Basta-me abordar as que me parecem mais
significativas e reveladoras. Refiro-me a duas obras já mencionadas
de passagem em comentario anterior, ao Auto do Possesso, do sr.
Haroldo de Campos, e a O Carrossel, do sr. Decio Pignatari, uma
e outra publicadas durante o ano passado.
Nada mais diverso, em verdade, do que essas duas obras, que representam,
numa comparação grosseira e voluntariamente caricaturesca,
as duas vertentes opostas de nossa poesia novissima. Na do sr. Haroldo
Campos teriamos, por assim dizer, a vertente formal. Uma das suas
epigrafes leva-nos a Virgilio, embora a imaginação
luxuriante e um tanto preciosa do autor, seu ritmo solene, às
vezes majestoso, seu arsenal biblico, mitologico, oriental, pareçam
aproximá-lo antes de certas tendencias nascidas do simbolismo
francês.
Pensamos quase inevitavelmente naquela observação
de João Gaspar Simões, em sua recente biografia de
Fernando Pessoa onde, creio que por uma ilusão de otica,
se fala em certo "mallarmeismo", latente em nossa poesia.
O critico português pretendia, referir-se, provavelmente,
à decidida preferencia de alguns dos nossos autores - de
um Eduardo Guimarães, por exemplo, ou de Ronald de Carvalho
de Luz Gloriosa - por um tipo de simbolismo que não se afirmava
pela ruptura audaz com a estetica parnasiana.
No poeta paulista, essa especie de condescendencia torna-se, porem,
desnecessaria. É bem provavel que tenha estudado largamente
Mallarmé e mesmo os parnasianos, pois, segundo a frase de
Léon Paul Fargue, há de preferir o ourives ao bufarinheiro.
E em autor como ele, tão bem informado das tendencias poeticas
posteriores ao simbolismo, eu não me admiraria muito se apontassem
entre suas preferencias a de outros mestres bem menos frequentados
pelos inovadores de nossa poesia. A lembrança inesperada
de um Stefan George, por exemplo, pode ocorrer a quem se detenha
nos motivos e até na cadencia particular de versos como estes,
de "Rito do Outono" que, pessoalmente, julgo, aliás,
dos menos expressivos do volume:
"No
mês propicio as virgens babilonicas
Tecem guirlandas em louvor de Ishtar.
Olha seus rostos contornando o templo.
Codeas de luz nas lampadas do altar.
Tua flor, Senhora, lilases e alcool,
A dispersavas pelo bulevar
Touros alados crescem no caminho:
Tecei guirlandas para o mês Ishtar!"
Há
talvez uma impertinencia de critico nesse afã de estabelecer
comparações e traçar influencias que teriam
propiciado o milagre da poesia, por sua propria natureza individual
e única. No caso, porém, do sr. Haroldo de Campos,
o empenho parece menos descabido. Seus versos são prudentemente
governados, e se trazem por vezes alguma emoção
é, segundo a formula memoravel, a emoção
que relembramos na tranquilidade. O acaso, a "inspiração",
que se considera impropriamente um "mal romantico" e
oitocentista, quando na realidade já era um "mal helenico"
e vinha de Homero, tem escasso lugar nesta obra. Por outro lado,
seu "hermetismo", como em grande parte dos nossos poetas
novos (exceção feita, creio eu, do sr. Geir Campos,
um pouco do sr. José Paulo Moreira da Fonseca, e creio
que do sr. Tiago de Melo), parece ser principalmente, para recorrer
ao simile tirado da velha retorica hermetismo "de palavra",
não "de pensamento". Mas o jogo de vocabulos,
a procissão de motivos e imagens, o ritmo, são dominados
em todas as minucias por uma inteligencia sempre alerta, que sabe
dirigir seus instrumentos e se apoia, deliberadamente, numa tradição.
Tudo isso pode corresponder um pouco ao ideal teorico professado
por alguns pós-modernistas. Na pratica, entretanto, encontramos
aqui uma densidade, um poder de ordenação e concentração,
que não poderiam estar mais distante do formulario neo-rococó
em que tenazmente se comprazem tantos daqueles poetas.
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