SENNA BATE COM PROST NA 1ª CURVA E É BICAMPEÃO
DA F-1
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Publicado
na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 1990
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O brasileiro Ayrton Senna, da McLaren/Honda, conquistou ontem no autódromo
de Suzuka, no Japão, o título de campeão mundial
da F-1 da temporada de 1990. Ele precisou de apenas 9s28 para chegar
ao bicampeonato - já havia sido campeão em 1988, no
mesmo circuito. Na primeira curva após a largada, ele e o francês
Alain Prost, da Ferrari, único em condições de
disputar o título, se envolveram em um acidente que os tirou
da prova. Senna largou mal e forçou a ultrapassagem no final
da reta dos boxes; Prost tentou impedi-lo e bateu com a roda traseira
de sua Ferrari no bico do carro do brasileiro. Mesmo que vença
o GP da Austrália, no próximo dia 4 em Adelaide, Prost,
que tem 69 pontos, não pode mais alcançar os 78 de Senna.
Pelo regulamento, ele teria que descartar dois pontos (dos nove dados
ao vencedor) e chegaria no máximo a 76.
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Senna |
Os dois
duelistas da Fórmula 1, Alain Prost e Ayrton Senna, gastaram
menos de 10s para decidir o título da temporada. Senna ganhou.
"GP do Japão 2 - A revanche", esse pode ser o nome
da parábola que ensina como o brasileiro ganhou seu segundo
Mundial. Foi o título da naturalidade conquistado na corrida
da decepção. O último ato da temporada 90 da
F-1 acabou sendo tão curto que os protagonistas ficaram sem
o merecido aplauso. Não deu tempo nem para vaiar uma batida
digna de principiantes. Sorte do público presente no autódromo
de Suzuka que a F-1 tem pilotos como Nélson Piquet, Roberto
Moreno e Aguri Suzuki. O pastelão dos favoritos foi salvo pela
competência dos pilotos da Bennetton e pela raça do japonês.
Senna e Prost transformaram o GP mais longo da temporada, 310,527
km, numa prova de arrancada que não durou 500 m. O brasileiro
perdeu o pique na largada mas aproveitou-se da potência do motor
Honda para dar o troca ainda antes da primeira curva. Um pequeno desvio
para a direita, do então líder Prost, abriu-lhe a porta.
Tão rápido como criou a oportunidade, Alain fechou o
ângulo. Só que Senna já estava com o bico do carro
na zona de perigo. Nota-se pela TV que o brasileiro ainda tentou tirar
o corpo passando por cima da zebra. Só na hora de frear é
que Senna lavou as mãos. Deixa bater, deve ter pensado.
Nem em seus sonhos mais raivosos de vingança Senna poderia
ter imaginado uma cena tão favorável a uma revanche.
Numa situação de disputa de título como a que
aconteceu no Japão, é injusto tentar achar um culpado
para a batida. Prost, encarnando o papel de vítima, puxa o
coro das lamentações. "Não esperava que
Senna fosse capaz de uma manobra dessas. Não sei como ele pode
guiar assim. Ele viu que tinha perdido a corrida na largada e aí
forçou passagem numa hora impossível", disse. O
francês chamou Senna de "fanático" e "iluminado".
O brasileiro reagiu com simplicidade aos ataques do derrotado francês.
"No ano passado eu perdi o título numa batida. Esse ano
ganhei. A única diferença é que foi no começo
da prova", falou.
Em um dia de trovão, a Ferrari reclamou que a F-1 está
virando corrida de Stock Car. O chefe da equipe italiana, Cesare Fiorio,
só se esqueceu de lembrar que seu segundo piloto, Nigel Mansell,
perdeu a corrida por ter se comportado como um piloto de "Dragster".
O inglês estragou a que deve ter sido a troca de pneus mais
rápida do mundo, 5s87, acelerando antes da hora. Quando os
mecânicos puseram a sua máquina no chão, a transmissão,
que não é de ferro, arrebentou. O presidente da Fisa,
Jean-Marie Balestre, classificou o espetáculo de muito triste.
Ele defende a tese de interrupção da prova para uma
nova largada. Diz que era a única maneira de se "preservar
o esporte". Mas, no momento, estão descartadas eventuais
punições ao brasileiro. Ayrton pode comemorar em paz
seu segundo título.
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Emoção
do GP do Japão dura apenas 9s28 |
Durou
apenas 9s28 a emoção no GP do Japão, disputado
ontem no circuito de Suzuka. Logo depois do acidente envolvendo Ayrton
Senna (McLaren/Honda) e Alain Prost (Ferrari), que tirou os dois pilotos
da corrida e deu o bicampeonato ao brasileiro, a 15ª etapa desta
temporada foi monótona até o seu final.
Contribuíram também para aumentar o desinteresse as
saídas de Gerhard Berger (McLaren/Honda) e de Nigel Mansell
(Ferrari), que abandonaram a prova nas voltas número 2 e 26,
respectivamente. Ou seja, nenhum dos quatro carros mais potentes da
temporada terminaram a corrida. Foi a primeira vez que isso aconteceu
neste campeonato. Com o terreno livre, os pilotos brasileiros Nélson
Piquet e Roberto Pupo Moreno (ambos da Benetton/Ford) acabaram fazendo
uma dobradinha para ficar com o primeiro e o segundo lugar. Em terceiro
ficou o japonês Aguri Suzuki (Larrousse/Lamborghini).
Tanto Piquet como Moreno não fizeram ultrapassagens depois
da largada. Apenas mantiveram o ritmo e subiram de posição
com as saídas de Berger e Mansell. Piquet reconheceu que teria
dificuldades se Nigel Mansell retornasse à pista após
sua troca de pneus - o inglês teve problemas na caixa de câmbio
de sua Ferrari e nem conseguiu andar com os pneus novos. "Se
ele voltasse, teria problemas para me manter à frente. A diferença
de motor é muito grande", afirmou.
Embora Piquet estivesse sem vencer um GP há três anos
- o último foi na Itália, em 87 -, a vitória
de ontem pode ser considerada normal para um piloto com sua experiência
de tricampeão mundial da categoria (81, 83 e 87). A surpresa
ficou por conta de Roberto Moreno em segundo e Aguri Suzuki em terceiro.
Os dois subiram pela primeira vez na vida ao pódio.
"O carro esteve perfeito. Estou muito satisfeito e aproveito
a oportunidade para reafirmar que vou correr na mesma equipe no ano
que vem", disse o japonês Suzuki depois da corrida. Ele
largou na nona posição e, com o terceiro lugar, marcou
quatro pontos: exatamente o dobro do que havia obtido durante todo
o campeonato. Com essa vitória, Suzuki firma-se como o piloto
mais promissor do Japão.
Em quarto e em quinto lugares ficaram os pilotos da Williams/Renault,
respectivamente o italiano Ricardo Patrese e o belga Thierry Boutsen.
Os dois pararam para trocar pneus. Aí perderam terreno para
as Benetton, que seguiram a corrida toda sem fazer paradas nos boxes.
Piquet e Moreno optaram por correr com um pneu com composto mais duro,
apostando no equilíbrio de seus Benetton.
Apenas dez carros terminaram a corrida de ontem. No início,
haviam 25 no grid. O francês Jean Alesi (Tyrell/Ford), que será
o companheiro de Alain Prost na Ferrari em 1991, desistiu de correr
por causa de uma torção no pescoço, resultado
de um acidente nos treinos classificatórios de sexta-feira.
Além do choque entre Senna e Prost, outros dois pilotos bateram
seus carros: Stefano Modena (Brabham/Judd) e Philipe Alliot (Ligier/Ford).
Modena ainda continuou na prova, mas Alliot saiu na primeira volta.
Com os resultados de ontem, diminui o interesse pelo Grande Prêmio
da Austrália, no circuito de rua de Adelaide no dia 4 de novembro.
Senna já é bicampeão. A única disputa
que resta é pelo terceiro lugar no Mundial. Alain Prost não
pode mais ser alcançado na segunda colocação.
Quatro pilotos ainda têm chances de disputar a terceira colocação:
Gerhard Berger (que tem 40 pontos), Nélson Piquet (35), Thierry
Boutsen (32) e Nigel Mansell (31).
O presidente Fernando Collor de Mello, que está em visita oficial
a Portugal, enviou três telegramas para Suzuka felicitando Senna
pelo bicampeonato e Piquet e Moreno pelo resultado da prova.
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Prost
se acha vítima da estratégia da McLaren |
O tricampeão
mundial de Fórmula 1 Alain Prost disse ontem que Ayrton Senna
provocou o acidente entre os dois pilotos no início da primeira
volta do GP do Japão. "Ele (Senna) fez eu perder a corrida
na largada porque se eu ficasse à frente ele não me
alcançaria mais", disse o francês.
Muito irritado, Prost não queria dar declarações.
"Se não fosse pela equipe, eu não falaria",
disse. Recebeu apenas um pequeno grupo de jornalistas dentro da sala
de reuniões da Ferrari, montada atrás do box em Suzuka.
Logo no início foi indagado sobre sua versão para o
acidente com Senna. "Não existem duas versões sobre
o acidente. Existe apenas uma realidade", disse. Estava convencido
de que tudo foi uma estratégia da McLaren/Honda para eliminar
a possibilidade de ele conquistar um eventual tetra.
"Eu fiz uma boa largada. Tinha um carro de vantagem. Eu nunca
esperei que ele (Senna) tivesse uma atitude tão antiesportiva",
afirmou. Para Prost, Senna poderia ter evitado o choque.
Durante a entrevista foi mencionado o GP do Japão do ano passado,
quando ele e Senna também tiveram um choque e o brasileiro
acabou desclassificado. A pergunta para Prost foi se ele considerava
o acidente uma revanche por parte de Senna. O francês respondeu
o seguinte: "No ano passado foi totalmente diferente. Ele tinha
15 pontos de desvantagem". Foi nessa hora que sua acusação
a Senna foi mais direta: "Fazer isso hoje era muito perigoso,
sobretudo nessa curva. E ele fez isso deliberadamente".
"Minha desilusão é muito grande", suspirou
um momento. Um pouco depois, disse: "É preciso que a Fisa
verifique o regulamento, porque e Fórmula 1 desse jeito não
tem mais graça para mim".
Mais indignado que o piloto estava o diretor esportivo da Ferrari,
Cesare Fiorio. Alterado e quase chorando após o acidente, ele
gritava "é um escândalo, é um escândalo".
Argumentava que a direção da prova deveria ter interrompido
a corrida. "Foi assim em Portugal", disse.
Na realidade, em Portugal a área de escape onde um carro ficou
estacionado ao sair da pista era menor. Além disso, o piloto
Alex Caffi, da Arrows, havia ficado preso no carro.
Ontem, em Suzuka, a McLaren e a Ferrari ficaram em uma área
distante da pista - pelo menos a uma distância que não
causaria problemas, pois era de areia e os carros tendem a não
andar nesse tipo de terreno. Finalmente, os dois pilotos não
se machucaram ou ficaram presos aos carros.
A primeira intenção da Ferrari foi a de tentar alguma
solução legal para o caso. Logo concluíram que
nada poderia ser feito. Senna também havia ficado fora e não
poderia sequer ser desclassificado. Também não é
possível provar uma eventual intenção do brasileiro
de provocar o acidente. Fiorio, um pouco mais consolado, ao final
do dia olhava para um monitor de TV com os resultados finais do GP.
"Não dá para apelar à Fisa. A prova acabou",
disse.
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'Dedico
o título a todos que lutaram contra mim' |
Ayrton
Senna da Silva, o mais novo bicampeão mundial de Fórmula
1, nega qualquer intenção de causar o acidente que acabou
lhe valendo o título desta temporada. Está em uma posição
confortável. Nada se pode provar contra ele. Fez o papel de
vítima no sábado, quando se disse prejudicado pela Fisa.
Havia pedido para largar do lado esquerdo da pista; O pedido foi recusado
pelos organizadores do GP.
Quando soube das críticas de seu rival Alain Prost, deixou
claro que seus sentimentos pelo francês não são
nada nobres: "Em ocasiões no passado, (ele) agiu de forma
tal que não merecia a vitória. E nada aconteceu. Quando
ele perde é sempre assim. Ele reclama. Esse é o caráter
do Prost", argumenta Senna.
Senna estava tenso, mas muito menos do que nas horas que antecederam
a largada do GP. Enquanto caminhava para os boxes às 10h20,
disse que "com a Fisa não tem discussão" e
que "o interesse deles é outro", referindo-se ao
lado que teria que começar a prova. Quando foi indagado sobre
se esse tipo de interesse da Fisa, no seu entender, era para favorecer
Prost, o brasileiro disse que não queria responder. Diante
da insistência do repórter, disse: "Acho melhor
você parar de perguntar se não vai ser pior". Falou
alto, parou de caminhar e cerrou os punhos. Quando o repórter
insistiu mais uma vez no assunto, Senna saiu do local apressadamente,
quase correndo.
Sobre o acidente, disse apenas que ia fazer a primeira curva quando
Prost "fechou a porta". Para Senna, "não deu
para evitar". O piloto passou a tarde toda falando com jornalistas
em Suzuka. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida pelo bicampeão:
Pergunta
Ontem (anteontem) você repetiu algumas vezes que
poderia se tornar o campeão até antes do final da
prova; Você previa ou tinha em mente o acidente que acabou
ocorrendo hoje (ontem)?
Senna Eu disse aquilo porque, teoricamente, se Prost
não terminasse a corrida por alguma razão - mecânica,
por exemplo -, eu seria campeão automaticamente.
Pergunta Mas a sua equipe considerou a possibilidade
desse acidente como uma tática? Ou seja, de um choque entre
os dois carros na largada resolveria a situação?
Senna Eu nunca considero a possibilidade de um acidente,
porque não dá para prever o que acontece em um acidente.
Pergunta Como você está se sentindo?
Senna Eu estou em paz comigo mesmo.
Pergunta O que você sentiu na hora do acidente?
Senna Nada. A minha reação foi voltar
direto para os boxes, pois poderia haver uma nova largada. Desde
que não existia ninguém machucado ali, essa foi a
minha reação instantânea. Depois de umas duas
ou três voltas, a corrida teve continuidade, o campeonato
estava automaticamente decidido.
Pergunta Prost disse que não vê mais
graça na Fórmula 1 sem moralidade. O que você
acha?
Senna É muito normal que ele diga isso. É
muito normal, vindo de uma pessoa com o caráter que ele tem.
Ele, em ocasiões diversas no passado, agiu de forma tal que
não mereceu uma vitória. E nada aconteceu e nada se
disse. Hoje (ontem), ele perdeu e quando ele perde é sempre
assim. Ele sempre reclama e diz que está errado, que foi
prejudicado e assim por diante. Esse é o caráter do
Prost. Não existe nenhuma surpresa com isso.
Pergunta É desagradável ser campeão
sem ter ido para o pódio hoje?
Senna Eu fui para o pódio mais vezes do que
qualquer outro piloto nesta temporada.
Pergunta Como você reagiu à decisão
da Fisa, que recusou seu pedido para largar do lado esquerdo?
Senna Eu fiquei muito contrariado com a decisão
da Fisa de colocar uma pole position em um lugar não-correto
na largada. Porque foi uma luta tremenda para conseguir e, depois
que você consegue uma performance tal, é muito frustrante
se encontrar num lugar pior da pista. Embora eu não pudesse
fazer nada, como sempre, porque eles decidem tudo o que querem.
Pergunta Isso prejudicou a largada?
Senna Eu sabia que a largada seria dificílima.
Para conseguir pular na frente. E foi o que aconteceu. O resultado
da corrida acabou sendo indiretamente decidido pela posição
de largada.
Pergunta Como assim?
Senna Se eu tivesse do lado externo da pista, com
certeza teria feito uma largada melhor, teria pulado na frente,
com certeza, com menor possibilidade de acidente na primeira curva
- porque eu tenho um motor de aceleração em largada.
Infelizmente eles me colocaram do lado pior. Eu perdi no pulo, no
farol verde. Aí, depois comecei a ganhar terreno na aceleração,
até a primeira curva. Quando chegou a primeira curva, tinha
um espaço e eu entrei. Ele (Prost) fechou a porta e bateu.
Não consegui evitar. Se fosse ao contrário, com certeza
a corrida não teria acabado ali.
Pergunta Que tipo de argumentação a
Fisa utilizou para recusar seu pedido?
Senna A argumentação é que eles
consideravam que não era o melhor lugar do lado externo.
Na verdade, eu acho que a pressão era muito grande. Qualquer
modificação, qualquer decisão implicava talvez
na decisão do campeonato. E eles não quiseram assumir
uma responsabilidade tão grande de mudar o grid de largada.
Deixando, então, à sorte. Na verdade acabou funcionando
contra a decisão.
Pergunta A Ferrari argumentou hoje que o regulamento
foi decidido no início da temporada, com o consenso de todos
os pilotos, inclusive o lado dos pole positions. Foi assim?
Senna Não é verdade. Este ano foi mudada
a posição.
Pergunta Foi política, então, a decisão
da Fisa?
Senna Eu não tenho nenhum comentário
a fazer sobre isso. Infelizmente, aconteceu o que aconteceu. Corrida
é assim: algumas você ganha e algumas você perde.
Essa foi boa (para mim).
Pergunta Foi tentada alguma coisa hoje?
Senna Foi, até o último momento. Mas
eles se recusaram a aceitar a modificação.
Pergunta Apesar da conquista do campeonato, você
e sua equipe pretendem fazer algum protesto junto a Fisa?
Senna Não. Não adianta nada. A decisão
dos comissários é sempre final. Já tenho experiências
no passado, quando eles tomaram decisões baseadas na interpretação
deles mesmos.
Pergunta Onde foi mudada a posição de
largada este ano?
Senna Mudou no México, no Brasil, em Portugal
e na Alemanha. No ano passado, mudou no Canadá. Quer dizer,
desde que você chegue antes de começar o treino na
sexta-feira, quando não se sabe quem vai estar na pole, explica
a situação e decide-se qual é o melhor lugar
da largada. É a maneira correta e justa de se trabalhar.
É assim que foi feito este ano em todas as outras oportunidades.
Pergunta Quando você fez a solicitação?
Senna Na quarta-feira à noite eu falei com
os responsáveis a respeito.
Pergunta O diretor de equipe da Ferrari disse que
foi um "escândalo" os fiscais de pistas não
terem interrompido a prova depois do seu acidente com Prost. Você
concorda?
Senna É lógico que eles vão dizer
isso. Se eles parassem a corrida no início haveria uma nova
largada - e com o resultado dessa forma eles perderam o campeonato.
Mas a pista não estava perigosa; não havia nenhum
carro na pista e não tinha razão nenhuma de parar.
Pergunta Logo depois do acidente, no local onde ficaram
os carros, você disse alguma coisa para Alain Prost ou ele
para você?
Senna Não. Nada, absolutamente.
Pergunta A quem você dedica este título?
Senna Este título eu dedico a todos aqueles
que lutaram contra mim no ano passado e me machucaram muito. Este
ano, está aí a demonstração para eles
de quem é o campeão.
Pergunta Qual a diferença entre os dois títulos
que você obteve, os dois por coincidência em Suzuka?
Senna O primeiro título foi uma luta incrível,
uma corrida tremenda. Na largada eu quase perdi tudo aqui em Suzuka.
Hoje, de novo aqui, foi uma situação que refletiu
o trabalho de todo ano. O ano em que eu venci o maior número
de GPs e tive os melhores resultados e fui mais constante. Isso
tudo refletiu no resultado de hoje, sobretudo porque a gente não
tinha um carro tão competitivo como a Ferrari.
Pergunta Quais foram os problemas este ano?
Senna A gente teve dificuldades de motor no início
deste ano. Depois a Honda retificou os problemas, mas o carro deixou
alguns problemas crônicos durante toda a temporada. Mesmo
assim, nos momentos críticos, que foram em Hockenheim, Hungria,
Bélgica e Monza, eu consegui vitórias e resultados
que puderam assegurar o campeonato. Vencer o campeonato inferiorizado
tecnicamente tem um sabor muito especial, o que não era o
caso de 88 - quando eram os dois carros iguais.
Pergunta O que você vai fazer agora até
o próximo Grande Prêmio, na Austrália?
Senna Relax, relax. Recuperar-me do stress desse ano
ao máximo para poder dar a última gota de combustível
na Austrália. Antes de eu poder definitivamente me recuperar
totalmente para o ano que vem.
Pergunta O que você tem a dizer para os seus
fãs?
Senna Eu queria que todos aqueles que torcem por mim,
que torceram o ano inteiro, tivessem mais uma hora e meia, duas
horas de emoção, fortes emoções e que
a gente vencesse o Grande Prêmio do Japão. Mas não
foi possível.
Pergunta Como foi essa temporada, na sua avaliação?
Senna Eu consegui tudo o que eu queria. Consegui meu
recorde de pole positions. Eu queria chegar a 50 e ultrapassei.
Eu consegui a vitória no campeonato, dar a volta por cima.
Eu consegui o meu melhor contrato até hoje e me manter na
melhor equipe de Fórmula 1. Consegui tantas coisas que eu
tenho que simplesmente agradecer a Deus por tudo isso.
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Frases |
"Este
título eu dedico a todos aqueles que lutaram contra mim no
ano passado e me machucaram muito. Este ano, está aí
a demonstração para eles de quem é o campeão."
"Eu
nunca considero a possibilidade de um acidente."
"Eu
estou em paz comigo mesmo."
"Ele
(Prost), em ocasiões diversas no passado, agiu de forma tal
que não mereceu uma vitória. E nada aconteceu e nada
se disse. Hoje (ontem), ele perdeu e quando ele perde é sempre
assim. Ele sempre reclama. Esse é o caráter do Prost."
"Quando
chegou a primeira curva, tinha um espaço e eu entrei. Ele
(Prost) fechou a porta e bateu. Não consegui evitar. Se fosse
ao contrário, com certeza a corrida não teria acabado
ali."
"Vencer
o campeonato inferiorizado tecnicamente tem um sabor especial."
"Consegui
tantas coisas boas diante das dificuldades, que eu tenho que simplesmente
agradecer a Deus por tudo isso."
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Ferraristas
vêem em Senna o 'novo Villeneuve' |
Ayrton
Senna deverá ser mesmo o primeiro piloto da equipe Ferrari
em 92. O namoro do mais novo bicampeão da F-1 com os italianos
começou no último mês de junho e tem tudo para
acabar em casamento. A história Senna/Ferrari deixou de ser
conto de fadas. Assumiu ares de literatura moderna com a crônica
de uma contratação anunciada.
Alguns dos grandes movimentos do mercado de pilotos e equipes da F-1
são resultados de um acordo fechado com meses de antecedência.
Foi assim que Gerhard Berger aportou na McLaren no ano passado. Um
ano antes, o austríaco tinha sido visto no Brasil em atitude
suspeita conversando com Ron Dennis. O encontro aconteceu atrás
dos boxes no autódromo de Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
A contratação de Senna faz parte do projeto da Ferrari
de ter a melhor equipe do mundo. Ela só não aconteceu
esse ano porque a fábrica italiana não estava preparada
para um piloto tão receptivo à idéia de deixar
a McLaren. Os italianos hesitaram e Senna se fechou. A cúpula
da Fiat, dona da equipe italiana, encarregou Cesare Fiorio dessa missão.
O plano é ter na Itália os dois melhores pilotos do
mundo. Melhores ao gosto dos italianos eternos amantes do Gilles Villeneuve.
Para a torcida da Ferrari, não basta ser vencedor, tem que
ser rápido, agressivo e brilhante.
Em um ano de trabalho, Fiorio já conseguiu o passe de Jean
Alesi, o "futuro Senna", e montou uma estrutura que quase
deu a Alain Prost o seu quarto título. Falta agora o rei das
poles. O homem mais rápido da F-1. Um ídolo que Nigel
Mansell não conseguiu ser completamente porque erra muito.
Prost, apesar de vencedor, também está longe do coração
da torcida "rossa". Na Itália, o bom piloto ganha
corridas com o coração no lugar do cérebro e
com a alma no acelerador. Senna é o sonho da Ferrari porque
o "avocato" Gianni Agnelli, patrão da Fiat, acha
que o brasileiro é o melhor. Fiorio, um executivo de carreira
dentro da empresa, sabe muito bem que em certos casos a vontade do
"capo" é a vontade de Deus.
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Balestre
diz na TV francesa que não tem poder para punir Senna |
O que
mais falta na transmissão brasileira das corridas de F-1 sobra
no trabalho da TV francesa: reportagem. O trabalho da rede TF1 amplia
o espetáculo que o telespectador vê na pista. Não
fossem os três intervalos para publicidade, dois de 30s e um
de 1min, a transmissão mereceria uma nota superior a nove.
Mesmo com os anúncios, o público da França teve
no último GP do Japão uma excelente cobertura com direito
a ouvir ao vivo, por telefone, o presidente da Fisa, Jean-Marie Balestre,
que ligou para a TF1 a pedido dos locutores e deu sua opinião
sobre a corrida. A TF1 perguntou a Balestre se ele faria algo contra
Senna. O presidente da Fisa respondeu que "tem menos poder do
que a imprensa imagina".
O esquema montado pela TV francesa para o GP japonês envolvia
diretamente cinco pessoas. Direto do autódromo falavam o locutor
Jean Louis Moncet e o comentarista Johnny Rives, do jornal "L'Équipe".
Em Paris, o ex-piloto Jacques Laffite. Dos boxes, falava o repórter
Pierre Van Vliet. O destaque do time é Rives, um dos mais antigos
jornalistas especializados em F-1.
A presença de um repórter no boxe resolve um problema
crônico das transmissões brasileiras: a falta de informação
quente. Vliet ouviu e fez os telespectadores ouvirem Ayrton Senna
logo após o acidente; Alain Prost, assim que o francês
deixou o motor-home da Ferrari; E Nigel Mansell, quando o inglês
ainda estava encostado na mureta do boxe.
Durante a transmissão não houve nenhuma patriotada em
favor de Prost. Pelo contrário, quando Balestre insinuou que
Ayrton seria culpado pela batida, Rives fez questão de se colocar
como "advogado do brasileiro" e Laffite disse que não
era possível determinar o culpado. |
Piloto
passou de prodígio a obstinado na F-1 |
A notícia
da morte de Ayrton Senna foi recebida com muito abalo pelos familiares
do piloto brasileiro. No momento do acidente, a mãe, Neide,
e o pai, Milton, estavam na fazenda da família, em Tatuí
(135 km a oeste de São Paulo).
Imediatamente após o acidente, a mãe de Senna decidiu
voltar para a residência da família em São Paulo,
onde chegou às 12h10.
O carro que a trouxe de Tatuí, um Omega vinho, entrou rapidamente
na garagem do edifício onde moram os pais do piloto, no bairro
do Pacaembu (zona oeste da cidade). Dona Neide aparentava estar muito
nervosa.
Charles Mazanasco, um dos assessores de imprensa de Senna, falou em
nome da família. "Todos estão muito chocados com
a morte do piloto", disse.
Segundo ele, além da mãe, estavam no apartamento a irmã
de Ayrton, Viviane, e seu marido, Flávio, além de um
primo do piloto, Fábio Machado, que vai tratar da documentação
necessária para o enterro do piloto brasileiro.
O pai de Senna, Milton Silva, decidiu permanecer na fazenda em Tatuí
e só deve vir hoje para São Paulo. Segundo o médico
Paulo Borges, que o examinou, Milton estava com um quadro clínico
normal.
Borges disse que o pai de Senna ficou deprimido e resolveu esperar
um pouco antes de voltar para São Paulo. "Ele estava como
um pai ficaria numa situação dessas", afirmou o
médico.
O irmão de Senna, Leonardo, está em Bolonha acertando
o traslado do corpo do piloto, que ontem já havia sido liberado
pelo Instituto Médico Legal local.
O porta-voz da família, Charles Mazanasco, não soube
precisar quando o corpo chega ao Brasil para o velório. |
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