SENNA BATE COM PROST NA 1ª CURVA E É BICAMPEÃO DA F-1



Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 1990

O brasileiro Ayrton Senna, da McLaren/Honda, conquistou ontem no autódromo de Suzuka, no Japão, o título de campeão mundial da F-1 da temporada de 1990. Ele precisou de apenas 9s28 para chegar ao bicampeonato - já havia sido campeão em 1988, no mesmo circuito. Na primeira curva após a largada, ele e o francês Alain Prost, da Ferrari, único em condições de disputar o título, se envolveram em um acidente que os tirou da prova. Senna largou mal e forçou a ultrapassagem no final da reta dos boxes; Prost tentou impedi-lo e bateu com a roda traseira de sua Ferrari no bico do carro do brasileiro. Mesmo que vença o GP da Austrália, no próximo dia 4 em Adelaide, Prost, que tem 69 pontos, não pode mais alcançar os 78 de Senna. Pelo regulamento, ele teria que descartar dois pontos (dos nove dados ao vencedor) e chegaria no máximo a 76.

Senna
Os dois duelistas da Fórmula 1, Alain Prost e Ayrton Senna, gastaram menos de 10s para decidir o título da temporada. Senna ganhou. "GP do Japão 2 - A revanche", esse pode ser o nome da parábola que ensina como o brasileiro ganhou seu segundo Mundial. Foi o título da naturalidade conquistado na corrida da decepção. O último ato da temporada 90 da F-1 acabou sendo tão curto que os protagonistas ficaram sem o merecido aplauso. Não deu tempo nem para vaiar uma batida digna de principiantes. Sorte do público presente no autódromo de Suzuka que a F-1 tem pilotos como Nélson Piquet, Roberto Moreno e Aguri Suzuki. O pastelão dos favoritos foi salvo pela competência dos pilotos da Bennetton e pela raça do japonês.
Senna e Prost transformaram o GP mais longo da temporada, 310,527 km, numa prova de arrancada que não durou 500 m. O brasileiro perdeu o pique na largada mas aproveitou-se da potência do motor Honda para dar o troca ainda antes da primeira curva. Um pequeno desvio para a direita, do então líder Prost, abriu-lhe a porta. Tão rápido como criou a oportunidade, Alain fechou o ângulo. Só que Senna já estava com o bico do carro na zona de perigo. Nota-se pela TV que o brasileiro ainda tentou tirar o corpo passando por cima da zebra. Só na hora de frear é que Senna lavou as mãos. Deixa bater, deve ter pensado.
Nem em seus sonhos mais raivosos de vingança Senna poderia ter imaginado uma cena tão favorável a uma revanche. Numa situação de disputa de título como a que aconteceu no Japão, é injusto tentar achar um culpado para a batida. Prost, encarnando o papel de vítima, puxa o coro das lamentações. "Não esperava que Senna fosse capaz de uma manobra dessas. Não sei como ele pode guiar assim. Ele viu que tinha perdido a corrida na largada e aí forçou passagem numa hora impossível", disse. O francês chamou Senna de "fanático" e "iluminado". O brasileiro reagiu com simplicidade aos ataques do derrotado francês. "No ano passado eu perdi o título numa batida. Esse ano ganhei. A única diferença é que foi no começo da prova", falou.
Em um dia de trovão, a Ferrari reclamou que a F-1 está virando corrida de Stock Car. O chefe da equipe italiana, Cesare Fiorio, só se esqueceu de lembrar que seu segundo piloto, Nigel Mansell, perdeu a corrida por ter se comportado como um piloto de "Dragster". O inglês estragou a que deve ter sido a troca de pneus mais rápida do mundo, 5s87, acelerando antes da hora. Quando os mecânicos puseram a sua máquina no chão, a transmissão, que não é de ferro, arrebentou. O presidente da Fisa, Jean-Marie Balestre, classificou o espetáculo de muito triste. Ele defende a tese de interrupção da prova para uma nova largada. Diz que era a única maneira de se "preservar o esporte". Mas, no momento, estão descartadas eventuais punições ao brasileiro. Ayrton pode comemorar em paz seu segundo título.

Emoção do GP do Japão dura apenas 9s28
Durou apenas 9s28 a emoção no GP do Japão, disputado ontem no circuito de Suzuka. Logo depois do acidente envolvendo Ayrton Senna (McLaren/Honda) e Alain Prost (Ferrari), que tirou os dois pilotos da corrida e deu o bicampeonato ao brasileiro, a 15ª etapa desta temporada foi monótona até o seu final.
Contribuíram também para aumentar o desinteresse as saídas de Gerhard Berger (McLaren/Honda) e de Nigel Mansell (Ferrari), que abandonaram a prova nas voltas número 2 e 26, respectivamente. Ou seja, nenhum dos quatro carros mais potentes da temporada terminaram a corrida. Foi a primeira vez que isso aconteceu neste campeonato. Com o terreno livre, os pilotos brasileiros Nélson Piquet e Roberto Pupo Moreno (ambos da Benetton/Ford) acabaram fazendo uma dobradinha para ficar com o primeiro e o segundo lugar. Em terceiro ficou o japonês Aguri Suzuki (Larrousse/Lamborghini).
Tanto Piquet como Moreno não fizeram ultrapassagens depois da largada. Apenas mantiveram o ritmo e subiram de posição com as saídas de Berger e Mansell. Piquet reconheceu que teria dificuldades se Nigel Mansell retornasse à pista após sua troca de pneus - o inglês teve problemas na caixa de câmbio de sua Ferrari e nem conseguiu andar com os pneus novos. "Se ele voltasse, teria problemas para me manter à frente. A diferença de motor é muito grande", afirmou.
Embora Piquet estivesse sem vencer um GP há três anos - o último foi na Itália, em 87 -, a vitória de ontem pode ser considerada normal para um piloto com sua experiência de tricampeão mundial da categoria (81, 83 e 87). A surpresa ficou por conta de Roberto Moreno em segundo e Aguri Suzuki em terceiro. Os dois subiram pela primeira vez na vida ao pódio.
"O carro esteve perfeito. Estou muito satisfeito e aproveito a oportunidade para reafirmar que vou correr na mesma equipe no ano que vem", disse o japonês Suzuki depois da corrida. Ele largou na nona posição e, com o terceiro lugar, marcou quatro pontos: exatamente o dobro do que havia obtido durante todo o campeonato. Com essa vitória, Suzuki firma-se como o piloto mais promissor do Japão.
Em quarto e em quinto lugares ficaram os pilotos da Williams/Renault, respectivamente o italiano Ricardo Patrese e o belga Thierry Boutsen. Os dois pararam para trocar pneus. Aí perderam terreno para as Benetton, que seguiram a corrida toda sem fazer paradas nos boxes. Piquet e Moreno optaram por correr com um pneu com composto mais duro, apostando no equilíbrio de seus Benetton.
Apenas dez carros terminaram a corrida de ontem. No início, haviam 25 no grid. O francês Jean Alesi (Tyrell/Ford), que será o companheiro de Alain Prost na Ferrari em 1991, desistiu de correr por causa de uma torção no pescoço, resultado de um acidente nos treinos classificatórios de sexta-feira.
Além do choque entre Senna e Prost, outros dois pilotos bateram seus carros: Stefano Modena (Brabham/Judd) e Philipe Alliot (Ligier/Ford). Modena ainda continuou na prova, mas Alliot saiu na primeira volta.
Com os resultados de ontem, diminui o interesse pelo Grande Prêmio da Austrália, no circuito de rua de Adelaide no dia 4 de novembro. Senna já é bicampeão. A única disputa que resta é pelo terceiro lugar no Mundial. Alain Prost não pode mais ser alcançado na segunda colocação. Quatro pilotos ainda têm chances de disputar a terceira colocação: Gerhard Berger (que tem 40 pontos), Nélson Piquet (35), Thierry Boutsen (32) e Nigel Mansell (31).
O presidente Fernando Collor de Mello, que está em visita oficial a Portugal, enviou três telegramas para Suzuka felicitando Senna pelo bicampeonato e Piquet e Moreno pelo resultado da prova.
Prost se acha vítima da estratégia da McLaren
O tricampeão mundial de Fórmula 1 Alain Prost disse ontem que Ayrton Senna provocou o acidente entre os dois pilotos no início da primeira volta do GP do Japão. "Ele (Senna) fez eu perder a corrida na largada porque se eu ficasse à frente ele não me alcançaria mais", disse o francês.
Muito irritado, Prost não queria dar declarações. "Se não fosse pela equipe, eu não falaria", disse. Recebeu apenas um pequeno grupo de jornalistas dentro da sala de reuniões da Ferrari, montada atrás do box em Suzuka.
Logo no início foi indagado sobre sua versão para o acidente com Senna. "Não existem duas versões sobre o acidente. Existe apenas uma realidade", disse. Estava convencido de que tudo foi uma estratégia da McLaren/Honda para eliminar a possibilidade de ele conquistar um eventual tetra.
"Eu fiz uma boa largada. Tinha um carro de vantagem. Eu nunca esperei que ele (Senna) tivesse uma atitude tão antiesportiva", afirmou. Para Prost, Senna poderia ter evitado o choque.
Durante a entrevista foi mencionado o GP do Japão do ano passado, quando ele e Senna também tiveram um choque e o brasileiro acabou desclassificado. A pergunta para Prost foi se ele considerava o acidente uma revanche por parte de Senna. O francês respondeu o seguinte: "No ano passado foi totalmente diferente. Ele tinha 15 pontos de desvantagem". Foi nessa hora que sua acusação a Senna foi mais direta: "Fazer isso hoje era muito perigoso, sobretudo nessa curva. E ele fez isso deliberadamente".
"Minha desilusão é muito grande", suspirou um momento. Um pouco depois, disse: "É preciso que a Fisa verifique o regulamento, porque e Fórmula 1 desse jeito não tem mais graça para mim".
Mais indignado que o piloto estava o diretor esportivo da Ferrari, Cesare Fiorio. Alterado e quase chorando após o acidente, ele gritava "é um escândalo, é um escândalo". Argumentava que a direção da prova deveria ter interrompido a corrida. "Foi assim em Portugal", disse.
Na realidade, em Portugal a área de escape onde um carro ficou estacionado ao sair da pista era menor. Além disso, o piloto Alex Caffi, da Arrows, havia ficado preso no carro.
Ontem, em Suzuka, a McLaren e a Ferrari ficaram em uma área distante da pista - pelo menos a uma distância que não causaria problemas, pois era de areia e os carros tendem a não andar nesse tipo de terreno. Finalmente, os dois pilotos não se machucaram ou ficaram presos aos carros.
A primeira intenção da Ferrari foi a de tentar alguma solução legal para o caso. Logo concluíram que nada poderia ser feito. Senna também havia ficado fora e não poderia sequer ser desclassificado. Também não é possível provar uma eventual intenção do brasileiro de provocar o acidente. Fiorio, um pouco mais consolado, ao final do dia olhava para um monitor de TV com os resultados finais do GP. "Não dá para apelar à Fisa. A prova acabou", disse.
'Dedico o título a todos que lutaram contra mim'
Ayrton Senna da Silva, o mais novo bicampeão mundial de Fórmula 1, nega qualquer intenção de causar o acidente que acabou lhe valendo o título desta temporada. Está em uma posição confortável. Nada se pode provar contra ele. Fez o papel de vítima no sábado, quando se disse prejudicado pela Fisa. Havia pedido para largar do lado esquerdo da pista; O pedido foi recusado pelos organizadores do GP.
Quando soube das críticas de seu rival Alain Prost, deixou claro que seus sentimentos pelo francês não são nada nobres: "Em ocasiões no passado, (ele) agiu de forma tal que não merecia a vitória. E nada aconteceu. Quando ele perde é sempre assim. Ele reclama. Esse é o caráter do Prost", argumenta Senna.
Senna estava tenso, mas muito menos do que nas horas que antecederam a largada do GP. Enquanto caminhava para os boxes às 10h20, disse que "com a Fisa não tem discussão" e que "o interesse deles é outro", referindo-se ao lado que teria que começar a prova. Quando foi indagado sobre se esse tipo de interesse da Fisa, no seu entender, era para favorecer Prost, o brasileiro disse que não queria responder. Diante da insistência do repórter, disse: "Acho melhor você parar de perguntar se não vai ser pior". Falou alto, parou de caminhar e cerrou os punhos. Quando o repórter insistiu mais uma vez no assunto, Senna saiu do local apressadamente, quase correndo.
Sobre o acidente, disse apenas que ia fazer a primeira curva quando Prost "fechou a porta". Para Senna, "não deu para evitar". O piloto passou a tarde toda falando com jornalistas em Suzuka. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida pelo bicampeão:

Pergunta — Ontem (anteontem) você repetiu algumas vezes que poderia se tornar o campeão até antes do final da prova; Você previa ou tinha em mente o acidente que acabou ocorrendo hoje (ontem)?
Senna — Eu disse aquilo porque, teoricamente, se Prost não terminasse a corrida por alguma razão - mecânica, por exemplo -, eu seria campeão automaticamente.
Pergunta — Mas a sua equipe considerou a possibilidade desse acidente como uma tática? Ou seja, de um choque entre os dois carros na largada resolveria a situação?
Senna — Eu nunca considero a possibilidade de um acidente, porque não dá para prever o que acontece em um acidente.
Pergunta — Como você está se sentindo?
Senna — Eu estou em paz comigo mesmo.
Pergunta — O que você sentiu na hora do acidente?
Senna — Nada. A minha reação foi voltar direto para os boxes, pois poderia haver uma nova largada. Desde que não existia ninguém machucado ali, essa foi a minha reação instantânea. Depois de umas duas ou três voltas, a corrida teve continuidade, o campeonato estava automaticamente decidido.
Pergunta — Prost disse que não vê mais graça na Fórmula 1 sem moralidade. O que você acha?
Senna — É muito normal que ele diga isso. É muito normal, vindo de uma pessoa com o caráter que ele tem. Ele, em ocasiões diversas no passado, agiu de forma tal que não mereceu uma vitória. E nada aconteceu e nada se disse. Hoje (ontem), ele perdeu e quando ele perde é sempre assim. Ele sempre reclama e diz que está errado, que foi prejudicado e assim por diante. Esse é o caráter do Prost. Não existe nenhuma surpresa com isso.
Pergunta — É desagradável ser campeão sem ter ido para o pódio hoje?
Senna — Eu fui para o pódio mais vezes do que qualquer outro piloto nesta temporada.
Pergunta — Como você reagiu à decisão da Fisa, que recusou seu pedido para largar do lado esquerdo?
Senna — Eu fiquei muito contrariado com a decisão da Fisa de colocar uma pole position em um lugar não-correto na largada. Porque foi uma luta tremenda para conseguir e, depois que você consegue uma performance tal, é muito frustrante se encontrar num lugar pior da pista. Embora eu não pudesse fazer nada, como sempre, porque eles decidem tudo o que querem.
Pergunta — Isso prejudicou a largada?
Senna — Eu sabia que a largada seria dificílima. Para conseguir pular na frente. E foi o que aconteceu. O resultado da corrida acabou sendo indiretamente decidido pela posição de largada.
Pergunta — Como assim?
Senna — Se eu tivesse do lado externo da pista, com certeza teria feito uma largada melhor, teria pulado na frente, com certeza, com menor possibilidade de acidente na primeira curva - porque eu tenho um motor de aceleração em largada. Infelizmente eles me colocaram do lado pior. Eu perdi no pulo, no farol verde. Aí, depois comecei a ganhar terreno na aceleração, até a primeira curva. Quando chegou a primeira curva, tinha um espaço e eu entrei. Ele (Prost) fechou a porta e bateu. Não consegui evitar. Se fosse ao contrário, com certeza a corrida não teria acabado ali.
Pergunta — Que tipo de argumentação a Fisa utilizou para recusar seu pedido?
Senna — A argumentação é que eles consideravam que não era o melhor lugar do lado externo. Na verdade, eu acho que a pressão era muito grande. Qualquer modificação, qualquer decisão implicava talvez na decisão do campeonato. E eles não quiseram assumir uma responsabilidade tão grande de mudar o grid de largada. Deixando, então, à sorte. Na verdade acabou funcionando contra a decisão.
Pergunta — A Ferrari argumentou hoje que o regulamento foi decidido no início da temporada, com o consenso de todos os pilotos, inclusive o lado dos pole positions. Foi assim?
Senna — Não é verdade. Este ano foi mudada a posição.
Pergunta — Foi política, então, a decisão da Fisa?
Senna — Eu não tenho nenhum comentário a fazer sobre isso. Infelizmente, aconteceu o que aconteceu. Corrida é assim: algumas você ganha e algumas você perde. Essa foi boa (para mim).
Pergunta — Foi tentada alguma coisa hoje?
Senna — Foi, até o último momento. Mas eles se recusaram a aceitar a modificação.
Pergunta — Apesar da conquista do campeonato, você e sua equipe pretendem fazer algum protesto junto a Fisa?
Senna — Não. Não adianta nada. A decisão dos comissários é sempre final. Já tenho experiências no passado, quando eles tomaram decisões baseadas na interpretação deles mesmos.
Pergunta — Onde foi mudada a posição de largada este ano?
Senna — Mudou no México, no Brasil, em Portugal e na Alemanha. No ano passado, mudou no Canadá. Quer dizer, desde que você chegue antes de começar o treino na sexta-feira, quando não se sabe quem vai estar na pole, explica a situação e decide-se qual é o melhor lugar da largada. É a maneira correta e justa de se trabalhar. É assim que foi feito este ano em todas as outras oportunidades.
Pergunta — Quando você fez a solicitação?
Senna — Na quarta-feira à noite eu falei com os responsáveis a respeito.
Pergunta — O diretor de equipe da Ferrari disse que foi um "escândalo" os fiscais de pistas não terem interrompido a prova depois do seu acidente com Prost. Você concorda?
Senna — É lógico que eles vão dizer isso. Se eles parassem a corrida no início haveria uma nova largada - e com o resultado dessa forma eles perderam o campeonato. Mas a pista não estava perigosa; não havia nenhum carro na pista e não tinha razão nenhuma de parar.
Pergunta — Logo depois do acidente, no local onde ficaram os carros, você disse alguma coisa para Alain Prost ou ele para você?
Senna — Não. Nada, absolutamente.
Pergunta — A quem você dedica este título?
Senna — Este título eu dedico a todos aqueles que lutaram contra mim no ano passado e me machucaram muito. Este ano, está aí a demonstração para eles de quem é o campeão.
Pergunta — Qual a diferença entre os dois títulos que você obteve, os dois por coincidência em Suzuka?
Senna — O primeiro título foi uma luta incrível, uma corrida tremenda. Na largada eu quase perdi tudo aqui em Suzuka. Hoje, de novo aqui, foi uma situação que refletiu o trabalho de todo ano. O ano em que eu venci o maior número de GPs e tive os melhores resultados e fui mais constante. Isso tudo refletiu no resultado de hoje, sobretudo porque a gente não tinha um carro tão competitivo como a Ferrari.
Pergunta — Quais foram os problemas este ano?
Senna — A gente teve dificuldades de motor no início deste ano. Depois a Honda retificou os problemas, mas o carro deixou alguns problemas crônicos durante toda a temporada. Mesmo assim, nos momentos críticos, que foram em Hockenheim, Hungria, Bélgica e Monza, eu consegui vitórias e resultados que puderam assegurar o campeonato. Vencer o campeonato inferiorizado tecnicamente tem um sabor muito especial, o que não era o caso de 88 - quando eram os dois carros iguais.
Pergunta — O que você vai fazer agora até o próximo Grande Prêmio, na Austrália?
Senna — Relax, relax. Recuperar-me do stress desse ano ao máximo para poder dar a última gota de combustível na Austrália. Antes de eu poder definitivamente me recuperar totalmente para o ano que vem.
Pergunta — O que você tem a dizer para os seus fãs?
Senna — Eu queria que todos aqueles que torcem por mim, que torceram o ano inteiro, tivessem mais uma hora e meia, duas horas de emoção, fortes emoções e que a gente vencesse o Grande Prêmio do Japão. Mas não foi possível.
Pergunta — Como foi essa temporada, na sua avaliação?
Senna — Eu consegui tudo o que eu queria. Consegui meu recorde de pole positions. Eu queria chegar a 50 e ultrapassei. Eu consegui a vitória no campeonato, dar a volta por cima. Eu consegui o meu melhor contrato até hoje e me manter na melhor equipe de Fórmula 1. Consegui tantas coisas que eu tenho que simplesmente agradecer a Deus por tudo isso.

Frases
"Este título eu dedico a todos aqueles que lutaram contra mim no ano passado e me machucaram muito. Este ano, está aí a demonstração para eles de quem é o campeão."

"Eu nunca considero a possibilidade de um acidente."

"Eu estou em paz comigo mesmo."

"Ele (Prost), em ocasiões diversas no passado, agiu de forma tal que não mereceu uma vitória. E nada aconteceu e nada se disse. Hoje (ontem), ele perdeu e quando ele perde é sempre assim. Ele sempre reclama. Esse é o caráter do Prost."

"Quando chegou a primeira curva, tinha um espaço e eu entrei. Ele (Prost) fechou a porta e bateu. Não consegui evitar. Se fosse ao contrário, com certeza a corrida não teria acabado ali."

"Vencer o campeonato inferiorizado tecnicamente tem um sabor especial."

"Consegui tantas coisas boas diante das dificuldades, que eu tenho que simplesmente agradecer a Deus por tudo isso."

Ferraristas vêem em Senna o 'novo Villeneuve'
Ayrton Senna deverá ser mesmo o primeiro piloto da equipe Ferrari em 92. O namoro do mais novo bicampeão da F-1 com os italianos começou no último mês de junho e tem tudo para acabar em casamento. A história Senna/Ferrari deixou de ser conto de fadas. Assumiu ares de literatura moderna com a crônica de uma contratação anunciada.
Alguns dos grandes movimentos do mercado de pilotos e equipes da F-1 são resultados de um acordo fechado com meses de antecedência. Foi assim que Gerhard Berger aportou na McLaren no ano passado. Um ano antes, o austríaco tinha sido visto no Brasil em atitude suspeita conversando com Ron Dennis. O encontro aconteceu atrás dos boxes no autódromo de Jacarepaguá, Rio de Janeiro.
A contratação de Senna faz parte do projeto da Ferrari de ter a melhor equipe do mundo. Ela só não aconteceu esse ano porque a fábrica italiana não estava preparada para um piloto tão receptivo à idéia de deixar a McLaren. Os italianos hesitaram e Senna se fechou. A cúpula da Fiat, dona da equipe italiana, encarregou Cesare Fiorio dessa missão. O plano é ter na Itália os dois melhores pilotos do mundo. Melhores ao gosto dos italianos eternos amantes do Gilles Villeneuve. Para a torcida da Ferrari, não basta ser vencedor, tem que ser rápido, agressivo e brilhante.
Em um ano de trabalho, Fiorio já conseguiu o passe de Jean Alesi, o "futuro Senna", e montou uma estrutura que quase deu a Alain Prost o seu quarto título. Falta agora o rei das poles. O homem mais rápido da F-1. Um ídolo que Nigel Mansell não conseguiu ser completamente porque erra muito. Prost, apesar de vencedor, também está longe do coração da torcida "rossa". Na Itália, o bom piloto ganha corridas com o coração no lugar do cérebro e com a alma no acelerador. Senna é o sonho da Ferrari porque o "avocato" Gianni Agnelli, patrão da Fiat, acha que o brasileiro é o melhor. Fiorio, um executivo de carreira dentro da empresa, sabe muito bem que em certos casos a vontade do "capo" é a vontade de Deus.
Balestre diz na TV francesa que não tem poder para punir Senna
O que mais falta na transmissão brasileira das corridas de F-1 sobra no trabalho da TV francesa: reportagem. O trabalho da rede TF1 amplia o espetáculo que o telespectador vê na pista. Não fossem os três intervalos para publicidade, dois de 30s e um de 1min, a transmissão mereceria uma nota superior a nove.
Mesmo com os anúncios, o público da França teve no último GP do Japão uma excelente cobertura com direito a ouvir ao vivo, por telefone, o presidente da Fisa, Jean-Marie Balestre, que ligou para a TF1 a pedido dos locutores e deu sua opinião sobre a corrida. A TF1 perguntou a Balestre se ele faria algo contra Senna. O presidente da Fisa respondeu que "tem menos poder do que a imprensa imagina".
O esquema montado pela TV francesa para o GP japonês envolvia diretamente cinco pessoas. Direto do autódromo falavam o locutor Jean Louis Moncet e o comentarista Johnny Rives, do jornal "L'Équipe". Em Paris, o ex-piloto Jacques Laffite. Dos boxes, falava o repórter Pierre Van Vliet. O destaque do time é Rives, um dos mais antigos jornalistas especializados em F-1.
A presença de um repórter no boxe resolve um problema crônico das transmissões brasileiras: a falta de informação quente. Vliet ouviu e fez os telespectadores ouvirem Ayrton Senna logo após o acidente; Alain Prost, assim que o francês deixou o motor-home da Ferrari; E Nigel Mansell, quando o inglês ainda estava encostado na mureta do boxe.
Durante a transmissão não houve nenhuma patriotada em favor de Prost. Pelo contrário, quando Balestre insinuou que Ayrton seria culpado pela batida, Rives fez questão de se colocar como "advogado do brasileiro" e Laffite disse que não era possível determinar o culpado.
Piloto passou de prodígio a obstinado na F-1
A notícia da morte de Ayrton Senna foi recebida com muito abalo pelos familiares do piloto brasileiro. No momento do acidente, a mãe, Neide, e o pai, Milton, estavam na fazenda da família, em Tatuí (135 km a oeste de São Paulo).
Imediatamente após o acidente, a mãe de Senna decidiu voltar para a residência da família em São Paulo, onde chegou às 12h10.
O carro que a trouxe de Tatuí, um Omega vinho, entrou rapidamente na garagem do edifício onde moram os pais do piloto, no bairro do Pacaembu (zona oeste da cidade). Dona Neide aparentava estar muito nervosa.
Charles Mazanasco, um dos assessores de imprensa de Senna, falou em nome da família. "Todos estão muito chocados com a morte do piloto", disse.
Segundo ele, além da mãe, estavam no apartamento a irmã de Ayrton, Viviane, e seu marido, Flávio, além de um primo do piloto, Fábio Machado, que vai tratar da documentação necessária para o enterro do piloto brasileiro.
O pai de Senna, Milton Silva, decidiu permanecer na fazenda em Tatuí e só deve vir hoje para São Paulo. Segundo o médico Paulo Borges, que o examinou, Milton estava com um quadro clínico normal.
Borges disse que o pai de Senna ficou deprimido e resolveu esperar um pouco antes de voltar para São Paulo. "Ele estava como um pai ficaria numa situação dessas", afirmou o médico.
O irmão de Senna, Leonardo, está em Bolonha acertando o traslado do corpo do piloto, que ontem já havia sido liberado pelo Instituto Médico Legal local.
O porta-voz da família, Charles Mazanasco, não soube precisar quando o corpo chega ao Brasil para o velório.

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