ACIDENTE MATA AYRTON SENNA


Tricampeão da Fórmula 1bateu a quase 300 km/h em Imola
Corpo do piloto deve ser embarcado hoje para o Brasil


Publicado na Folha de S.Paulo, segunda-feira, 02 de maio de 1994

O tricampeão mundial de Fórmula 1 Ayrton Senna morreu ontem aos 34 anos após sofrer acidente em Imola (Itália). O piloto brasileiro largou na frente e liderava o Grande Prêmio de San Marino quando, na sétima volta, perdeu o controle do carro, possivelmente devido à falha na suspensão. O Williams/Renault bateu contra o muro na curva Tamburello a quase 300 km/h.
Inconsciente, Senna foi retirado dos destroços e recebeu atendimento de emergência estendido na pista. Foi levado de helicóptero ao hospital Maggiore (Bolonha). Tinha traumatismo craniano múltiplo e lesões cerebrais graves. Senna morreu às 13h42 (horário de Brasília, 18h42 locais).
Na sexta, o brasileiro Rubens Barrichello bateu em Imola. No sábado, Roland Ratzenberger sofreu acidente fatal. Ontem, uma batida invalidou a primeira largada. Após o acidente com o piloto brasileiro, quatro mecânicos foram atropelados. A prova foi vencida por Michael Schumacher (Benetton), que dispara na liderança do campeonato. O piloto alemão disse que quer uma cruzada por mais segurança na F-1.
Ayrton Senna da Silva foi o maior esportista brasileiro desde Pelé. Paulistano, solteiro, chegou à F-1 em 84 depois de acumular nove títulos nas categorias inferiores.
Fez 65 poles e venceu 41 provas. Foi campeão em 88, 90 e 91 pela McLaren. O presidente Itamar Franco divulgou nota em que se solidarizou com os pais de Senna "nesta hora em que todos nós perdemos um ídolo e eles perdem o filho". O presidente decretou luto oficial em todo o país. O corpo do piloto deve embarcar para o Brasil hoje. Leia a cobertura no caderno Senna.

Morre aos 34 anos Ayrton Senna, tricampeão mundial de Fórmula 1
O brasileiro Ayrton Senna da Silva, 34, piloto profissional de Fórmula 1, morreu ontem em Bolonha, Itália, em conseqüência de um acidente sofrido na sétima volta do Grande Prêmio de San Marino, terceira etapa do Campeonato Mundial.
Senna bateu seu Williams a quase 300 km/h na curva Tamburello, a primeira do circuito de Imola, às 14h13 locais (9h13 de Brasília). Foi levado ao hospital Maggiore, a 35 km do circuito, de helicóptero.
Na batida, Senna sofreu fraturas múltiplas na base do crânio. No trajeto para o hospital, teve uma parada cardíaca. Às 15h50, seu estado era de coma profundo.
O piloto apresentava hemorragias internas e respirava por aparelhos.
Recebeu uma transfusão de 4,5 litros de sangue, na tentativa de reativar a circulação.
O anúncio da morte foi feito às 18h42 locais pela médica Maria Tereza Fandri, responsável pelo setor de reanimação do hospital Maggiore.
Pouco antes cessara a atividade cerebral de Senna, apesar de seus sinais vitais ainda serem mantidos artificialmente.
O acidente foi causado, provavelmente, por uma quebra na suspensão traseira de seu carro. O equipamento é responsável por manter a aderência do carro ao asfalto.
A Williams não fez nenhum comunicado oficial sobre as razões da perda de controle da máquina.
Ayrton morreu um dia depois do austríaco Roland Ratzenberger, da equipe Simtek, na mesma pista.
O fim-de-semana de Imola teve ainda um grave acidente com o brasileiro Rubens Barrichello, da Jordan, na sexta-feira, e dez feridos, entre espectadores e mecânicos.
Ayrton Senna da Silva era tricampeão mundial de Fórmula 1, recordista de pole positions na categoria e segundo maior vencedor de corridas da história.
Havia começado mal uma temporada na qual era considerado o favorito ao título.
Nas duas primeiras provas do ano, foi derrotado pelo alemão Michael Schumacher, da Benetton -que também venceu a corrida de ontem. O alemão não chegou a comemorar a vitória no pódio por causa do acidente com Senna.
O corpo do piloto brasileiro deve ser embarcado hoje para o Brasil.

Médico critica demora no atendimento
Rapidez no socorro é fundamental para evitar lesões no cérebro; tempo máximo tolerado é de 3 a 4 minutos

Da Reportagem Local

A demora da chegada da equipe de atendimento ao local do acidente (1min40s) foi classificada como "aflitiva" pelo médico Ailton Beraldo, 40, superintendente da Unicór.
Ele é um dos responsáveis pelo serviço médico e de resgate no GP Brasil de Fórmula 1.
Embora se abstenha de fazer uma crítica direta, sem ter maiores detalhes da operação realizada, Beraldo admite que houve lentidão na chegada da equipe médica.
Neste ano, durante exercício de simulação de resgate realizado em Interlagos, o "medical car" (ambulância equipada com instrumentos para pequenas cirurgias) demorou 12 segundos para atingir o ponto do "acidente".
Segundo ele, a chegada rápida é fundamental para evitar lesões no cérebro, especialmente nos casos em que o piloto sofre problemas de respiração.
"Há um tempo essencial, de três a quatro minutos, para que haja oxigenação do cérebro. Caso contrário, as lesões tornam-se irreversíveis", afirmou.
Com a falta de oxigênio, as células do cérebro morrem, sem nenhuma condição de reconstituição ou reabilitação. O cérebro é o órgão responsável pelos comandos vitais do organismo, como, por exemplo, o sistema de respiração.
A equipe médica que socorreu Senna não realizou a traqueostomia até 3min30s depois do acidente. Além de demorar 1min40s para chegar, a equipe perdeu outros 2min nos primeiros socorros e remoção de Ayrton Senna do interior do carro.
Segundo Beraldo, é preciso ter maiores detalhes da localização no circuito de Imola das barracas de atendimento e das ambulâncias, além do "medical car".
Em Interlagos, a Unicór utilizou oito barracas e oito ambulâncias, distribuídas em pontos estratégicos e de maior concentração de perigo.
Diretor inicia operação
O início de uma operação de atendimento em acidente na Fórmula 1 depende do diretor da prova. É ele quem, do alto da torre de observação, dá autorização ao diretor médico para que o deslocamento das equipes seja feito.
A partir daí, através de rádio, o diretor médico aciona as equipes mais próximas do acidente.
Todos os esquemas médicos dos circuitos da Fórmula 1 são supervisionados pelo médico Sidney Watkins, diretor médico da FIA (Federação Internacional de Automobilismo).
Equipamentos
De acordo com as recomendações da FIA, o serviço médico deve contar com barracas de atendimento, ambulâncias, "medical car", helicóptero, um minihospital e grande hospital especializado na região.
As ambulâncias e helicópteros são equipados com instrumentos de última geração. Entre eles estão o monitor cardíaco, desfribiliador (ressuscitador), respirador artificial, material de reanimação e equipamento especial para remoção e imobilização e maca inflável.
Para enfrentar as dificuldades respiratórias do piloto, os médicos têm dois tipos de intervenção. O mais fácil é o entubamento. Um tubo é colocado na boca e é ligado a uma espécie de balão de borracha, chamado ambu.
Apertado com as mãos, o balão remete ar para o sistema de respiração. Quando as vias áreas estão comprometidas com sangue e secreção, opta-se pela traqueotomia (veja quadro). Nesse caso, o socorro também é feito com o ambu.
Ao ser levado para o interior da ambulância ou do helicóptero, o tubo então é conectado diretamente no respirador artificial, que faz o trabalho automaticamente.
É provável que Senna, logo ao bater, tenha entrado em estado de coma profundo. Isso significa que o piloto vive um estágio de inconsciência. Ele não apresenta reações a estímulos verbais (perguntas) e dores.
Segundo o médico Ailton Beraldo, em função de o acidente ter acontecido em fração de segundo, é muito provável que Senna não tenha sentido dor.
Falha na suspensão é possível causa
Senna entrou na curva a quase 300 km/h, não conseguiu contorná-la e bateu no muro

Do enviado especial

O acidente que matou Ayrton Senna foi causado provavelmente por uma quebra na suspensão traseira de seu carro na sétima volta do GP de San Marino.
A Williams, sua equipe, não se pronunciou sobre as razões da perda de controle da máquina na curva Tamburello, onde Senna bateu.
O acidente aconteceu às 14h12 locais, 9h12 de Brasília. Senna liderava a corrida com 0s682 de diferença sobre Schumacher, o segundo colocado. Ele largara na pole, pela terceira vez no ano.
A curva Tamburello fica logo após a reta dos boxes, para a esquerda. Naquele ponto os carros de F-1 passam a quase 300 km/h.
Senna não conseguiu contorná-la e bateu com o lado direito de seu carro no muro de concreto.
A chegada das equipes de socorro foi rápida -cerca de 20 segundos. Mas ninguém tocou no piloto até que os médicos chegassem lá. Um colar protetor foi colocado em seu pescoço.
Retirado do cockpit, Senna foi deitado numa maca, desacordado, e ali mesmo foi feita uma traqueostomia porque o piloto tinha dificuldade de respirar.
Um helicóptero vindo de Bolonha, a 35 km de distância, pousou na pista para removê-lo. Foi o mesmo helicóptero que levou o austríaco Roland Ratzenberger para o hospital anteontem.
Às 14h33 o helicóptero decolou para o hospital Maggiore, em Bolonha. Chegou às 14h44. Ayrton foi levado para a UTI do setor de reanimação, no 11º andar.
Durante o vôo para Bolonha, Senna teve uma parada cardíaca e a circulação comprometida.
No hospital, a circulação foi reativada por aparelhos, assim como a respiração.
Às 17h55, era declarado em coma profunda. Às 18h05, a médica-chefe do setor de reanimação, Maria Tereza Fiandri, informou que já não havia mais atividade cerebral no piloto.
As leis italianas não permitem o desligamento de aparelhos que mantém vivos pacientes nessas condições. Pouco depois Fiandri informou que os sinais vitais de Senna haviam cessado. Ele morreu às 18h42.
Seu corpo deixou o hospital às 21h27 para a realização da autópsia no Instituto Médico Legal de Bolonha, de onde deve seguir hoje para o Brasil.
Centenas de pessoas fizeram vigília no hospital Maggiore, esperando notícias sobre Senna.
No saguão do hospital, torcedores com camisetas do piloto e bandeiras do Brasil aguardavam em silêncio as notícias. Muitas pessoas choravam.
Na reanimação, o irmão do piloto, Leonardo Senna, acompanhava o trabalho dos médicos ao lado da assessora de imprensa de Senna, Beatriz Assumpção, e do amigo Antonio Carlos de Almeida Braga.
Apenas um piloto foi até o hospital depois da corrida, o austríaco Gerhard Berger -que foi companheiro de Senna na McLaren de 90 a 92. Frank Williams, dono da equipe, chegou depois da morte de Ayrton e não deu declarações.
Beatriz disse que a família de Senna não viria à Itália e que os esforços seriam feitos no sentido de trasladar o corpo do piloto o mais rápido possível para o Brasil, provavelmente em um avião de carreira.
Os Acidentes de Senna
1983, Oulton Park (GBR)
Durante o Campeonato Inglês de Fórmula 3, chocou-se com Martin Brundle (GBR)

1984, Hockenheim (ALE)
Bateu ao perder uma peça e o controle do carro a 300 km/h. "Foi o maior susto da minha vida", disse

1987,Spa-Francorchamps (BEL)
Bateu em Nigel Mansell (GBR/Williams)

1988, Mônaco
Liderava a corrida quando se chocou com o guard-rail

1988, Monza (ITA)
Liderava quando bateu no retardatário Jean-Louis Schlesser (FRA/Williams)

1989, Estoril (POR)
Bateu em Nigel Mansell (GBR/Ferrari), que já estava desclassificado da prova

1989, Suzuka (JAP)
Bateu ao tentar passar o líder Alain Prost (FRA/McLaren). Voltou à pista, venceu, mas foi desclassificado por "cortar caminho"

1989, Adelaide (AUS)
Sob chuva, liderava quando bateu de frente em um retardatário, Martin Brundle (GBR/Brabham)

1990, Jacarepaguá (BRA)
Liderava quando bateu no retardatário Satoru Nakajima (JAP/Lotus)

1990, Suzuka (JAP)
Bateu em Alain Prost (FRA/Ferrari) na largada, conquistando, com isso, o bicampeonato mundial

1991, Hockenheim (ALE)
Ia a 320 km/h, durante treino, quando um pneu traseiro se esvaziou. Sofreu luxação de ombro e traumatismo cervical

1991, Hermanos Rodríguez (MEX)
Durante treino, capotou, mas saiu ileso

1992, Adelaide (AUS)
Bateu em Nigel Mansell (GBR/Williams)

1993, Magny-Cours (FRA)
Bateu em Martin Brundle (GBR/Ligier)

1994, Ímola (ITA)
Saiu da pista na curva Tamburello, chocando-se frontalmente com o muro, vindo a morrer no hospital

"Carro parecia muito nervoso"
O vencedor da corrida, Michael Schumacher, estava imediatamente atrás de Senna no instante do acidente.
O piloto da Benetton disse que na volta anterior percebera que a traseira do carro do brasileiro já havia batido no chão e ele quase saiu da pista.
"Seu carro me parecia muito nervoso. Na hora do acidente, me pareceu que a traseira abaixou e tocou no asfalto. Por isso ele perdeu o controle."
Até o ano passado, os carros das equipes de ponta usavam sistemas computadorizados de suspensão, as chamadas suspensões ativas, proibidas este ano pelo regulamento da F-1.
Esses equipamentos "liam" as irregularidades das pistas e corrigiam automaticamente o curso das molas, mantendo o carro a uma altura constante do solo.
Se o problema de Senna ontem foi mesmo na suspensão convencional, que usa amortecedores, o acidente talvez pudesse ter sido evitado com o uso do equipamento eletrônico.
As suspensões ativas, porém, também tinham seus problemas. Como elas eram controladas através de um software (programa de computador), podiam falhar, às vezes, sem dar qualquer tipo de aviso.
No GP de Portugal do ano passado, por exemplo, o sistema da Ferrari de Gerhard Berger estava programado para abaixar o carro a uma determinada velocidade. Berger saiu dos boxes depois de um pit stop acelerando demais.
Atingiu a velocidade que abaixaria o carro antes da saída dos boxes, onde há uma grande ondulação. A máquina "sentou" a traseira e bateu no asfalto.
Berger atravessou a pista e bateu no muro do outro lado. Por muito pouco não foi acertado em cheio pelo Footwork de Derek Warwick, que vinha a 250 km/h.
Como a morte de Senna ocorreu no final da tarde, não havia mais nenhum piloto no autódromo na hora do anúncio oficial. Só a equipe Simtek se manifestou.
Em comunicado de imprensa, o dono do time, Nick Wirth, lamenta a morte de Senna um dia após perder também seu piloto, Roland Ratzenberger.
Piloto fala sobre seu carro
Em um artigo de jornal publicado na manhã de sua morte, Ayrton Senna escreveu que ele estava tento problemas para manter seu carro no traçado em Imola e que vinha fazendo testes aerodinâmicos.
O artigo, escrito no maior jornal alemão, também dizia que o acidente fatal com o austríaco Roland Ratzenberger confirmara seu medo sobre a segurança das corridas de Fórmula 1 desta temporada.
Senna escreveu que encontrara problemas com o seu Williams/Renault nas curvas longas e irregulares e que o seu carro era inferior ao Benetton do alemão Michael Schumacher.
Leia a seguir os principais trechos do artigo.

A Benetton de Schumacher é realmente um carro muito bom, mais do que tudo, nas curvas longas.
É uma coisa que está me dando muita dor-de-cabeça, já que expõe os pontos técnicos fracos de meu Williams.
O meu carro reage de maneira um pouco nervosa a este tipo de superfície de corrida.
Isto tem a ver com sua aerodinâmica especial, mas também está relacionado com uma dificuldade na suspensão.
Por estas razões, no começo da semana passada, nós experimentamos algumas modificações aerodinâmicas, que, nos treinos de Imola, eu já coloquei em prática.
Depois das duas primeiras corridas da temporada (Japão e Brasil), disse aos diretores das provas que, no futuro, devíamos olhar mais criticamente a capacidade dos nossos mais inexperientes pilotos.
Neste fim-de-semana, meu medo se concretizou com a morte de Roland Ratzenberger, que corria sua primeira temporada. No dia seguinte, Rubens Barrichelo bateu a alta velocidade.
Sei, pela minha própria experiência, que a maneira de um corredor jovem encarar uma corrida e aceitar seus riscos é totalmente diferente da de um piloto maduro.
Nosso problema é, que neste momento, há muitos pilotos jovens na Fórmula 1 e isto aumenta o perigo.

Família evita falar sobre a morte
A notícia da morte de Ayrton Senna foi recebida com muito abalo pelos familiares do piloto brasileiro. No momento do acidente, a mãe, Neide, e o pai, Milton, estavam na fazenda da família, em Tatuí (135 km a oeste de São Paulo).
Imediatamente após o acidente, a mãe de Senna decidiu voltar para a residência da família em São Paulo, onde chegou às 12h10.
O carro que a trouxe de Tatuí, um Omega vinho, entrou rapidamente na garagem do edifício onde moram os pais do piloto, no bairro do Pacaembu (zona oeste da cidade). Dona Neide aparentava estar muito nervosa.
Charles Mazanasco, um dos assessores de imprensa de Senna, falou em nome da família. "Todos estão muito chocados com a morte do piloto", disse.
Segundo ele, além da mãe, estavam no apartamento a irmã de Ayrton, Viviane, e seu marido, Flávio, além de um primo do piloto, Fábio Machado, que vai tratar da documentação necessária para o enterro do piloto brasileiro.
O pai de Senna, Milton Silva, decidiu permanecer na fazenda em Tatuí e só deve vir hoje para São Paulo. Segundo o médico Paulo Borges, que o examinou, Milton estava com um quadro clínico normal.
Borges disse que o pai de Senna ficou deprimido e resolveu esperar um pouco antes de voltar para São Paulo. "Ele estava como um pai ficaria numa situação dessas", afirmou o médico.
O irmão de Senna, Leonardo, está em Bolonha acertando o traslado do corpo do piloto, que ontem já havia sido liberado pelo Instituto Médico Legal local.
O porta-voz da família, Charles Mazanasco, não soube precisar quando o corpo chega ao Brasil para o velório.
Torcedores cercam o edifício dos pais
Os fãs de Ayrton Senna cercaram a porta do edifício onde mora a família do piloto assim que foi anunciada oficialmente a sua morte, ontem, no início da tarde.
Cerca de 200 pessoas (segundo cálculo da Polícia Militar) se concentraram diante da moradia da família na tentativa de obter maiores informações sobre a chegada do corpo do piloto a São Paulo.
Tamar Dvora Aron, 22, era moradora do mesmo prédio da família de Senna. "Mudei há cinco meses, mas vivia telefonando para o porteiro para saber quando o Senna estava no prédio. Sempre quis um autógrafo dele e um dia consegui", disse Tamar. "Só fiquei triste porque a foto que tirei ao lado dele acabou não saindo", afirmou.
Segundo o porteiro do edifício, Gervásio Ferreira, "Senna sempre foi muito gentil com todos os funcionários do prédio. Perdi uma grande pessoa", afirmou Ferreira.
João Bezerra de Menezes, funcionário de um prédio da vizinhança, não conteve as lágrimas. "A Fórmula 1 acabou para mim. Ayrton era o melhor, o maior de todos", disse Menezes.
Também emocionado estava o engenheiro Adriano Malatrasi, 30. Dizendo-se fã incondicional do piloto, ele esteve nas imediações do edifício acompanhado de seu filho, Marco Antonio, 3.
O garoto vestia um macacão com as cores da Williams e o boné de Senna. "Foi a minha forma de homenagear o piloto brasileiro", disse Malatrasi.
Cerca de 30 homens da Polícia Militar isolaram a entrada do edifício, só liberada para os moradores e pessoas autorizadas.
Uma delas foi Marcelo Monteiro, 18, que mora um andar abaixo do apartamento da mãe de Senna.
"Cheguei na rua e vi toda essa agitação. Me contaram o motivo e eu não acreditei", disse Marcelo, que estava acampado na praia da Juréia (litoral sul de São Paulo).
Em Tatuí, onda a família de Senna tem uma fazenda, vários moradores da cidade foram até o local à procura de informações sobre a morte do piloto.
A dona-de-casa Catarina de Lurdes Soares Alves, que passou a manhã e a tarde na frente da fazenda, disse que, quando o piloto estava em Tatuí, costumava freqüentar a Trattoria Della Nona, no centro da cidade.
Cobra culpa estado da pista
Muito emocionado e chorando, Nuno Cobra Ribeiro, 55, treinador físico de Ayrton Senna, atribui a morte do piloto às más condições da pista.
"Ayrton não queria correr. A pista não tinha caixa de brita e a batida foi em um paredão de concreto sem proteção de pneus", disse Nuno Cobra.
Para ele, o risco na Fórmula 1 aumentou quando a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) decidiu pela retirada da suspensão eletrônica e pelo estreitamento dos pneus.
Para Nuno Cobra, a FIA não pensa na segurança do piloto. E desabafou: "O homem, mais uma vez, fica como meio da avareza e da ganância. Fico revoltado com isso".
Ele treinava Senna há dez anos e três meses. Na sua opinião, Senna estava no seu melhor momento profissional. "A morte dele é uma perda irrecuperável para o Brasil".
Nuno Cobra soube do acidente pela televisão, enquanto assistia a corrida. "Não acreditei. É muito difícil para eu aceitar tudo isso. Estivemos juntos por muito tempo", afirmou.
Ele acredita que Senna era um ídolo para a juventude. "Ele era um exemplo de coragem, dedicação, trabalho e aplicação".

Parreira


Ayrton Senna havia prometido ao técnico Carlos Alberto Parreira, na semana retrasada, ir à Copa do Mundo torcer para o Brasil.
O encontro dos dois foi em Paris, onde a seleção jogou dia 20. Senna esteve no estádio Parc des Princes para assistir à partida. Deu o pontapé inicial.
"Conheci-o fugazmente, mas fiquei impressionado com seu carisma", disse o técnico. "Fico sem acreditar. Ele era um ídolo. Jovem, morreu de maneira estúpida.
O piloto afirmou em entrevista em Paris que aproveitaria a viagem para o GP do Canadá para ver algumas partidas do Mundial de futebol nos Estados Unidos.
Namorada de Senna viaja para Bolonha
A namorada de Ayrton Senna, a modelo Adriane Galisteu, estava em Portugal quando ocorreu o acidente com o piloto brasileiro.
Pouco tempo depois da batida, e ainda sem saber da morte de Senna, Galisteu, 21, ligou para a mãe, Emma Keleman Galisteu, que mora em São Paulo.
A modelo, que estava hospedada na casa de Senna em Portugal, disse que iria embarcar para Bolonha o mais rápido possível.
Segundo uma amiga que falou com a mãe de Galisteu, a namorada de Senna estava "supernervosa", especialmente por estar sem a companhia de alguém da família.
Adriane estava namorando Senna desde o ano passado. Eles se conheceram em uma festa na boate Limelight (zona oeste de São Paulo), depois do Grande Prêmio do Brasil do ano passado.
Era o dia 28 de março. Senna pediu e ganhou o telefone da modelo. No dia seguinte, o piloto ligou e convidou Galisteu para passar um fim-de-semana em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.
Galisteu não sabe o dia exato em que começou o namoro. Mas os dois passaram a se considerar namorado e namorada na segunda quinzena de abril do ano passado.
Adriane Galisteu nasceu em São Paulo, em 18 de abril de 1973. Modelo, fez as primeiras poses para publicidade quando tinha nove anos.
Em entrevista à "Revista da Folha", no ano passado, ela disse que preferia a Fórmula 1 à Fórmula Indy: "Acho a Indy muito perigosa".
Barrichello lamenta perda do ídolo
Piloto diz que Senna ficaria contente em saber que ele vai continuar correndo na F-1

O piloto Rubens Barrichello ficou muito emocionado com a morte de Ayrton Senna, a quem chamou de "o maior piloto de todos os tempos".
A Folha ligou para a casa de Barrichello em Cambridge, pouco depois de anunciada a morte de Senna. Um assessor disse que ele não tinha condições de falar.
Mais tarde, a Folha conversou com Barrichello através do telefone celular do piloto, que estava a caminho do aeroporto para vir a São Paulo, onde deveria chegar esta manhã.

Folha — Você acha que a segurança dos pilotos vai ter que ser revista depois deste fim-de-semana trágico?
Rubens Barrichello — Com certeza. O maior piloto de todos os tempos morto tragicamente, com certeza tudo vai ter que ser revisto.
Folha — Você agora passa a ser o brasileiro melhor posicionado no campeonato. Como que você sente esta responsabilidade?
Barrichello — Eu me sinto muito contente em poder estar em segundo no campeonato, lutando pelas três primeiras colocações, mas eu acho que é só o começo.
Folha — O que o Senna significava para você?
Barrichello — Ultimamente nós tínhamos nos aproximado mais. O Senna para mim era um ídolo e um amigo.
São as duas coisas mais significativas para mim. Uma pessoa que rompeu todas as barreiras.
Folha — E você, quando volta a correr?
Barrichello — Se Deus quiser em Mônaco. Eu estou voltando para o Brasil, vou ver o médico e se eu puder tirar o gesso, em Mônaco eu estarei de volta.
Folha — Esses acidentes neste fim-de-semana afetam um pouco a sua vontade de correr?
Barrichello — De certa forma nós temos de pensar que o Senna sempre gostou de viver correndo.
No Japão, fiquei sabendo por muitas pessoas que ele torcia demais (por mim), que ele gritava "vai menino" e isso para mim é uma alegria muito grande.
Então eu tenho certeza que ele vai ficar contente comigo correndo e não parado.
Folha — Na hora do acidente do Senna o que você sentiu?
Barrichello — Olha, eu tinha certeza que ele estaria como eu depois do meu acidente, que ele estaria alguns minutos desacordado.
Eu fiquei quase 15 minutos desacordado, então não fiquei muito preocupado. Mais depois que levantaram ele e eu vi o sangue, eu fiquei preocupado.
Folha — Você tem algum tipo de ritual para entrar na pista?
Barrichello — Eu rezo pedindo a Deus que me proteja e que me dê saúde, só isso. O resto sou eu quem tem que fazer.

Itamar decreta luto oficial
O presidente Itamar Franco vai decretar hoje luto oficial em todo o país pela morte de Ayrton Senna. Segundo o ministro Henrique Hargreaves (Casa Civil), embora não tenha sido chefe de Estado para receber a homenagem, o governo decretará luto.
Além de uma nota de pesar, Itamar encaminhou um telegrama ao pai de Senna.
Itamar assistia corrida pela televisão.
Antes que fosse anunciada a morte de Senna, Itamar mandou divulgar uma nota em que dizia estar "acompanhando com tristeza e desolação" o noticiário. Itamar tentou falar com a família de Senna, mas não conseguiu.
Itamar determinou ao embaixador brasileiro em Roma, Orlando Carbonar, que prestasse assistência aos familiares de Senna na Itália. O governo colocou o avião presidencial à disposição para trazer o corpo da Itália.
Itamar pretendia permitir que aviões da FAB levassem a família do piloto à Itália. Falou com Luiz Antonio Fleury, governador de São Paulo, para que fossem enviados aviões do Estado, mas enfrentou dificuldades técnicas.
Wilsinho acredita que quebra causou acidente
O ex-piloto de Fórmula-1, Wilson Fittipaldi Jr., pai de Christian Fittipaldi, disse ter tido "a impressão de que a causa do acidente de Senna foi uma quebra na suspensão traseira esquerda".
Ele assistiu a corrida pela TV, em seu apartamento no Guarujá (SP). Wilsinho falou com o filho após o fim da corrida em Ímola.

Folha — Como você analisa o acidente de Ayrton Senna?
Wilson Fittipaldi Jr. — Tive a impressão de que houve quebra na suspensão esquerda traseira.
Quando isso ocorre, a tendência da roda traseira é abrir, dirigindo o carro para o lado direito. A suspensão quebrou antes da curva.
Folha — Você já falou com o Christian?
Fittipaldi — Ele ligou 15 minutos depois de encerrada a prova e disse que iria para o hospital ficar ao lado de Ayrton.
Ele ainda não sabia da morte dele. Ele não viu o acidente e pediu para que eu explicasse o que tinha visto pela TV.
Folha — Como o acidente com Rubens Barrichello e a morte de Senna repercutiram em você?
Fittipaldi — A minha vontade era mandar o Christian pegar um avião e voltar imediatamente ao Brasil. Estou muito abalado. Esse é um esporte muito desgraçado, que infelizmente a gente adora.
Folha — Existe algum culpado pelos acidentes em Imola?
Fittipaldi — Não existe nenhum autódromo 100% seguro. A FIA (Federação Internacional de Automobilismo) deve diminuir a velocidade dos carros nas curvas.
Deveria ser criada uma comissão de técnicos e pilotos para vistoriar os autódromos e melhorar as áreas de escape. Os acidentes foram uma contingência do esporte.
Os pilotos vão ter que ponderar muito sobre suas vidas. Será que vale a pena tudo isso? Não sei.

Para Piquet, o circuito deveria ser modificado
Ex-campeão teve acidente na mesma curva, em 1987

Nélson Piquet, ex-campeão mundial de Fórmula 1, disse ontem em Florianópolis (SC) que a curva onde ocorreu o acidente com o piloto Ayrton Senna no circuito de Imola deveria ter sido modificada.
"Ali teria que mudar, fazer uma reta", disse Piquet, que se acidentou no mesmo local, em 1987. Ele não definiu o lugar como uma curva e sim como uma "reta torta".
Na opinião de Piquet, um problema mecânico foi a causa da batida. Piquet disse que, apesar do traçado, o local não apresenta dificuldades para os pilotos.
Piquet viu o acidente de Senna pela TV, no kartódromo Ronaldo Couto Daux, na praia dos Ingleses (SC), onde assistia a uma prova do Campeonato Sul-Americano de Kart.
Falando antes de saber da morte de Senna, Piquet disse: "Sabemos que o acidente foi muito grave e vai ser uma perda muito grande para o automobilismo."
Depois, ao saber da morte, Piquet deixou o kartódromo e foi para o hotel Costão do Santinho. Às 15h, conforme a portaria, ele saiu do hotel.
O ex-campeão disse não considerar o circuito de Imola mais perigoso e menos seguro que outros autódromos.
"Se for parar de correr em Imola, tem que parar de correr em Mônaco, em Adelaide (Austrália) etc.. A Fórmula-1 é um esporte perigoso". Ele afirmou que é impossível deixar os circuitos totalmente sem riscos.
"Quando um carro anda a mais de 300 km por hora, teria que ter área de escape em todos os locais com mais de cem metros, com caixa de brita, com tela. Isso é inviável de ser feito em todas as pistas do mundo".
Segundo Piquet, a área de escape do local do acidente de Senna tem de 30 a 40 metros.
"De onde saiu até onde bateu, ele (Senna) não demorou mais de um segundo. É um impacto muito forte".
O ex-piloto se acidentou na mesma curva em 1987. Sua Willians teve um pneu furado nos treinos. Ele não correu o GP de San Marino no dia seguinte.

Prost culpa dirigentes por "pesadelo"
Em entrevista emocionada, o tetracampeão diz que Senna dedicou `110% de sua vida' ao automobilismo
O tetracampeão de Fórmula 1 e ex-rival de Ayrton Senna, o francês Alain Prost, disse ontem que "o pesadelo de Imola é a demonstração da irresponsabilidade que reina hoje na Fórmula 1".
Prost estava ontem na Itália para comentar a corrida para a televisão francesa TF1. Antes do anúncio da morte do brasileiro, Prost, emocionado, falou à televisão francesa.
"Foi um fim-de-semana incrível", afirmou o francês. "Três acidentes graves com conseqüências diversas: um piloto morto, outro que escapou por milagre e, por último, um que luta pela vida."
Sobre Senna, Prost disse: "Ele foi meu rival, e muitas vezes foi até mais do que rival. Mas é um piloto, como eu fui por tanto tempo, e somos ambos apaixonados pelo automobilismo."
Prost considera que havia uma diferença entre os dois. "Senna dedica ao automobilismo 100% de sua vida. Talvez 110%. Eu nunca fui tão longe, talvez tenha dedicado 85% ou 90%."
Apesar dos problemas entre os dois, Prost estava feliz pela mensagem que Senna havia gravado para ele, na qual afirmava sentir sua falta.
"Foi uma mensagem muito simpática de Ayrton. Tudo o que posso dizer é que espero que ele se salve. Espero que não tenha seqüelas graves e que possa voltar à sua vida normal. Mesmo que não possa mais correr, que ele se salve."
Após o anúncio da morte do brasileiro, Prost se recusou a fazer qualquer comentário.
Prost disse que os acidentes evidenciam que é preciso voltar a pensar no problema da segurança dos pilotos. "Todos esses problemas não acontecem à toa. Nos esquecemos de pensar na segurança. Quando os carros estão naquela velocidade, não há muito o que fazer se algo dá errado."
Para Prost, os avanços tecnológicos estão direcionados exclusivamente para melhorar o espetáculo. "O objetivo não é fazer uma corrida mais segura, mas uma corrida melhor para o público. Há dois anos que não se fala mais em segurança."
Em entrevista à emissora italiana RAI, Prost disse: "Hoje existe uma desunião enorme entre os pilotos. Eles se tornam, assim, vítimas diretas dos desejos e vontades de patrocinadores, organizadores e empresários."
Nessa mesma entrevista, Prost afirmou: "É muito importante que se saiba que a Fórmula 1 hoje é um `grande business', um negócio de enormes proporções, que move quantias gigantescas de dinheiro. É um escândalo ver todos esses acidentes após tudo o que foi dito".
"Há quem diga que isso faz parte do esporte. Eu considero que isso é um escândalo. É certo que a Fórmula 1 é um esporte perigoso e sempre o será, mas isso não quer dizer que não se pode fazer nada para diminuir o perigo."
O francês fez uma previsão para o fim do campeonato: "Quando eu falava do problema da falta de segurança na chuva, diziam que eu exagerava. É certo que vamos ter problemas nas próximas corridas com chuva."
Para Prost, a tragédia de ontem exige uma ação conjunta dos pilotos para mudar as atuais regras.
"É fatal", previu pentacampeão Fangio
"Isto é fatal." Assim reagiu, petrificado, o pentacampeão mundial de Fórmula 1, o argentino Juan Manuel Fangio, ao ver pela TV o acidente que matou Senna.
Sem saber da morte do piloto brasileiro, Fangio, que assistia à prova em sua casa em Buenos Aires (capital argentina), se recolheu e não quis receber mais notícias sobre Senna.
"Meu tio gostava de Senna como um filho. Quando ele viu o acidente, começou a passar mal. Por isso, preferimos não lhe dar a notícia. Queremos evitar um desgosto maior para ele", disse Pipina, uma das sobrinha do ex-piloto argentino.
Fangio, 82, único pentacampeão mundial de Fórmula 1, está com sua saúde muito abalada e o médico advertiu os familiares para que evitassem desgostos.
O argentino sofre de problemas cardíacos. Há alguns meses, esteve hospitalizado, mas se recuperou. Desde então, Fangio está sob acompanhamento médico.
Fangio nunca tinha falado em um herdeiro, até a chegada de Senna à Fórmula 1. Tornou-se então admirador e fã do piloto brasileiro.
Essa admiração era mútua. O maior sonho de Senna era se tornar pentacampeão mundial e receber o troféu das mãos de Fangio.
Mesmo com problemas de saúde, Fangio veio assistir o Grande Prêmio do Brasil de 93 e visitou Senna no box da McLaren.
Os dois se encontraram pela última vez em Buenos Aires, no final do ano passado.
Naquela ocasião, Senna fez o pedido para que Fangio lhe entregasse o troféu pelo quinto título mundial.
Durante sua carreira, o argentino sofreu apenas um acidente grave, em 1952. O desastre o deixou fora das pistas por um ano.
Na época, Fangio já tinha um título mundial, o de 1951. Voltando às pistas, conquistou os Mundiais de 54, 55, 56 e 57.
Em 58 abandonou as pistas, aos 47 anos, ao sentir que já não tinha a mesma vontade de correr. Tornou-se diretor da Mercedes-Benz na Argentina.
Seu recorde de cinco títulos mundiais parece inatingível. Com o fim da carreira do francês Alain Prost, tetracampeão mundial, e a morte de Senna, não há candidatos à quebra da marca.
Emerson Fittipaldi diz estar "devastado"
Emerson Fittipaldi, piloto brasileiro de F-Indy, campeão de F-Indy (89) e de F-1 (72 e 74) - O piloto soube do acidente após uma sessão de testes na pista de Michigan, a mais veloz da Fórmula Indy. Ele disse estar "devastado" com a notícia. Emerson deve chegar hoje a São Paulo
Raul Boesel, piloto brasileiro de F-Indy e ex-piloto de F-1 - "A morte de Ayrton Senna foi uma tragédia para o esporte mundial". Boesel acrescentou que falta segurança aos carros de F-1. "Na F-Indy, o chassi na parte lateral do carro é bem mais alto, sobe quase à metade do capacete. Na F-1, o ombro do piloto fica quase todo de fora".
Michael Schumacher, piloto alemão, líder do Campeonato de F-1 - Disse que é preciso uma união de pilotos para aumentar a segurança da categoria. "O que temos a fazer é aprender com esse acidente, que causou a morte do Senna". Ele já defende algumas medidas: "Talvez agora os pilotos comecem a pensar sobre limitar a velocidade."
Stirling Moss, ex-piloto inglês de F-1 que correu nos anos 60 - Afirmou que o carro de Senna parecia estar com problemas. "Deu a impressão de que Senna não tentou fazer a curva. Como era ele, o problema deve ter sido o carro."
Jackie Stewart, ex-piloto escocês, tricampeão de F-1 (69, 71 e 73) - "Senna era um dos maiores pilotos de todos os tempos. Isso deixou a comunidade da F-1 ainda mais chocada."
Alain Prost, ex-piloto francês, tetracampeão de F-1 (1985, 86, 89 e 93) - Classificou a morte de Senna como um "choque". "Se estivesse no lugar de Damon Hill, não teria participado da nova largado", disse o francês, inimigo de Senna enquanto corria.
Jean Alesi, piloto francês da Ferrari (está fora das pistas devido a um acidente em testes no início do ano) - "As máquinas atuais são quase incontroláveis e muitas vezes imprevisíveis."
Carlos Reutmann, ex-piloto argentino, vice-campeão da F-1 em 1981. "Ayrton Senna foi um piloto fora-de-série." Reutmann atualmente sofre de insuficiência renal e tem se submetido a sessões de diálise para superar o problema.
Ron Dennis, sócio e chefe da equipe McLaren, pela qual Senna correu durante seis anos, de 1989 a 1993 - Negou que os carros de F-1 tenham problemas de segurança. "Esta é a pior parte das corridas de carros."
Eddie Jordan, chefe da equipe Jordan, pela qual corre Rubens Barrichello, que sofreu um acidente no treino de sexta-feira - "Esse foi e será o mais horrível fim-de-semana do nosso esporte por muito tempo."
Nigel Mansell, britânico, campeão da F-1 em 92 e da F-Indy em 93 - "Estou em total estado de choque. Ayrton e eu fizemos algumas das maiores corridas da história e é impossível verbalizar o que essa perda significa."
Michael Andretti, piloto norte-americano, companheiro de Senna na McLaren em 93 - "Quero que todos saibam que ele era uma ótima pessoa. 99% das coisas que diziam sobre ele não eram verdade. Ele sempre foi correto comigo."
Mario Andretti, pai de Michael, campeão mundial em 78: "Ele foi um dos primeiros a enviar uma mensagem de parabéns a meu filho quando ele venceu o GP da Austrália de F-Indy, este ano. É uma perda devastadora, um choque."
Última entrevista foi na sexta-feira
Piloto marcara reunião com Berger, Schumarcher e Alboreto para discutir segurança na F-1

Depois da morte de Roland Ratzenberger, no sábado, Ayrton Senna não falou mais à imprensa. Sua última entrevista foi concedida na sexta-feira, após o primeiro treino oficial do GP de San Marino, no qual conquistou a pole provisória.
Antes da corrida de ontem, ele se reuniu com Schumacher, Gerhard Berger e Michele Alboreto. Estava preocupado com a segurança, depois de assistir ao acidente de Rubinho e à morte de Ratzenberger.
Marcaram uma reunião para a sexta-feira do GP de Mônaco, daqui a duas semanas. Levariam sugestões dos pilotos aos dirigentes da F-1.
Ayrton estava consternado pelo acidente com Rubens Barrichello, momentos antes. E quase não falou sobre o desempenho de seu carro, que tinha modificações aerodinâmicas e na suspensão dianteira para a corrida de Imola.
Senna preferiu se fixar nas questões de segurança. Disse que sem os equipamentos eletrônicos proibidos pela FIA, os carros de Fórmula 1 ficaram muito perigosos.
"Hoje eles têm poucos recursos, estão muito difíceis de controlar", disse Senna. "O problema maior é que o comportamento do carro varia de volta para volta. Fica muito inconstante."
Senna falou que em nenhum momento, naquele dia, se sentiu seguro ao dirigir. "Não fiz nenhuma volta tranqüila, nenhuma volta boa. Se acertava numa curva, errava em outra."
Desde os primeiros testes com a Williams, Ayrton reclamava da falta de equilíbrio e constância de seu carro. "Nós fomos a equipe que mais perdeu com o novo regulamento", dizia.
Sem a ajuda da eletrônica, a Williams passou a ter um carro tão falível quanto os outros. Entre as equipes de ponta, era a que mais sofria em pisos irregulares e ondulados.

Circuito apresenta muitos problemas
Os organizadores do GP de San Marino, assim como a FIA (Federação Internacional de Automobilismo), limitaram-se a comunicar a morte de Ayrton Senna no autódromo.
A corrida foi um festival de catástrofes. Além da morte de Senna e Ratzenberger e do grave acidente com Rubens Barrichello, mais dez pessoas se feriram.
Nada disso levou a FIA a anunciar qualquer decisão sobre segurança nos próximos GPs ou a apontar problemas no circuito italiano.
Os maiores defeitos de Imola são as áreas de escape, muito estreitas em pontos velozes, a falta de barreira de pneus para atenuar impactos e o pouco espaço na área dos boxes.
Ontem, quatro espectadores foram atingidos depois do acidente entre J.J. Lehto, da Benetton, e Pedro Lamy, da Lotus, na largada. O português acertou o carro do finlandês, que ficou parado na reta dos boxes.
Dois pneus da Lotus de Lamy voaram sobre a tela de proteção e atingiram os torcedores Paolo Ruggero, 26, Stefano Tracchi, 28, Mauro Roasio, 20, e Antonio Maino, 28. Os três primeiros sofreram ferimentos leves. O último está em estado grave.
Nos boxes, um pneu do Minardi de Michele Alboreto foi mal fixado, na 48ª volta, e quando ele voltava à pista, a roda se soltou e atingiu cinco mecânicos -três da Ferrari, um da Lotus e um da Benetton- e um comissário.
O que se machucou mais foi o ferrarista Maurizio Barbieri, que fraturou a tíbia.
A FIA deve se pronunciar hoje oficialmente, em Paris, sobre os acidentes do fim-de-semana e possíveis mudanças no regulamento ainda para este ano.
Piquet e Berger já bateram na curva
O piloto brasileiro Nelson Piquet e o austríaco Gerhard Berger também sofreram acidentes graves na curva de Tamburello, a primeira depois da largada de Imola.
Em acidentes de menores conseqüências, o italiano Ricardo Patrese e o brasileiro Roberto Pupo Moreno foram vítimas da mesma curva.
Piquet corria a 200 km/h quando perdeu o controle de sua Williams, rodou e bateu de lado no muro de concreto.
Era o primeiro treino oficial do GP de San Marino, em 1º de maio de 87, exatos sete anos antes do acidente de Senna.
O piloto sofreu traumatismo craniano, torceu o joelho esquerdo e teve escoriações no peito e nos braços.
Berger estava a 280 km/h em sua Ferrari, deixou de fazer a curva e bateu contra o muro de proteção. O carro pegou fogo.
Berger estava em 5º lugar no GP de 89, a 9s do líder e depois vencedor da prova, Senna.
O carro queimou por 15,7s até o salvamento chegar. Mais 6s, se estimou, e o fogo atingiria sua roupa. Berger sofreu queimaduras nas mãos, costas e pescoço e fraturou uma costela.
Moreno bateu sua Eurobrun a 240 km/h em 90. O choque não teve conseqüências graves.
Nos testes em 92, Patrese bateu e destruiu o lado esquerdo de sua Williams. O piloto desmaiou na hora, mas foi retirado já consciente do carro.
Senna venceu três vezes no circuito de Imola
Ayrton Senna obteve três vitórias no circuito de Imola, em San Marino. A primeira delas foi no dia 1º de maio de 1988, há seis anos, pela McLaren, quando liderou a prova de ponta a ponta.
O piloto contou nesse ano com uma falha de seu rival Alain Prost, também da McLaren, que no momento da largada não deu rotação suficiente ao seu motor.
Senna, que estava na pole, aproveitou e saiu à frente. Quando Prost conseguiu se recuperar, chegando à segunda posição antes da 10ª volta, Senna já abrira uma vantagem que oscilava entre 7s e 11s.
Em 89, repetiu a dose. Conseguiu a segunda vitória consecutiva no circuito, numa disputa acirrada com Alain Prost.
Senna venceu a prova, mesmo tendo perdido a primeira posição para Prost na segunda largada, depois do acidente do austríaco Gerhard Berger (leia texto ao lado).
O duelo entre Senna e Prost imprimiu um ritmo violento à corrida. Os dois corriam pela McLaren e não existiam adversários de outras equipes com possibilidade de vencer. Apenas os dois terminaram a prova na mesma volta.
Na terceira vitória, em 1991, Senna liderou a prova de ponta a ponta. Prost, desta vez na Ferrari, rodou ainda na volta de apresentação, antes da largada.
Apesar das vitórias, o circuito de San Marino derrubou Senna duas vezes. A primeira em 1984, seu ano de estréia na Fórmula 1, pela equipe Toleman.
O piloto não conseguiu sequer classificação entre os 26 carros que participaram da prova.
A outra dura corrida que Imola impôs a Senna ocorreu no dia 17 de maio de 1992.
Mesmo tendo terminado em 3º lugar, o piloto não subiu ao pódio. Estava tão cansado que demorou dez minutos para descer do carro.
Senna comentou, na época, que tanto ele quanto seu McLaren "passaram dos limites em Imola".

Williams silencia sobre acidente
A Williams silenciou sobre a morte de Ayrton Senna. Nenhum representante da equipe explicou as razões do acidente e nada foi dito sobre o futuro do time no campeonato.
A equipe é atual bicampeã mundial de F-1. Conquistou o título de 92 com Nigel Mansell e de 93 com Alain Prost. Antes, fora campeã mundial de construtores em 80, 81, 86 e 87.
O substituto de Senna no GP de Mônaco deve ser o escocês David Coulthard, atual piloto de testes da equipe. Não há, porém, nenhuma definição quanto às demais provas da temporada.
Senna foi contratado pela Williams em outubro do ano passado. Foi sua volta ao time que lhe deu a oportunidade de guiar pela primeira vez um carro de Fórmula 1, em 1983.
Naquela ocasião, Frank Williams "emprestou" o carro de Keke Rosberg a Senna, que fez um teste no circuito inglês de Donington Park. Ayrton impressionou, andando mais rápido que o primeiro piloto da equipe.
Desde o final de 91 que Senna desejava ir para a Williams. Sentia-se desgastado na McLaren e achava que a equipe adversária seria a melhor nos campeonatos seguintes porque era a que tinha o melhor motor e dominava como ninguém a tecnologia das suspensões ativas.
No final de 92 esteve perto de um acordo, mas foi atropelado pelo inimigo Alain Prost, que tinha boas relações com a fábrica de motores Renault. O francês vetou a presença de Senna na equipe.
No ano passado Ayrton negociou secretamente com a Williams de julho a setembro. Prost soube e resolveu parar de correr. A contratação foi oficializada antes do final da temporada.
Em 19 de janeiro deste ano Senna sentou-se pela primeira vez no carro da nova equipe. Foi um teste no circuito do Estoril, em Portugal. A máquina era um FW15, modelo de 93 adaptado às novas regras.
Ayrton não ficou bem impressionado com o que viu. Desde o come reclamava que a Williams, sem suspensão ativa, era um carro muito difícil de dirigir. Falou o mesmo quando testou pela primeira vez o FW16 em Silverstone (Inglaterra) e depois Paul Ricard (França).
O contrato de Senna com a Williams iria até o final de 95. Ayrton nunca falou em parar de correr. Seu sonho secreto era ganhar mais dois títulos para igualar-se a Juan Manuel Fangio e, então, encerrar a carreira. Via na Williams a chance de realizá-lo.
Schumacher obtém vitória fácil
O alemão termina a corrida 54s à frente do segundo colocado, o italiano Nicola Larini

O piloto alemão Michael Schumacher, da Benetton, venceu ontem o GP de San Marino, no circuito de Imola (Itália), terceira etapa do mundial de Fórmula 1.
O italiano Nicola Larini, da Ferrari, ficou em segundo e o finlandês Mika Hakkinen, da McLaren, em terceiro.
Christian Fittipaldi abandonou a prova a duas voltas do final. Por causa do acidente com Ayrton Senna, o número de voltas da corrida foi reduzido de 61 para 58.
Foi a terceira vitória seguida de Schumacher, que mantém a liderança do campeonato, com 30 pontos. Damon Hill, da Williams, e Rubens Barrichello vêm em seguida, com sete.
Na largada, Ayrton Senna, que havia feito a pole position, manteve a primeira colocação. Por causa de um acidente envolvendo o finlandês J.J. Letho, da Benetton, e o português Pedro Lamy, da Lotus, o "safety car" entrou na pista.
Durante seis voltas, os pilotos tiveram que manter suas posições por razões de segurança e aproveitavam para aquecer os pneus enquanto os carros envolvidos no acidente eram retirados.
Uma volta depois de retomada a corrida, Schumacher assumiu a liderança, depois do acidente com Senna. A prova foi interrompida durante o atendimento ao piloto brasileiro.
Na nova largada, o austríaco Gerard Berger passou Schumacher e liderou a prova entre a sexta e a nona voltas. Depois de perder a liderança, Berger abandonou a corrida por problemas em sua Ferrari.
Mika Hakkinen e Nicola Larini também chegaram a ocupar a liderança. Mas, na 19ª volta, Schumacher, que parou três vezes nos boxes, passou a liderar e manteve a posição até o final, com 54s942 à frente de Larini.
O austríaco Karl Wendlinger, da Sauber, ficou em quarto. O japonês Ukyo Katayama, da Tyrrel, foi o quinto e o inglês Damol Hill, da Williams, o sexto. A volta mais rápida foi de Hill, com 1m24s335.
O destaque da corrida foi a boa atuação de Nicola Larini. O piloto italiano substituía pela segunda vez o francês Jean Alesi na Ferrari.
Havia uma grande expectativa da torcida italiana quanto à atuação de Larini. E para comemorar a segunda colocação do piloto e da escuderia italiana, centenas de torcedores invadiram a pista com bandeiras da Ferrari.
Mas o piloto italiano disse que não tinha como comemorar seu resultado por causa do acidente com Senna.
A corrida em Imola era considerada a grande chance para Ayrton Senna diminuir a diferença que o separava de Michael Schumacher, no campeonato deste ano.
Por ser uma pista veloz, esperava-se que a Williams de Senna, com motor Renault, levasse vantagem sobre a Benetton, de motor Ford, do alemão.
A previsão havia se confirmado nos treinos, prejudicados pelos acidentes com Barrichello, na sexta-feira, e Roland Ratzenberger, no sábado. Senna fez a pole position e bateu o recorde da pista.
Depois da prova de San Marino, o campeonato mundial de construtores continua com a Benetton em primeiro, com 30 pontos, seguida da Ferrari, com 16. Williams e Jordan estão em terceiro, com sete.

Vencedores não vibram no pódio
Apesar da vitória e da posição privilegiada no campeonato, o alemão Michael Schumacher não fez nenhuma comemoração especial no pódio de Imola.
Os três vencedores, Schumacher, Larini e Hakkinen, subiram lentamente no pódio, mostrando que ainda estavam abalados com o acidente envolvendo o brasileiro Ayrton Senna.
Não houve banho de champanhe e mesmo os troféus foram recebidos sem euforia pelos três pilotos.
Para Schumacher, a vitória, que o colocou a 23 pontos de Barrichello e Hill no campeonato, não tinha como ser comemorada. "Não há como sentir qualquer satisfação", disse.
O segundo lugar de um piloto italiano dirigindo uma Ferrari teria levado os torcedores à loucura em Imola, se não fosse o acidente com Ayrton Senna.
Mas, apesar da invasão da pista no final da corrida, os torcedores sentiram o peso do acidente com Senna e não demonstraram muito entusiasmo com o resultado.
O próprio Nicola Larini, que conseguiu ontem seu resultado mais importante, admitiu que não tinha como festejar.
"É muito difícil estar feliz nesse momento, embora tenha sido um resultado que eu sempre busquei", afirmou o piloto italiano.
Senna passa de herói a mártir
João Batista Natali
Da Reportagem Local

Ayrton Senna foi um herói para seus admiradores. Desde ontem, ampliou o espaço ocupado por sua imagem na mitologia do cotidiano moderno para se tornar bem mais que isso. É agora mártir.
Nesse imenso salto qualitativo, está a aparição da morte como um drama que é individual, mas ao mesmo tempo só compreendido na medida em que é o produto de um processo cultural e histórico.
As bibliotecas do Ocidente registram com enfoques inesgotáveis a dificuldade de se lidar com a morte.
Não quando ela é corriqueira, a chamada "boa morte", que a Idade Média acreditava ser precedida de sacramentos e definia como o desfecho de uma vida caridosa e com pecados perdoados.
A morte aceitável correspondia, grosso modo, à possibilidade de o cristão evitar a escala no purgatório (noção que surgiu no século 12) e ir direto para o paraíso.
A morte temida era a morte inesperada. O medo de sua ocorrência abasteceu momentos brilhantes da literatura. Em "A Tempestade", de Shakespeare, um dos personagens se refere ao temor do naufrágio:
"Que seja feita a vontade de Deus, mas eu gostaria de morrer de morte seca", diz ele.
Ariosto, em "Orlando Furioso", vai em sentido inverso com a imagem do herói destemido, paladino inacessível ao medo e que enfrenta a morte de peito aberto em sua luta contra os infiéis.
Ariosto foi um dos fabricantes de um modelo que seria constantemente atualizado e teria, como descendente direto, o herói esportivo contemporâneo.
O heroísmo é uma construção narrativa. Primeiramente, no cristianismo, com o martírio dos santos. Bem depois, a partir do século 8, com a figura do cavaleiro.
O cavaleiro medieval foi o personagem que mais se aproxima do atual esportista: comemora a vitória obtida com riscos elevados.
Militar em tempos de guerra, o cavaleiro passou à rotina lúdica durante os prolongados períodos de paz. Sua prática, por volta do século 12, é a que mais se aproxima da atual noção de esporte.
A pólis grega valorizava entre os cidadãos a prática esportiva, mas não era a mesma coisa. Inexistia o individualismo e a percepção não mitológica do herói.
Assim, é com a cavalaria medieval que o desempenho do indivíduo passa a ser objeto de uma linguagem específica que passa a ter ampla aceitação popular.
O herói é aquele que se arrisca sem ter um inimigo concreto.
Sua morte em torneio é sempre acidental. É uma morte trágica porque inesperada no interior da mitologia que o sustenta.
Evidencia-se o efeito de contraste com outras mortes, por volta do século 15, quando a morte chegava de surpresa por meio da peste bubônica.
A peste produzia vítimas. Só a cavalaria produzia heróis, que o Ocidente não tratava de forma homogênea.
A tradição latina valorizava o vencedor e só aceitava o derrotado quando emboscado ou por ter chegado aos limites de sua resistência.
Mas a mitologia germânica reverenciava bem mais o herói morto. Seu cadáver era recolhido pelas valquírias e levado para conviver num conselho presidido pelo deus Wotan.
Tricampeão da F-1 foi garoto trapalhão
Senna não tinha coordenação, vivia se esfolando, até que descobriu o kart e as vitórias

Quem visse Ayrton Senna com 3, 4 anos de idade mal poderia imaginar que estava ali a versão em miniatura do que viria a ser um dos pilotos mais técnicos da história do automobilismo.
Senna era um trapalhão, segundo sua mãe, Neide da Senna Silva. Não tinha coordenação motora, vivia se esfolando e subir uma escada de três degraus era uma odisséia para o menino.
Sorvete, sua mãe dizia comprar logo dois: um, com certeza, acabava no chão.
A palavra mágica que transformou o trapalhão em atleta que raspava na perfeição foi carro.
Seu pai, Milton da Silva, conta que Senna, aos 7 anos, era capaz de trocar as marchas de um jipe na fazenda em Dianópolis (GO) sem pisar na embreagem, só ouvindo o tempo do câmbio.
Milton ficou assustadíssimo, mas para o bem. Em vez de dar pitos no garoto, foi seu primeiro patrocinador. Construiu um dos primeiros karts de Senna na metalúrgica que tinha em São Paulo.

A primeira vitória


Foi com um kart que Senna começou a reverter o destino de ser o segundo: foi a segunda criança a nascer às 2h35 do dia 21 de março de 1960 na maternidade Pro-Matre de São Paulo e, na escola, nunca esteve entre os primeiros da classe.
No dia 1º de julho de 1973, venceu sua primeira corrida de kart, uma categoria pela qual era apaixonado, a ponto de construir um kartódromo em sua fazenda em Tatuí, a 135 km de São Paulo.
Com um kart, venceria os campeonatos sul-americanos de 1977 e 1978 e os brasileiros de 1978, 1979, 1980 e 1981.
Nos mundiais, sua sorte ainda patinava: foi sexto colocado em 1978, vice em 1979 e 1980, quarto em 1981 e 14º em 1982.
Aos 21 anos, Senna trocou os carrinhos pelos carrões. Foi em 1981 que ele começou a correr pela F-Ford 1600 na Inglaterra e conquistou o título da temporada.
Dali, foi saltando de categorias, sempre com o título de campeão na mão. Venceu os campeonatos inglês e europeu de F-Ford 2000 em 1982 e o inglês de Fórmula 3 em 1983.
Foi neste ano, após vencer seis das oito provas disputadas no circuito de Silverstone, que ganhou seu segundo apelido: Ayrton Senna da Silva virou "Silvastone". Seu primeiro apelido foi dado pelo família: "Beco".

A estréia na F-1

Em 1983, quando pilotou seu primeiro F-1 num teste para a Williams, Senna já definia o que viria a ser sua marca registrada: a frieza e o senso de cálculo.
"Sou tão calculista que, durante uma corrida, não penso apenas em chegar na frente dos outros -penso no que implicaria uma vitória em termos de repercussão no Brasil, junto à imprensa ou aos patrocinadores. Tudo isso passa pela minha cabeça", contava à época.
Essa frieza toda esbarrou no carro com que começou a correr na F-1, um Toleman/Hart. Logo na estréia, no GP Brasil de 25 de março de 1984, Senna largou em 16º e abandonou a prova. Acabou a temporada de 1984 em 10º lugar.
Senna só encontraria um carro à altura de seu calculismo com outro encontro explosivo na história da F-1: o da experiência da McLaren com a alta tecnologia da Honda.
Foi com um McLaren-Honda que Senna conquistou seus três títulos mundiais, em 1988, 1990 e 1991. Só outros cinco pilotos colecionam três títulos na história da F-1: Jack Brabham, Jackie Stewart, Niki Lauda, Alain Prost e Nélson Piquet.
Senna achava pouco o tri. Sua ambição era chegar ao pentacampeonato até o ano 2000 -marca só atingida pelo argentino Juan Manuel Fangio nos anos 50.

O enigma

Com a fama crescendo à proporção dos títulos que conquistava, Senna teve que travar outra batalha fora das pistas: a que visava preservar sua vida privada.
Ao contrário de Nélson Piquet, um playboy expansivo e falador, Senna cultivava a imagem de tímido, recatado e silencioso.
Suas declarações confundiam ainda mais quem tentava cristalizar alguma imagem do piloto.
Quem acreditava estar diante de uma pessoa fria e calculista, Senna contra-atacava com seu lado místico. Dizia que viu Deus em 1988, no dia em que conquistou seu título mundial, no Japão.
Quando todos já haviam se acostumado com sua imagem de bom-menino, Senna despejava sua cólera.
Sua entrevista mais furiosa aconteceu em 1991, logo após conquistar o tricampeonato no Japão em 1991. Gerhard Berger citou o nome de Jean Marie Balestre, ex-presidente da Federação Internacional de Automobilismo e antigo desafeto do piloto brasileiro. Funcionou com uma senha para o ódio do piloto: "Que se fodam as regras que dizem que não se pode dar opinião. Merda, estamos em um mundo moderno e somos pilotos profissionais".
Quando seu rival Nélson Piquet começou a espalhar no final dos anos 80 o boato de que seria homossexual, eis que ele surge com uma das mulheres mais desejadas da época, Xuxa.
Quando os jornais publicam que o namoro com Xuxa seria uma jogada promocional para camuflar seu homossexualismo, Senna esbraveja. "Isso é um desrespeito muito grande".
Solteiro desde 1985, quando divorciou-se de Liliane, Senna dizia namorar a modelo Adriane Galisteu, 21, desde o ano passado.
Casamento não fazia parte de seus planos. "Você não escolhe: vou amar essa mulher, vou casar com ela e ter filhos. Ninguém faz isso, e quem tenta fazer entra pelo cano com certeza", disse em entrevista à revista "Caras".

A fortuna

Dúvidas, como a do casamento, Senna não tinha quando assumia sua outra persona: a de piloto que sabe negociar contratos e investir bem tudo que ganha.
Um levantamento divulgado pela revista "Forbes" no ano passado media com precisão o degrau que Senna se encontrava no esporte: foi o terceiro atleta mais bem pago do mundo ao receber US$ 18,5 milhões.
Só ficava atrás do jogador de basquete Michael Jordan (US$ 36 milhões) e do boxeador Riddick Bowe (US$ 25 milhões), ambos norte-americanos.
Só de um de seus patrocinadores, a Philip Morris, Senna recebeu US$ 11 milhões em 1993.
O dinheiro não ia só para seus negócios, que incluíam empresas de promoções e licenciamento para emprestar seu nome a barco, autorama e até gibi.
Senna cultuava a boa vida: tinha, entre outros bens, um apartamento em Mônaco, uma casa de praia em Angra dos Reis (RJ), uma fazenda em Tatuí (SP), um jato de US$ 8 milhões.
Sua explicação para o sucesso era uma espécie de ovo de Colombo: "Cheguei onde cheguei porque sempre tive os pés no chão".

Grupo de Senna é diversificado
Ficou vazio o escritório do 13º andar do envidraçado Centro Empresarial Vari, em Santana (zona norte).
É desse Q.G. que Ayrton Senna comandava um colar de empresas, com ajuda do pai, Milton da Silva, do irmão Leonardo e do primo Fábio Machado.
São 25 funcionários atuando nos três braços da holding (empresa mãe), a Ayrton Senna Promoções e Empreendimentos.
A morte do piloto coincide com a fase de maior visibilidade dos negócios que ele vinha consolidando, preocupado com o futuro fora das pistas.
Em março começou a circular, com 150 mil exemplares, a revista quinzenal "Senninha", que consumiu US$ 2 milhões.
Outros US$ 2 milhões estavam programados para o lançamento do personagem no Japão e outros países do circuito da fórmula 1.
Senna cuidava pessoalmente do projeto de um desenho animado com 52 episódios, uma produção oriental em parceria com um grande estúdio norte-americano.
Fundada em 1990 para administrar a concessão do uso da marca (um "S" estilizado, como uma das curvas do autódromo de Interlagos), a Ayrton Senna Licensing projetava colher US$ 10 milhões até 1995.
Os produtos licenciados têm como alvo consumidores da classe AB (no topo da pirâmide de renda), de 17 a 35 anos.
A logomarca batiza, desde 1992, um barco de 42 pés para cruzeiros de médio curso, produzido pela Fast Boats e à venda por cerca de US$ 200 mil.
Além disso, a Sega vendeu, até dezembro de 1993, 800 mil cartuchos de um game protagonizado pelo piloto.
Ainda este mês, Senna cumpriria contrato de publicidade com a equipe de moto-ciclismo Cagiva. Um modelo de moto Ducatti recebeu seu nome, assim como uma "moutain bike" lançada pela Carraro, também italiana.
O braço automotivo da holding (Senna Import) adquiriu, em 1993, uma concessionária Ford e exclusividade da importação de veículos Audi.
Os carros foram desembarcados de um avião, na noite de 29 de março, no hangar da Varig, na presença de 2.000 convidados, em festa animada por Jô Soares.
Fogos de artifício iluminavam a pista do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.
O irmão e sócio Leonardo declarou que foram gastos US$ 5 milhões no empreendimento. A expectativa é de vender mil unidades até dezembro.
O grupo passou a atuar, este mês, no setor de importação de eletrodomésticos da italiana De Longhi, em associação com a empresa paulista Reflex.
Está prevista a implantação de uma fábrica na Zona Franca de Manaus em 1995, que deve impulsionar vendas de US$ 20 milhões já no ano seguinte.
É tangível o potencial despertado pela carismática personalidade do piloto.
Testes encomendados pelo Banco Nacional, cuja marca estampava o macacão e capacete, revelaram que comerciais por ele estrelados chegam a atingir índices de até 70% de memorização.
"Ayrton estava estruturando a empresa de maneira que os negócios continuassem de forma independente", disse ontem a diretora Cecília Yoshizawa, com a voz embargada.
"Como em tudo na vida, vão-se as pessoas, mas as idéias ficam", escreveu Senna na apresentação do portfólio de sua empresa.

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